Mapas para o Antropoceno: um guia de leitura para o Feral Atlas | Yama Chiodi

Pesquisadoras apresentam os desafios da comunidade científica em meio à pandemia, passando por diferentes temas: os principais interesses dos brasileiros, patentes e vacinas e artigos científicos publicados.

Por Yama Chiodi [1]

Tempos controversos

No início da década de 2000 um debate ganhou a atenção da imprensa e da comunidade científica. O ganhador do prêmio Nobel Paul Crutzen sugeriu que vivemos no “Antropoceno”, uma nova época geológica que substituiria o Holoceno. Embora não tenha sido o primeiro a sugeri-lo, o termo ganhou popularidade crescente nas últimas duas décadas a partir de sua proposição e o título de um de seus artigos mais citados dá o tom da narrativa: estariam os humanos prevalecendo sobre o potencial de destruição da natureza? (CRUTZEN et al., 2007).

Engana-se quem assume que essa popularidade se manifestou como apoio irrestrito à proposição do químico holandês. O termo é ainda hoje uma fonte inesgotável de debates acalorados tanto entre cientistas sociais como entre cientistas naturais. Cientistas naturais disputam ferozmente se haveria registros geológicos concretos para a inauguração de uma nova era geológica batizada pela presença humana no planeta Terra e quais seriam esses registros. Cientistas sociais disputam quais marcadores históricos dariam origem ao Antropoceno e os riscos antropocêntricos que reativar a ideia de antropos parece impor. Essas controvérsias geraram uma série de conceitos mais ou menos análogos, que buscavam resolver parcialmente os problemas de unir a noção de antropos a uma nova era geológica: capitaloceno, plantationceno e chthuluceno, para citar apenas alguns.

Apesar das controvérsias retroalimentadas ano após ano, cientistas de áreas diversas apostam no potencial que o termo teria para promover ciência transdisciplinar, com práticas científicas que não são constrangidas pelos limites das disciplinas científicas e integram as várias áreas do conhecimento. Entre esses cientistas, destaca-se a antropóloga da Universidade da Califórnia em Santa Cruz Anna Tsing, fundadora do projeto AURA (Arhus University Research on the Anthropocene) e uma das editoras do recém-lançado Feral Atlas (feralatlas.org), publicado pela Stanford University Press. A autora se tornou uma referência dos chamados estudos multiespécies pelo seu muito conhecido trabalho com os cogumelos matsutake (TSING, 2015) e o Atlas dá seguimento aos rumos transdisciplinares de sua pesquisa, sempre informada pelas teorias feministas e pelas relações entre capitalismo e mudanças climáticas. Ganhadora de múltiplos prêmios e bolsas internacionais, sua presença entre os editores dá grande visibilidade ao projeto.

Tsing e seus colegas conhecem em profundidade as críticas que a ideia de Antropoceno recebe de seus pares e as leva em consideração para a proposição de um outro antropoceno, diferente daquele feito popular por Paul Crutzen. Confiando no potencial transdisciplinar do termo, a autora propõe uma disputa aberta pelo seu sentido, com um “antropoceno remendado” (patchy anthropocene). Essa outra abordagem para o antropoceno seria capaz de reconhecer manifestações locais e os modos profundamente diferentes com os quais as mudanças climáticas e o capitalismo afetam diferentes espécies, territórios, mas também seres humanos de diferentes raças, gêneros, etnias e classes sociais. O Feral Atlas é um projeto grande e complexo, quase faraônico, que envolveu mais de cem autoras e autores, para multiplicar e transformar um antropoceno remendado. O presente texto é uma espécie de guia de leitura, que visa explorar criticamente o Atlas mas também promover divulgação científica do seu conteúdo (leia o texto completo em pdf).

 

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[1] Antropólogo. Doutorando em Ciências Sociais (Unicamp) e Mestre em Divulgação Científica e Cultural (Unicamp). E-mail: yama.chiodi@gmail.com