Dossiê Epidemiologias

| ano 7, n. 19, 2020 |

 

Diagnóstico 

“Atravessamos o ano de 2020 na companhia de um novo vírus catalisador de transformações macro e micropolíticas, designado SARS-CoV-2, agente responsável pela Covid-19. Flui por entre milhões de corpos esta força de RNA, elo de ligação entre diferentes espécies, código proteico multiplicador de células que se situam no limiar entre vida e não-vida – informações bioquímicas que adoecem, interrompem, matam. Acompanhamos, dia após dia, a circulação de diferentes imagens nas telas de celulares, computadores e televisores: notificações e projeções estatísticas com os números de infectados e mortos; estéticas e formas de atuação do vírus no corpo humano; a exaustão de profissionais da saúde; processos de politização da doença e de terapias; as reconfigurações dos rituais funerários ante a impossibilidade do encontro para despedida. Contaminados, líderes e economias globais se desestabilizaram tentando segurar um sistema em colapso. Policiamentos de drones, bancos de dados georreferenciados, fichas, decretos, reconhecimentos faciais, termômetros digitais, plataformas virtuais e videoconferências performaram estratégias para conduzir as sociedades sob controle, mediante um singular estado de normalidade. Com a redução das poluições sensoriais, pelas poucas semanas em que cidades, meios de transporte e indústrias se permitiram parar, a Terra vibrou menos, respirou melhor. Vidas não humanas voltaram a ocupar as ruas, águas e os ares de metrópoles. Em caráter de urgência, pesquisas por tratamentos eficazes demandaram novas alianças, e ao mesmo tempo expuseram os riscos da aceleração nas ciências e das notícias falsas que as afetam. As etapas de produção da mais rápida vacina já desenvolvida se tornaram um espetáculo capaz de ativar a esperança, disputas políticas e as ações de multinacionais farmacêuticas. No Brasil, a necropolítica colonial, fascista e neoliberal foi atualizada pela atual pandemia: as desigualdades socioeconômicas evidenciadas, políticas sociais tardaram, e, quando chegaram, falharam. Trabalhadoras e trabalhadores foram instados ao trabalho e ao risco de morte, porque as “atividades essenciais” e a “economia” não podiam parar. O novo coronavírus poderia ter sido um vetor para a redefinição do que conta como essencial, um motivo para começarmos, como coletivos humanos e mais-que-humanos, a construir uma relação menos destrutiva entre nós. Poderá vir a ser? Por ora, foi convertido, alistado para o extermínio genocida e ecocida que pauta a agenda política dominante.”.

Reação

Este conjunto de linhas que se emaranham em densos nós sociopolíticos, somado aos nossos interesses de pesquisa, levaram à proposição do dossiê “Epidemiologias”. Buscamos, através deste espaço, incentivar e experimentar a construção de novas conexões entre os acontecimentos das doenças, bem como dos cuidados e curas – em diferentes modos de conhecimento e expressões. É com esse propósito que apresentamos o décimo nono número da Revista ClimaCom, composto por um conjunto precioso de artigos, ensaios, resenhas, reportagens, experimentações artísticas e culturais. São alguns dos temas percorridos criticamente e criativamente pelas autoras e autores: fluxos e devires da pandemia de Covid-19; isolamento social; vida e morte; ensaios clínicos e questões raciais; corpos, escalas e fronteiras imunológicas; manifestações culturais de cuidado; macacos, febre amarela e literatura; HIV/aids, artes e contaminações; queimadas e doenças respiratórias; a epidemia de Zika; deficiências; sonhos, distopias e realidades epidêmicas; gestos contra a necropolítica; alteridade e exclusões; cosmopolítica; vidas e artes não humanas; divulgação científica. Assim, de um modo politicamente situado, os trabalhos compõem múltiplas narrativas que provocam fissuras em estados de coisas, inspiram, despertam para novos problemas, e transbordam.
Kris Herik de Oliveira e Daniela Tonelli Manica | editores

