Mandakaru: divulgação científica é resistência em tempos de pandemia

Carolina Carettin [1]

Grupo formado por pesquisadores da Unicamp desconstrói estereótipos em relação aos cientistas e à ciência.

Em março de 2020, o Sars-CoV-2, vírus responsável pela Covid-19, começou a fazer as primeiras vítimas no Brasil. O noticiário e as redes sociais foram tomados por máscaras, isolamento social, mortes, vacinas, respiradores. Nesse cenário, a divulgação científica passou a ser cada vez mais importante, trazendo pesquisas e cientistas mais perto da sociedade.

Muito antes da Covid-19 chegar ao país, no final de 2018, os jovens Jasmim Oliveira, Welington Luis Sachetti Júnior e Isabela Marques – todos biólogos formados pela Unicamp – sentiram necessidade de criar um canal de comunicação para falar sobre a produção científica na Universidade. “Nessa época tinha muita fake news circulando, muita pseudociência e a gente ficou preocupado com a situação”, explica Jasmim. “Percebemos que a universidade estava muito distante das pessoas e tivemos a ideia para informar as pessoas sobre o que é ciência”.

Em abril de 2019 nasceu a Mandakaru, uma página nas redes sociais – Facebook, Instagram e YouTube – para divulgar a ciência brasileira. O nome foi escolhido por conta da planta que leva o mesmo nome, o mandacaru, que floresce na seca nordestina. “O mandacaru é símbolo de resistência e a ciência brasileira, em meio a tantos ataques e cortes, resiste. A gente tenta florescer no meio dessa seca toda”, afirma Jasmim.

Antes da pandemia, a Mandakaru seguia uma linha explicativa abordando temas básicos do fazer científico como “O que é uma hipótese, uma teoria, uma lei?”. A página também tinha uma série sobre cientistas brasileiros na qual os próprios seguidores podiam enviar seus trabalhos para divulgação. Com a Covid-19, o foco mudou. Além da pandemia, a fundadora ressalta as queimadas que estão devastando biomas brasileiros como o Pantanal e a Amazônia. “A gente teve uma reviravolta e, atualmente, não faltam temas para abordar”, diz Jasmim.

Figura 1 - Post “Quando o assunto é Covid-19, estamos todos no mesmo barco?”, publicado no dia 14 de junho de 2020. Fonte: Instagram @mandakaru.ciência

Figura 1 – Post “Quando o assunto é Covid-19, estamos todos no mesmo barco?”, publicado no dia 14 de junho de 2020. Fonte: Instagram @mandakaru.ciência

 

Divulgação científica e a pandemia de Covid-19

Cientistas do mundo inteiro iniciaram estudos a fim de encontrar uma vacina para o novo coronavírus. Inúmeras pesquisas são divulgadas pela imprensa e, desde o início do ano, a sociedade se vê imersa no processo científico. “Percebemos só agora, no meio da pandemia, o quanto nós, cientistas, estamos distantes da população”, afirma Jasmim. “Pela primeira vez o mundo inteiro está acompanhando em tempo real como se faz ciência e percebendo que não é uma coisa direta e reta”.

Essa distância percebida pelo grupo foi abordada no relatório de 2019 do CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos) sobre percepção pública da ciência. Os resultados mostram que 73% da população acredita que a ciência traz mais benefícios que malefícios ou apenas benefícios para a sociedade. Porém, ao mesmo tempo, o levantamento mostrou que 90% dos entrevistados não sabiam dizer o nome de algum cientista e 88% não lembravam o nome de nenhuma instituição de ciência. Esse último dado mostra que a universidade pública não está relacionada à pesquisa para a maioria das pessoas.

Com uma relação tão distante, durante a pandemia foi possível perceber que a população não compreende todas as etapas da ciência. “No começo da pandemia os cientistas falaram para não usar máscara, porque poderia ser um vetor da doença, poderia fazer as pessoas se contaminarem mais. Mas depois reavaliaram, fizeram novos testes e viram que prevenia mais, que o impacto era mais positivo do que negativo”, lembra Jasmim. “Isso de uma hora falar uma coisa e depois voltar atrás é o que as pessoas não entendem. Elas acham que a ciência é uma coisa pronta”.

Figura 2 - Post “E essa vacina aí sai quando?”, publicado no dia 2 de setembro de 2020. Fonte: Instagram @mandakaru.ciência

Figura 2 – Post “E essa vacina aí sai quando?”, publicado no dia 2 de setembro de 2020. Fonte: Instagram @mandakaru.ciência

Por isso a divulgação científica é tão importante para explicar os erros e os processos da ciência. “Se a gente não explica porque a vacina está demorando, as pessoas vão acreditar em fake news que dão uma razão simplista”, explica Jasmim. Se o conhecimento científico sai das universidades, a população defende a ciência e entende sua importância. “Podemos usar a divulgação científica para explicar que, na verdade, essa vacina está sendo a mais rápida de todas com previsão de vacina pronta em um, dois anos. Isso é muito rápido.”

Jasmim também aponta a importância de pensar na ciência além das exatas e biológicas, quebrando o estereótipo do cientista de jaleco dentro do laboratório. “A ciência não está apartada da sociedade, é uma parte dela. Então temos cientistas mulheres, negros, LGBTQIA+. É importante mostrar que a ciência é plural, que diversas pessoas podem fazer ciência, não só o homem branco. Na nossa equipe temos mulheres e LGBTs, então gostamos de mostrar isso para as pessoas, que estamos aqui representando”.

Atualmente o Mandakaru é formado pelos fundadores Jasmim Oliveira e Welington Luis Sachetti Júnior e por Silvana Gomes Leite Siqueira, Felipe Rezende Fernandes de Oliveira e Alexandre Borin.

 

[1] Mestranda em Divulgação Científica e Cultural (MDCC) no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor/UNICAMP). E-mail: carol.carettin@hotmail.com

 

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