Baile do fim do mundo | Allan Gomes de Lorena e Raylane Braz de Oliveira

Título | Baile do fim do mundo

Imagens que criam, recriam, procriam sua própria ficção, fricção e fissura. Imagens que produzem povoamentos “não apenas o rosto, mas também os dedos ou até as costas” (Didi-Huberman, 2018, p.71). Como não ver esses rostos, gestos, olhares, narizes, mãos? Como não ouvir o quanto eles gritam e expressam? Tais imagens ardem, indicam uma crise, um sintoma, revelam não uma falta de sentido, mas um excesso (Feriani, 2019). Para tanto, seleciono, corto, destaco, reenquadro. Inclino-me a destinar as imagens a um lugar de experiência, sensações e emoções (Bruno, 2019) passando por questões de observação e intuição.

Quando seleciono uma imagem,
coloco essa imagem como verbo
conjugo a imagem.

Perceptos,
percepção para interceptar
interceptar aquilo que atravessa
perceber como atravessa
travessia
trapaça
tropeços
re/Cortar é criar para dar forma a um eu profundo, cada corte respira
independente, um do outro, sendo todos um baile do fim do mundo.

Destacar e reenquadrar é uma dupla que não pode andar separada porque são experimentações de pensar a imagem em uma perspectiva de saúde (coletiva): qual a importância de uma festa, de um fluxo, de um rolê
na periferia para juventudes (na pandemia)? Baile do Fim do Mundo pode ser uma imagem, paisagem, passagem, miragem sobre festas, fluxos, rolês da juventude periférica LGBTQIA+. Baile do Fim do Mundo pode ser um elogio. Elogio este que valoriza uma experiência rara nesses contextos (Berenstein, 2012).

No entanto, funciona muito mais como um olhar especulativo, “imaginária, mas não menos real por isso, pois depende do ser situar se como se fosse outro: o sujeito como se fosse objeto, o possível como se fosse atual, o inexistente como se fosse existente (Nodari, 2015, p.82). É se permitir [poder] olhar o sujeito que se expropria de seu “espaço” habitual – muita das vezes, de sua invisibilidade – para dar espaço a experiência, reinventando-se, e assim, transpondo-se ao anônimo e dissensual (id., 2012). Paola Berenstein, em Elogio aos Errantes (2012), nos transmite um tipo de experienciar a cidade, através de sujeitos não-convencionais. Esse
ensaio é um elogio a sujeitos errantes que fluxam em territórios periféricos, onde a narrativa visual apropria-se da possibilidade dessa experiência. Assim como os sujeitos podem ser vistos como não-convencionais, inventando outras narrativas, a transmissão da experiência pode também não ser.

Falar sobre festas na pandemia, exprime o significado de além de, para além de, em troca de, através, para trás. É uma experiência errática. Também pode indicar travessia, errância, deslocamento ou mudança de uma condição para outra, denota uma função TRANSporte de um radical.

“[…] É um exercício de afastamento voluntário do lugar mais familiar e cotidiano, em busca de uma condição de estranhamento, em busca de uma alteridade radical. A experiência errática seria uma experiência da diferença, do outro, de vários outros (…).” (Berenstein, Paola, 2012: 22-23).

Um copo de chevette que se transborda.
Um corpo que se transforma.

Um copo meio cheio.
Um corpo meio vazio.
Um copo que se transforma.
Um corpo que se transborda.

Corpos. Copos. Tópos. Anti-corpos.

Na verdade, “meu corpo” indica uma possessão, não uma propriedade. Quer dizer, uma apropriação sem legitimação. Possuo meu corpo, trato dele como eu quiser, tenho sobre ele o jus uti et abutendi. Mas ele, por sua vez, me possui: me puxa ou me interrompe, me ofende, me detém, me impele, me repele. Somos um par de possuídos, um casal de dançarinos demoníacos. (Nancy, 2012, p.51).

Corpo, corpo, corpo
É estranho. O que é estranho?
A transfiguração?
A transplantação?

Translitere seu pensamento
Transforme o tratamento
dado
ao
corpo

 


 

Allan Gomes de Lorena

Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Departamento de Medicina Preventiva. Grupo de Pesquisa Esperança Garcia da Universidade Estadual do Piauí integrando a linha de pesquisa sobre políticas públicas, processos identitários, alteridade e movimentos sociais em grupos vulneráveis, email: allangdl.usp@gmail.com, telefone: 11 9 4839 4142.

 


Raylane Braz de Oliveira
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de Antropologia. Laboratório do Filme Etnográfico – LAB-UFF, email: rahbrazo@gmail.com, telefone: 21 9 6981 6253.

 

 

LORENA, Allan Gomes de; OLIVEIRA, Raylane Braz de. Baile do fim do mundo. ClimaCom – Coexistências e cocriações [online], Campinas,  ano 8, n. 20. abril 2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/baile-do-fim-do-mundo/


 

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