as coisas no tempo | ana za
ana za [1]
https://youtu.be/zH3jcLH3Td8
Eu vou e vou e vou e vou e volto!
Porque se eu for
Porque se eu for
Porque se eu for
hei-de voltar…
Guimarães Rosa
Fazer uma experimentação do pensamento com a própria obra – por onde ir?[2] A tarefa, à primeira vista, pareceu me convidar a uma leitura de trás para frente da criação[3], a partir da qual eu deveria erguer um pequeno monumento para a obra. Eis quem eu sou, eis como eu fiz, eis o que essa obra é… O processo, a forma… É possível que haja algum interesse aí. A aparição do teiú diante da câmera é uma boa história para contar. Aliás, dos dois teiús. E duas seriemas. Uma estava trepada no galho da árvore. Não sabia que seriemas se empoleiravam. Nem sabia o que eu fui gravar. A ideia que me levou até lá, esqueci qual era depois que o teiú apareceu. As imagens viraram outras. E depois, a forma foi, assim, mais ou menos.
Tenho medo de falar muito do teiú e ele não aparecer. Tenho medo de falar da obra e virar estátua. Era justamente essa a questão: não virar estátua. Tenho medo da abdução. Porque aquela estátua está lá, sentada no banco, com o livro aberto, olhando… O que está pensando? Ou é só espera? Não quero esperar tanto. Não que ficar parada um pouco não seja bom. Se mexer muito, espanta o que vem sem a gente saber[4]. Eu parei lá, o cágado apareceu. Mas ele foi embora, eu vim embora. E, Luiz, você continua lá.
Luiz, eu fiz o vídeo para você. E para os homens-preto-e-branco na fotografia, parados, olhando a vaca. A vaca parada. O vídeo é para a vaca também. A câmera viu antes a fotografia, só depois eu vi. Era tudo um grande nó[5]. O teiú puxou um fio e saiu andando. Só agora eu vi. O teiú fez a vaca andar. Eu queria lhe dar a mão e sair andando pela Escola. Um dia um homem me deu a mão que ele não tem, e saí enxergando. Eu enxerguei você. Eu tentei lhe dar a mão, você não se mexeu. O livro aberto na mesma página. (Leia o ensaio completo em PDF).
Recebido em: 01/05/2020
Aceito em: 05/06/2020
[1] Pensadora e artesã de imagens. Artista de si: devir indígena.
[2] Este ensaio é um experimento do pensamento com imagens, textos teóricos, literários e o corpo. Sua escrita é inspirada pela oralidade caipira e pela narrativa de Clarice Lispector e Davi Kopenawa e Bruce Albert. O vídeo e a primeira parte do texto foram produzidos durante o curso Cultura, educação e imagem do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Unicamp, durante o 2º semestre de 2019, conduzido por Alik Wunder e Antonio Carlos Amorim. Agradeço xs professorxs e alunxs do curso pela partilha de saberes e provocações para o pensamento. A segunda parte do texto foi produzida após o início da pandemia. Agradeço os laboratórios Labjor, da Unicamp, e Oca, da USP, pelos saberes que fazem parte desse pensamento. Para Marielle Franco.
[3] “Ler a criatividade de trás para frente” é, conforme Tim Ingold (2012, p. 37-38), “conectar, em retrospecto, uma série de pontos já percorridos” a partir do objeto artístico até chegar “a uma ideia sem precedentes na mente do agente” da obra. Essa operação é chamada pelo antropólogo da arte Alfred Gell de “abdução”.
[4] “É preciso não se mexer demais para não espantar os devires”. (DELEUZE, 1992, p. 172)
[5] A imagem do “nó” refere-se à condição da “coisa” de Ingold (2012, p. 39): “A coisa tem o caráter de um nó cujos fios constituintes, longe de estarem nele contidos, deixam rastros e são capturados por outros fios noutros nós”.
as coisas no tempo
RESUMO: Este ensaio é uma cartografia de uma aventura do pensamento com o corpo.
PALAVRAS-CHAVE: Floresta. Pensamento. Imagem.
the things in time
ABSTRACT: This essay is a cartography of an adventure of thinking with the body.
KEYWORDS: Forest. Thinking. Image.
ZA, Ana. as coisas no tempo. ClimaCom – Florestas [Online], Campinas, ano 7, n. 17, Jun. 2020. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/pedro-silveira-florestas