Considerações sobre o poder entre Michel Foucault e Pierre Clastres | Cezar Prado


Cezar Prado [1]

 

 

Celui qui vous maistrise tant n’a que deux yeulx,

n’a que deus mains, n’a qu’un corps,

et n’a autre chose que ce qu’a le moindre homme…[2]

– Étienne de La Boétie

Introdução

É interessante pensar em cada escolha individual como algo que poderia ter levado a um fim completamente diferente, a mundos distintos, a formas outras de se relacionar consigo mesmo e com a sua exterioridade. Porém, sabemos que nossas vidas não dependem de meras escolhas individuais, ou da separação fictícia entre “dentro” e “fora”, de modo que se faz necessário pensar o espaço onde nos inventamos e nos situamos enquanto sujeitos. Penso, aqui, no filme O Castelo Animado (2004), de Hayao Miyazaki, no qual se retrata um castelo movente feito de máquinas e animado por um ser ígneo chamado Calcifer, e no interior do qual uma porta mágica leva para diferentes lugares, onde os personagens ora se encontram em um belo jardim, ora no meio de uma guerra, ora em uma vila mercantil, ou ainda na infância passada do personagem Howl – em cada caso, transformando as ações e mesmo a fisionomia dos personagens segundo cada lugar no qual o insólito castelo se situa. E o próprio castelo, num certo momento, altera-se interiormente e ganha novas portas para novos lugares.

 

De modo análogo, neste artigo eu pretendo explorar – a partir de reflexões entre Foucault e Clastres – o fato de que diferentes espaços culturais implicam diferentes relações de poder, assim como variadas formas de constituição da subjetividade. Se para um índio yanomami do norte da Amazônia, por exemplo, “é escandaloso ‘comer a vagina’ de uma irmã – essa é a expressão dos índios –, não há escândalo algum em ‘comer o ânus’ do irmão”, o mesmo valendo para a relação entre cunhados e primos, sendo até bastante útil para empreendimentos guerreiros e para o cuidado mútuo, de afeição duradoura e recíproca, entre os membros homens da comunidade (cf. Trevisan, 2018, pp. 211-212). Neste exemplo inicial, constatamos não apenas o fato de a cultura yanomami sustentar relações homoafetivas que contribuem para a coesão da comunidade, mas também o fato de se recusar a adotar o que chamamos de “masculinidade tóxica” ou “frágil”, cujo efeito é a limitação/fixação dos papéis de gênero de uma sociedade e, portanto, das relações de poder entre os seus sujeitos.

 

(Leia o artigo completo em PDF).

 

Recebido em: 20/03/2021

Aceito em: 15/04/2021

 

[1] Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: cezarprado.m@gmail.com

[2] “Aquele que vos domina tanto só tem dois olhos, só tem duas mãos, só tem um corpo, e não tem outra coisa que o que tem o menor homem…”.

Considerações sobre o poder entre Michel Foucault e Pierre Clastres

 

RESUMO: Como o título já indica, este artigo visa relacionar o conceito de poder existente na obra de Michel Foucault e na obra de Pierre Clastres, desenvolvendo a partir daí reflexões sobre o papel e a importância do Estado na sociedade ocidental e nas sociedades ditas primitivas. O artigo se divide em duas partes principais: na primeira, organizo conceitualmente a ideia de poder presente em cada um dos autores, recorrendo brevemente a outros pensadores que abordam o mesmo tema (Hobbes, Nietzsche, Weber); e, na segunda parte, apresento as reflexões dos autores sobre o Estado em seus aspectos centralizadores para as sociedades primitivas, em sua constituição na sociedade ocidental e em sua profunda historicidade na sua relação com o poder. Permito-me, ainda, transpor essa análise (utilizando-me de Kopenawa e Marx) para questões contemporâneas ligadas aos povos indígenas, seu encontro histórico com o povo dos brancos (nisso compreendido o seu “mau encontro” com o capitalismo) e às formas de subjetividade/humanidade que se propõem aqui e lá.

 

PALAVRAS-CHAVE: Poder. Estado. História. Sociedade primitiva.

 


Considerations about power between Michel Foucault and Pierre Clastres

 

ABSTRACT: As the title already indicates, this article aims to relate the concept of power existing in the work of Michel Foucault and in the work of Pierre Clastres, developing from there reflections on the role and the importance of the state in Western society and in the so-called primitive societies. The article is divided into two main parts: in the first, I conceptually organize the idea of ​​power present in each of the authors, briefly mentioning other thinkers who approach the same theme (Hobbes, Nietzsche, Weber); and, in the second part, I present the authors’ reflections on the state in its centralizing aspects for primitive societies, in its constitution in Western society and in its deep historicity in its relationship with power. I also allow myself to transpose this analysis (using Kopenawa and Marx) to contemporary issues related to indigenous peoples, their historical encounter with the white people (including their “bad encounter” with capitalism) and the forms of subjectivity/humanity that are proposed here and there.

 

KEYWORDS: Power. State. History. Primitive society.

 


PRADO, Cezar. Considerações sobre o poder entre Michel Foucault e Pierre Clastres. ClimaCom – Coexistências e cocriações [Online], Campinas, ano 8, n. 20,  abril.2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/consideracoes-sobre-o-poder/