Por: Meghie Rodrigues
Que futuros pode ter este tempo estranho em que vivemos? A exposição “Strange Weather: Forecasts from the Future” (“Tempo Estranho: Previsões a partir do Futuro”) trouxe à capital da Irlanda obras e instalações para pensar esta e outras questões, estimulando o imaginar de futuros interessantes e, por que não, possíveis, ao reconsiderar as relações – afetivas e racionais – com os fenômenos climáticos. A ideia da mostra, realizada entre julho e outubro de 2014, foi a de propor reflexões sobre “o futuro quando as mudanças climáticas já tiverem mudado as coisas”, conforme destaca Joseph Roche, coordenador de projetos de pesquisa da Science Gallery em Dublin.
As festividades sazonais, tradicionais nas culturas de alguns povos, foram uma das seções exploradas pela exposição, por serem festas que celebram a passagem do tempo, demarcada pelas variações atmosféricas. “Archive of Old and New Events” (“Arquivo de Antigos e Novos Eventos”), das artistas australianas Tega Brain e Jodi Newcombe, trouxe um arquivo imaginado em 2030, que cataloga e preserva artefatos de eventos que deixaram de existir por conta das modificações nas condições climáticas. Galhos de cerejeiras e selos festivos do Hanami japonês – festa que celebra a beleza das flores que desabrocham na primavera, entre março e maio, todos os anos, no Japão – dividiram espaço com miniaturas de embarcações e pasta fermentada de peixe que carcterizam o Bon om Tuk, o “Festival das Águas” do Camboja, realizado aos novembros. A celebração marca a mudança de fluxo do Tonlé Sap, rio que desagua no Mekong e é um dos mais importantes do país.
Se, por um lado, o arquivo apresenta uma forma de preservar a lembrança de festivais sazonais que desaparecerão por conta das alterações climáticas – segundo a proposta da instalação -, por outro, também gera memórias futuras de celebrações que possivelmente surgirão. Um deles é o “Festival of the Sulphur Sun” (“Festival do Sol de Enxofre”), uma celebração em escala global que as artistas descrevem como sendo a festa “dos dramáticos pores-do-Sol causados pelo enxofre liberado na estratosfera para esfriar o planeta”: evento de frequência incerta, celebrado com mantos de piquenique do patrocinador Google e cenouras enlatadas.
Necrocracia
Outra obra que chamou atenção foram as “HazMat Suits for Children” (“Roupas HazMat para Crianças”), elaboradas pela artista visual estadunidense Marina Zurkow. “HazMat suit” é um traje para proteção contra materiais contaminantes, usado na indústria petrolífera, em desastres ecológicos. As roupas, que foram redimensionadas de forma a acomodar crianças dentro delas, fazem parte da série “Necrocracy” (ou Necrocracia), que se utiliza de esculturas, desenho e animação em vídeo para questionar a divisão entre o “natural” e o “humano” em um mundo dominado pelo petróleo, produzido a partir de seres mortos há milhões de anos – uma “necrocracia”. Roche comenta que a instalação foi uma das mais provocativas de toda a exibição. “Quando se põe crianças na ‘linha de perigo’, isto faz as pessoas pensarem mais, o que pode ser interessante quando se quer tratar dos perigos em potencial em se ignorar as mudanças climáticas”, conta.
A vontade de usar o conceito de necrocracia para pensar uma instalação, conforme conta a artista, surgiu enquanto lia o livro “Dominion of the Dead”, de Robert Pogue Harrison, que fala sobre todas as civilizações, inclusive as clássicas, como a grega e a romana, terem sido formadas ao redor da veneração de ancestrais (ou “adoração dos mortos”). A teoria ator-rede e agência não-humana do francês Bruno Latour, sobre objetos técnicos, instituições e demais elementos serem tão agentes sobre o tecido social quanto os humanos – sendo que humanos e não-humanos influenciam e interferem mutuamente na construção da vida social –, e uma viagem de campo à Bacia Permiana, no oeste do Texas, em 2011, também deram sustento à ideia de sua composição. Com os três elementos, a artista viu a possibilidade de tratar da questão do petróleo sem levantar as polêmicas usuais, ou os binários “é bom ou ruim”, “precisamos ou não precisamos disso”. “A verdade é que vivemos em uma forma de interdependência com estas criaturas mortas, nossos predecessores, já transformados em hidrocarbonetos. Eles brotam do chão, se multiplicam, se proliferam… e então nos excedem. Nunca morrem. Tornam-se estas criaturas quase imortais porque os transformamos em polímeros petroquímicos que servem para praticamente tudo”, argumenta. Dessa dependência é que, segundo ela, brota o conceito de “necrocracia”.
Zurkow conta que vestir o traje para uma demonstração em vídeo a ajudou a pensar no trabalhador hazmat como uma criatura em uma paisagem que é muito complexa. “Na verdade, um ecossistema muito complicado, que inclui a ironia de pessoas vestindo roupas hazmat, feitas de petroquímicos, para lutar contra vazamentos petroquímicos, o que formaria uma espécie de ‘loopings’ estranhos, sem fim, se curto-circuitando”, destaca a artista.
Tanto as provocações de Zurkow quanto as de Brain e Newcombe são parte de um projeto que poderá ser reabordado em um futuro próximo. Joseph Roche diz que as mudanças climáticas são um tema ao qual a Science Gallery, em Dublin, pretende revisitar em alguns anos. “O objetivo, a longo prazo, pode ser olharmos para o clima de novo e comparar como as coisas melhoraram ou se deterioraram”, diz.