 

Kris Herik de Oliveira e Daniela Tonelli Manica | editores

 

| Sumário | Dossiê “Epidemiologias” |
| Ano 7, n. 19, 2020 |

 

SEÇÃO PESQUISA

Artigos

Entre vírus e devires: a pandemia como informação

Pedro P. Ferreira

O meu propósito era dizer a vocês que o enterro (não) esteve lindo

Suely Kofes

Reaccionar a los patógenos: El baile de frutas –Yuaki– de los Murui-Muinai  y la curación del peligro

Marco Tobón, María Kuiro Castro (Colômbia)

Deslizando entre escalas. Sobre corpos fluidos, fronteiras porosas e curto-circuitos imunológicos

Marisol Marini, Joana Cabral de Oliveira, Guilherme Wanke

Covid-19 e economias da diversidade: uma crítica antropológica da biologização da raça nos ensaios clínicos com vacinas

Rosana Castro

Infraestruturas e pandemia: quando vírus, elétrons e capital financeiro se encontram

Felipe Silva Figueiredo

Sobre a culpa dos macacos: febre amarela, epidemia e intrusão

Cassandra Costa Moura

Reelaborar o passado colonial: arte congolesa na ignição epidêmica do HIV

Aldones Nino, Matheus Simões

Entre tesões, tensões e prevenções: HIV/aids e contaminações com as obras de Adriana Bertini

Tiago Amaral Sales

Análise do comportamento de queimadas no estado do Piauí e ocorrência de doenças respiratórias no cenário pandêmico

Bruna de Freitas Iwata, Camila Maria Alves da Silva

 

ENSAIOS

Apocalipse zombie, sem efeitos especiais

Cristiana Bastos (Portugal)

Sobre cuspes e perdigotos: sete gestos contra a necropolítica zumbi no Brasil

Bibiana Serpa, Clara Meliande, Ilana Paterman Brasil, Julia Sá Earp, Paula de Oliveira Camargo, Sâmia Batista e Zoy Anastassakis

Vidas que as “vidas que importam” comportam: alteridade e exclusões

Andreia A. Marin

Aids e autonomia nas artes visuais: apontamentos de pesquisa

Ricardo Henrique Ayres Alves

Os pássaros dos sonhos

Rosilene Fonseca Pereira (Rosi Waikhon), Alberto Luiz de Andrade Neto

Sonhar com florestas, para fazer florestas

Marina Guzzo

De volta para minha terra: do descentramento da metrópole à busca de isolamento social 

no interior do Brasil

Levy Felix Ribeiro

Flagrantes artísticos urbanos: o olhar digital antes e durante o isolamento social provocado pela Covid-19

Adriana Silvestrini

 

RESENHAS

Explodindo antigas ontologias da deficiência

Adriana Dias

Multiplicando a Micro: rastreando questões de interesse

Lucas Riboli Besen, Helena Moura Fietz

Uma epidemia sem fim: Zika no estado de Alagoas

Thais Valim

 

SEÇÃO ARTE

ARTES

Nhemongueta Kunhã Mbaraete – Conversas entre Mulheres Guerreiras

Michele Kaiowá, Graciela Guarani, Patrícia Ferreira Pará Yxapy e Sophia Pinheiro

21 ações para mulheres e plantas

Marina Guzzo, Patrícia Araujo, Lia Lopes Damasceno

Naturalmente orgânico

Juliana Cerqueira da Silva

Viagem Filosófica ao Jardim das Folhas Artísticas

Paulo Manaf (nome artístico: Paulo Valiente)

Paisagens virais

David S. Goodsell (EUA)

Escrito Proscrito

Matheus Simões

Intervenções urbanas durante a pandemia

Leonardo Mareco

Respira, fogo, fumaça

Thalyane Soglia

Laboratorio Isla Victoria: métodos monstruosos para construir Naturaleza en Patagonia

Gabriela Klier e Maia Gattás Vargas

 

LABORATÓRIO-ATELIÊ 

2320 — Dormio

Labirinto

Vidas em curso. Quarentena HZ366

Fabiana Bruno, Bianca de Camargo Setti

Árvores companheiras

Ana Paula Valle Pereira, Bruno Novaes Poli, Jorge Luis Massarolo, Maria Madalena Felinto Pinho Ramos, Mariana Vilela Leitão, Maurício Simionato, Néliane Catarina Simoni, Pâmella De Caprio Villanova e Susana Oliveira Dias

Constelar – paisagens cósmicas

Cláudio de Melo Filho

Pedras coloridas

Jane Maria Santos de Mesquita

Estrelas

Fernanda Oliveira

Contos da água: rio

Victor Silva Iwakami e Filipe Fernandes

Tempo rio

Celso Cardoso

Mergulho ecofisiológico especulativo

Ana Paula Valle Pereira e Susana Dias

Rios de distância

Ana Helena Grimaldi Semeghini

ser rio

Pamella Villanova

 

ARVORECER DE CASA EM CASA

Melão-de-São-Caetano

Claudia Tavares

Drasil: o ser cuspidor

Mariana Vilela

Vozerio

Marta Catunda, Philip Kadosch e Tetê Espíndola

EM BRANCO

Cristina Suzuki

 

SEÇÃO JORNALISMO

COLUNA ASSINADA

Mapas para o Antropoceno: um guia de leitura para o Feral Atlas

Yama Chiodi

 

REPORTAGEM/ENTREVISTA

Entrevista com Pedro Prata – Rewilding Portugal 

Guilherme Sá

O desafio de dar visibilidade às complexas relações entre humanos e rios

Gláucia Pérez (texto) e Susana Dias (vídeo reportagem)     

 

NOTÍCIAS

Etnográfos podem ser colaboradores interessantes em grupos multidisciplinares quando são participantes ativos nas pesquisas

Reinvenção do agora e do porvir: livro dá a pensar nas mudanças climáticas para além do já dado 

Gláucia Pérez

 

PODCAST ESCUTACLIMA

 

#2 – Escuta Clima: Rios urbanos e conta-gotas

#1 – Escuta Clima: Segurança Energética

Camila Ramos

 

SATÉLITE

Mandakaru: divulgação científica é resistência em tempos de pandemia

Carolina Carettin

 

PRÓXIMOS DOSSIÊS | CHAMADAS ABERTAS

Coexistências e cocriações

Editora | Susana Dias (Labjor-Unicamp)

Submissões até 30 de fevereiro de 2021

 

FICHA TÉCNICA

Dossiê “Epidemiologias”

Editores | Kris Herik de Oliveira e Daniela Tonelli Manica (Unicamp)

Editoração | Carolina Rodrigues, Susana Dias e Thamires Elizeu

Curadoria seções de Arte e Laboratório-Ateliê | Kris Herik de Oliveira e Susana Dias

Curadoria seção Arvorecer de casa em casa | Susana Dias

Revisão | Kris Herik de Oliveira, Daniela Tonelli Manica e Carolina Rodrigues

Capa | Imagem grande – Respiratory droplet, 2020. Ilustração em aquarela, por David S. Goodsell (EUA) | Imagens pequenas – Pedro Ferreira e Jane de Mesquita

Grupos | Labirinto – Laboratório de Estudos Socioantropológicos sobre Tecnologias da Vida (CNPq) / multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações (CNPq)

Redes de Pesquisa | Rede Divulgação Científica e Mudanças Climáticas / Rede de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (ReACT)

Instituição |Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH-Unicamp) | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor-Unicamp)

Projeto | Tema Transversal “Divulgação do conhecimento, comunicação de risco e educação para a sustentabilidade” do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC 2a. Fase) – (Chamada MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9)

Pós-graduação | Mestrado em Divulgação Científica e Cultural e Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais