Ana Paula Valle Pereira, Daniel Ganzarolli Martins, Laís de Paula Pereira, Shaula Maíra Vicentini de Sampaio | Ficções no Antropoceno: sonhos (de)compostos em cartas do fim do mundo


 

Ana Paula Valle Pereira[1]

Daniel Ganzarolli Martins[2]

Laís de Paula Pereira[3]

Shaula Maíra Vicentini de Sampaio[4]

I. SONHAR (N)UM MUNDO EM RUÍNAS 

Catástrofes, caos temporal, crise ambiental. O consumo da vida. Vidas sonhadas e desejadas a partir do consumo. Vamos (sobre)vivendo (a) processos de de-composições acelerados que degustam e devoram tantas existências com um apetite voraz. Apetite que está a parir colapsos como os crimes ambientais produzidos pelas barragens nos Rios Xingu, Doce e Paraopeba. Degradação e derrota que se mostram, por exemplo, no incessante reforço positivo – via televisão, slogans, marketing – da imagem do agrobusiness nacional, que mastiga florestas, cerrados, caatingas e pantanais e os deglute em commodities para exportação. Sonhos capitalistas que parecem “apontar para a conclusão de que a humanidade ela própria é uma catástrofe, um evento súbito e devastador na história do planeta, e que desaparecerá muito mais rapidamente que as mudanças que terá suscitado (…)” (DANOWSKI; VIVEIROS DE CASTRO, 2017, p. 31, grifo nosso). 

Assim temos sonhado, em plena vigília, com o fim dos tempos. “Sonhos de fim do mundo” que atravessam o Antropoceno. Um tempo que “vai se revelando um presente sem porvir, um presente passivo” (DANOWSKI; VIVEIROS DE CASTRO, 2017, p. 20), no qual multiplicam novas e renovam-se velhas histórias a respeito do fim do mundo. Ainda que alguns discursos proclamem por “sonhos de um mundo melhor”, como algumas educações ambientais preconizam[5], estes vão sendo tragados por abismos, lamas, secas, alagamentos. Sonhos que se (des)fazem na interface vida e morte, nos entre-mundos. Seja um mundo sem nós – futuro da inexistência – ou um nós sem mundo – futuro da decadência ecológica e sociológica -, vamos tentando de-compor o que está por vir através de criações, pensamentos, in-ventos e, assim, instaurando[6] modos de existências que “não existem” (PELBART, 2015). 

Provocados pela leitura do livro Há um mundo porvir? Ensaio sobre os medos e os fins de Danowski e Viveiros de Castro (2017), no qual o pensamento sobre o fim do mundo é dito possível apenas quando se determina para quem este mundo que termina é mundo, levantamos questões a respeito da relação que os autores fazem entre o fim do mundo e o fim do pensamento. Em suma, estes apontam que ao pensarmos o fim do mundo, suscitamos necessariamente o problema correlato do fim do pensamento, isto é, o fim da relação entre pensamento e mundo. Lapoujade (2017) é outro autor provocador nesse sentido:

É preciso um pensamento para manter a coisa na existência, para além das suas manifestações fenomenais, e constituir um cosmos povoado de coisas ligadas entre si. Justamente, porém, o pensamento aqui não é nada além da relação pela qual a coisa se mantém na existência e se vê ligada a outras coisas (LAPOUJADE, 2017, p. 33).

Dessa forma, poderíamos dizer que o pensamento estaria condicionado pela coisa que ele mantém viva ou morta? Ou a coisa conquistaria, ela própria, realidade? Lapoujade (2017), a partir da obra do pensador francês Etiénne Soriau, diz que o modo de existência do pensamento é da mesma espécie que o das coisas, sendo que “(….) as coisas são coisas através da alma que as pensa” (p. 33). Assim, o pensamento e as coisas se codeterminam e coexistem. E o sonho, como decidimos trazê-lo neste texto, seria algo entre o pensamento que cria e as coisidades[7]. Tomamos os sonhos como uma aposta na experimentação do pensamento e nos processos de produção de realidades. Eles não dizem necessariamente de uma previsão otimista de um mundo por vir, de um não-fim-do-mundo, são como criações que não têm a intenção de prever como será o fim do mundo ou mesmo como iremos conseguir salvá-lo de nós mesmos. Não são sonhos do fim do mundo, tampouco sonhos de um mundo melhor. Diríamos que sonhamos numa tentativa de fazer re-existir coisas e pensamentos em um mundo que não cessa de se de-compor. E de-decompor, nesse contexto, diz tanto de algo que apodrece, chega ao fim, quanto de um re-começo, uma re-novação, uma re-composição do que está por vir, uma vida que surge da morte.

Portanto, é entre sonhos intempestivos, que proclamam mundos-outros, possíveis e impossíveis, que realizamos esse trabalho. Numa tentativa de suscitar narrativas que nos contem histórias a respeito dessas de-composições e des-continuidades do mundo, trazemos nossa vontade de reinventar, entrecruzar, recompor mundos e fins. Histórias entrecruzadas de mundos que conversam e se encontram. 

Um indivíduo existe neste mundo, ele existe como corpo, existe como ‘psiquismo’, mas também existe como reflexo em um espelho, como tema, ideia ou lembrança no espírito de outro, tantas maneiras de existir em outros planos. Nesse sentido, os seres são realidades plurimodais, multimodais; e aquilo que chamamos de mundo é, de fato, o lugar de ‘intermundos’, de um emaranhado de planos (LAPOUJADE, 2017, p. 14-15).

Em torno da vontade de nos deslocar entre esses planos e nos colocar em contato (instaurar?) com miríades de existências – mínimas, fugidias, cambiantes – que coabitam este mundo conosco e do medo – existencial e real – de que tudo isso venha a desaparecer em cenários apocalípticos dos mais variados, consideramos importante fazer perguntas. Perguntas que possam nos ajudar a imaginar futuros e presentes para além das narrativas hegemônicas, clichês, totalizantes, que regulam (por impedirem outras imaginações) nossos pensamentos e ações. Perguntas impossíveis de terem uma única resposta. Perguntas mobilizadoras de invenções, que catalisam a criação de narrativas. Lançamos, a seguir as perguntas que lapidamos ao pensarmos juntos sobre fim do mundo, sonhos, ficções… 

Por que teimamos em cultivar sonhos num mundo que se avoluma em ruínas? Num mundo que não cessa de acabar, o que é (im)possível criarmos, in-ventarmos, sonharmos? Que outros sonhos possíveis e impossíveis nos habitam? Todas as culturas e povos sonham da mesma forma? O sonho é sempre oposto da realidade? Os seres não-humanos também sonham? Inspirados por Lapoujade (2017), perguntamos: podem os sonhos instaurar existências? O que os sonhos produzem em nós? O que os sonhos produzem no mundo? Como os sonhos conquistam realidades? Ou, no movimento inverso, como as realidades conquistam sonhos? E os sonhos distópicos, os pesadelos? Aqueles sonhos que nos assustam, estejamos despertos ou não, e que em vão tentamos controlar, afastar, esquecer… Estes sonhos tenebrosos podem produzir efeitos em quem sonha e no mundo que é sonhado? Pesadelos in-ventam mundos e modos de viver no mundo?

Guimarães e Silveira (2014) nos ajudam a movimentar pensamentos a respeito dos efeitos que os sonhos podem provocar em nós:

E quando se acorda? O que sobra dos sonhos? Restos? Que fiquemos então com os restos. Já ocupados por vazios, imprecisões e falhas. Talvez essa seja sua grande potência, pois na condição de restos, os flashes de imagens e feixes de sensações que sobrevém dos sonhos deixam de ser imagens clichês e se abrem à possibilidade de criar novos e genuínos sentidos. Vividos, inventados ou mesmo sonhados. (GUIMARÃES; SILVEIRA, 2014, p. 9)

Restos. Compostos que trans-formam coisas, corpos, seres, sonhos em sabe-se lá o quê. Irrompem com a continuidade de uma história dada, clichê, única. Nos des-ligam do agora, de um presente maldito, e anunciam a possibilidade de um futuro desconhecido, a ser fabulado. Dessa maneira, a história “se degrada metafisicamente, tornando-se passageira como qualquer fenômeno, justamente, histórico (…)” (DANOWSKI; VIVEIROS DE CASTRO, 2017, p. 45) e faz do seu fim o início de um outro algo. Ao que a morte – de um ser, de uma história, de um sonho, de uma coisa – se torna nascimento de algo – outro ser, outra história, outro sonho, outra coisa – que poderá se alimentar de seus restos. Desfaz-se, com isso, o tempo como totalidade e vamos “viver nessa brecha e nas aberrações daí advindas, com as novas inquietações e emoções que lhe são próprias” (PELBART, 2015, p. 170). É, então, a partir dessas brechas e de um desejo fúngico, de expansão, proliferação, modificação e reinvenção à medida que nos conectamos uns com os outros, que nos perguntamos como podemos fazer para que a história re-exista a partir de seus restos? Para partilhar existências, quais pedaços-de-histórias podemos deixar para um futuro-sem-nós? E se pudéssemos fazer com que essas histórias perdurassem? Quais histórias iríamos querer contar? 

 

II. Experimentar outros fins

[…] quando o futuro era uma carta fechada e a curiosidade de abri-la ainda estava por nascer. (SARAMAGO, 1995, p. 31)

Previsões, profecias, especulações, planificações, projetos, tratados, agendas, protocolos… O ambientalismo emerge preocupado com o futuro, ou mais precisamente, com o medo de que ele não exista. Um dos primeiros livros sobre meio ambiente publicados no Brasil se chama “Manifesto Ecológico Brasileiro: o fim do futuro?”. O ecologista José Lutzenberger, nesta obra de 1976, já resumia em uma pergunta toda essa aflição com relação ao porvir que se materializa nos discursos ambientalistas. 

Posteriormente, na década de 1990, lança-se a famosa Agenda 21: ambiciosa mescla de carta de intenções com plano de ação para o futuro próximo da humanidade. Um compêndio que definia como deveríamos viver e nos desenvolver no próximo século. Um futuro desejado, desenhado e escrito por muitos ambientalistas, como a forma de resistir ao modelo de desenvolvimento vigente, destruidor de possibilidades de existência humanas e não-humanas. Mas o futuro não se cria com metas e objetivos circunscritos por uma agenda. A planificação da vida é amortecida pela vivacidade do cotidiano e sucumbe ante o incontrolável movimento daquilo que não se pode apreender por cartas de intenções que, ainda que tenham sido elaboradas com a participação de movimentos sociais e organizações da sociedade civil, acabam por ser oficializadas em reuniões de engravatados representantes das nações unidas. Há muita coisa que não cabe nos tópicos dessa agenda. Todos aqueles que não a escreveram: humanos, plantas, animais, rios, montanhas, oceanos, microrganismos… 

Por isso, acreditamos que é preciso inventar e imaginar possibilidades e potencialidades outras de lidar com a angústia do fim do futuro, do mundo, de nós. Imprevisíveis. Não-escritas. Escritas em cartas por abrir, por ler, por pensar e por fazer. É preciso, sobretudo, fazer emergir “um povo que creia no mundo que ele deverá criar com o que de mundo nós deixamos a ele” (DANOWSKI; VIVEIROS DE CASTRO, 2017, p. 165). Um mundo criado a partir de ruínas, restos e (de)composições em que buscamos germinar possibilidades outras.

Nesse percurso, nosso coletivo se propõe a experimentar e (in)ventar com os sonhos que acontecem nos entre-mundos: mundos por vir. Assim, tomando os sonhos como fio condutor, no segundo semestre do ano de 2018, realizamos um conjunto de oficinas com estudantes de uma turma do curso de graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal Fluminense (UFF), no contexto da disciplina Instrumentação em Educação Ambiental. Esta escrita-pensamento se baseia, portanto, nos acontecimentos de uma única oficina realizada no dia 21 de novembro com 18 graduandos. Após um diálogo inicial, no qual buscamos algumas fissuras para falarmos, pensarmos, inventarmos e fabularmos (com os) sonhos que emergem nas tantas educações ambientais – para além do fatalismo dos sonhos de fim do mundo e do romantismo dos sonhos de um mundo melhor -, apresentamos aos estudantes trechos de dois filmes que perpassam a ideia de fim de mundo. 

Cena 1.

Nos confins do interior australiano, expande-se pelo horizonte uma paisagem desértica habitada por plantas retorcidas. Sons de máquinas e explosões irrompem a solidão do lugar. Um grupo de homens aborígenes põe seus corpos no caminho de uma retroescavadeira, interrompendo seu deslocamento. Um homem branco, funcionário da empresa mineradora que avança por esse território, desce do veículo e vocifera sua indignação com xingamentos racistas. Ao menos neste momento, não será possível avançar sobre a terra que o grupo de aborígenes afirma ser sagrada. Terra escolhida pelas formigas verdes para sonhar, onde seus sonhos mantêm o mundo como mundo. Despertá-las de seu profundo sono é, também, acordar o colapso do próprio mundo.

O filme “Onde sonham as formigas verdes”, do diretor Werner Herzog, narra um dos muitos “fins de mundos” que distintas culturas indígenas e aborígenes sofreram após um processo contínuo de invasão e colonização de suas terras, com um consequente impacto social, ambiental e cultural. A obra apresenta um choque entre diferentes culturas e cosmologias, no caso a aborígene australiana e a ocidental eurocêntrica e capitalista. Na perspectiva dos aborígenes australianos, os sonhos acompanham a ideia de invenção do mundo, onde o surgimento do mesmo se deu no denominado “tempo do sonho” ou dreamtime, um tempo à parte da própria ideia de tempo. No percurso percorrido por seus ancestrais mitológicos – sejam eles humanos, animais não-humanos ou seres fantásticos – durante este período, criaram-se os rios, as montanhas e os desertos, dentre outros lugares de grande valor espiritual para suas culturas (MYERS, 1991). De acordo com suas crenças, antes mesmo de uma criança ser concebida, seus pais precisam “sonhar” com ela.

Já entre os indígenas do continente sul-americano, trazendo para o contexto do povo Guarani Mbya, os sonhos não somente são capazes de prever futuros possíveis como possibilitam a quem os sonha que tais presságios se concretizem ou não, seja através da realização de rituais ou do cumprimento de proibições específicas, como salienta Oliveira (2004). A partir da experiência da autora junto a indígenas da aldeia Sapukaia, localizada em Angra dos Reis (RJ), ela nos conta que os sonhos Guarani Mbyá são

(…) uma ligação entre o cotidiano (“realidade”) e a cosmologia. O sonho faz a ligação entre o mundo invisível e o cotidiano reforçando uma concepção ‘religiosa’ voltada mais para a “realidade histórica” do que para um “mundo metafísico” devido às ações que desencadeia. Os sonhos também apontam para uma noção de duplo da pessoa, uma corporalidade que se manifesta no sonho, a pessoa se manifesta por inteiro, está presente em corpo, pode ser vista: o sonho é real. (OLIVEIRA, 2004, p. 65)

A esse respeito, os sonhos podem ser entendidos como uma manifestação de um poder xamânico, um deslocamento entre-mundos, sendo dignos da interpretação de seus sinais ocultos. Como coloca a autora: “os sonhos Mbyá mostram contato com outros seres, avisos, possibilitando à pessoa comunicar-se com outros planos e fazer uma intervenção na realidade” (OLIVEIRA, 2004, p. 69).  Uma cosmologia outra, que instaura existências (im)possíveis de sonhos-realidades que nós, não indígenas, somente podemos fragilmente discernir seus significados. Como Danowski e Viveiros de Castro (2017) destacam ao discutir a obra “A queda do céu”, de Kopenawa e Albert (2015), os brancos não conseguem compreender a humanidade secreta dos existentes não-humanos, atendo-se a uma avareza fetichista e narcísica que sonha com o que não faz sentido. Nesse sentido:

Os Brancos só nos tratam como ignorantes porque somos gente diferente deles. Mas seu pensamento é curto e obscuro; não consegue ir além e se elevar, porque eles querem ignorar a morte. […] Os Brancos não sonham longe como nós. Eles dormem muito e só sonham consigo mesmos. (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 390)

Confabulando com esses autores e numa tentativa de nos lançarmos à distância com nossos sonhos, após a exibição da cena destacada do filme, convidamos os estudantes a escreverem uma carta para o futuro. O que, do presente, gostariam de apresentar como lembrança para um habitante do fim do mundo? Qual resto-da-história querem que (sobre)viva em um mundo em ruínas? A escrita poderia dizer de um objeto, uma música, uma cena, seres, sentimentos, sensações… Ao finalizarem as cartas, elas foram colocadas dentro de envelopes e, posteriormente, recolhidas.

Seguimos, então, com o coletivo de estudantes para a segunda cena:

Cena 2.

Sonhar por entre destroços e ruínas. Distopias, devires-diabólicos. Um demônio com um único chifre, ser solitário que já foi um dia humano, derrama lágrimas e urra de dor. Um viajante, que parece ter vindo de nossa era, caminha também a esmo, vestido com uma roupa de explorador. Ao seguir os lamentos do demônio que chora, os dois indivíduos se encontram e iniciam um diálogo. O ser monstruoso, habitante do fim dos tempos, discorre sobre os motivos do mundo haver acabado: a sociedade se deteriorou junto com sua indiferença ao mundo natural, tudo aquilo que não é humano, mas é substrato da vida. Ele convida o viajante a conhecer o novo mundo que surgiu sob as cinzas do antigo. Ambos caminham por entre dentes-de-leão aberrantes produzidos pelo excesso de radiação. A cena termina com ambos observando de longe um vale com uma paisagem aterradora, onde muitos outros demônios, ex-humanos, reviram-se e gritam. Nascimento de um mundo povoado por vidas mutantes em desolação. 

O diretor Akira Kurosawa retrata, numa das narrativas ficcionais do seu filme “Sonhos”, denominada “O demônio chorando”, uma cena de degradação ambiental extrema, inspirada na tragédia ocasionada pelas bombas nucleares lançadas no Japão durante a Segunda Guerra Mundial. As imagens de um mundo em ruínas exibidas pelo filme dialogam com as ecologias infernais, licantrópicas e ruidosas discutidas por Barchi (2016):

(…) é sob uma condição de menoridade, e também de marginalidade, que as ecologias licantrópicas, infernais e ruidosas se produzem, se formam, se veiculam e se relacionam. Sob seus aspectos disformes, anormais, híbridos e monstruosos que elas criam e fazem circular saberes insubmissos, promovendo processos educativos conforme promovem encontros e diálogos. Além disso, são licantrópicas por sua condição constantemente transformativa; são infernais, por serem sugestivamente inconformes, e são ruidosas não somente pelo ruído sonoro produzido, mas pelas inquietações que são capazes de causar. (BARCHI, 2016, p. 191)

A partir das filosofias da diferença de Deleuze e Guattari, Barchi (2016) sugere como essas ecologias monstruosas criam fissuras num pensamento ecológico pastoral e debocham das pretensões de uma verdade luminosa e divina de salvação ambiental, sempre seletiva quanto aos sujeitos escolhidos para uma existência ambientalmente digna. O autor coloca, assim, os destroços e as monstruosidades como potências capazes de nos fazerem repensar as formas como interagimos com a natureza.

De modo a nos aproximarmos dessas ecologias ruidosas, disformes, infernais, e criarmos formas outras de nos vincularmos à natureza, tentamos fazer emergir, a partir do trecho do filme de Akira Kurosawa, histórias de supostos sobreviventes de um “futuro fim do mundo”. Propusemos aos estudantes que imaginassem ser habitantes (não necessariamente humanos) do fim do mundo e escrevessem uma carta para o passado (que seria o nosso presente), nos contando e descrevendo o que ocorreu para chegarem na situação em que estão. A ideia era que criassem ficções sobre o que é (sobre)viver no fim do mundo, fabulando o ambiente que os rodeia, as sensações e os seres que ali habitam. 

Essas cartas também foram colocadas dentro de envelopes, os quais foram recolhidos[8] e guardados separadamente das primeiras escritas. Contudo, para apresentá-las neste trabalho, optamos por intercalar uma carta de um fim de mundo, com a carta de um momento presente (um quase fim de mundo?) e, então, produzir um diálogo entre estes fins/nascimentos-de-mundos nelas descritos. Ficcionalizamos encontros entre essas narrativas ficcionais, costurando conexões imaginárias, bordando percursos poéticos para (in)ventarmos o presente, o futuro e o passado. Nesse trajeto, as narrativas de seres humanos ou não-humanos que habitam diferentes temporalidades se entrecruzam, dialogando em meio a uma troca de cartas remetidas ora ao futuro, ora ao passado.

III. Re(de)compor cartas e sonhos

Vagando entre meus pensamentos, caminho olhando baixo para os paralelepípedos da calçada. Tenho que levantar o olhar, pois quase esbarro numa árvore desfolhada que se encontra ao lado da rua. Por entre suas ramagens secas, que mais parecem dedos esqueléticos, vejo que está presa uma carta. Será que saiu voando da bolsa de algum carteiro distraído? Eu a pego e vejo que no envelope não há qualquer indicação de um remetente ou destinatário. Ainda que faça um esforço para não ser levado pela curiosidade incontrolável de abri-la, cedo ao impulso. Eis que leio:

Caro habitante do passado,

Neste mundo em que vivo atualmente ele não parece ser muito diferente do que você vive, mas não sentimos nada profundamente. Não sentimos alegria, tristeza, fome, sono, nós simplesmente existimos e vagamos. Não existe propósito, trabalho, dinheiro. Não existe satisfação ou remorso. É só um lugar que vivemos. Talvez você possa achar vazio ou entediante, mas não conseguimos entender esses sentimentos. 

Nós só existimos. 

Que caminho percorreu essa escrita? Como responder a uma carta que se encontra, assim, ao puro acaso? E, pior, permite-me violá-la sem maiores constrangimentos. Entretanto, as palavras escritas me reviram a mente. É possível uma existência onde se extinguiu o sentir? Por outro lado, me irrompe o pensamento de que nesse nosso tempo sentimos com tão pouca profundidade a dor do outro. Estamos amortecidos ante a dor da criança que perdeu seus pais soterrados na lama da barragem de Brumadinho; nem cogitamos sentir como sofre um ribeirinho que perdeu para sempre a terra onde nasceu e cresceu com a construção da usina de Belo Monte; não temos capacidade de mensurar o que passa a mãe que trabalha o dia inteiro temendo pela vida do seu filho nas rondas policiais que acontecem na favela onde mora; e sequer podemos imaginar o que é ser um peixe que vive num mar cada vez mais impossível de habitar ou uma galinha que passou toda sua curta vida numa granja sem nunca ter sentido a luz do sol ofuscando seus olhos ou o vento da tarde roçando suas penas. Será que somos mesmo capazes de sentir no presente?

Como transmitir a quem escreveu essa carta minhas inquietações? Poderia eu dar um alento a esse alguém que não sei onde nem quando vive? Afinal, como seria possível uma troca de cartas com um destinatário que parece estar fora do meu tempo? Chego em casa e deixo a carta sob uma cômoda. Ela se mantém lá, intacta, incômoda, perturbadora. Desapegando da ideia de parecer coerente ou racional, pego uma lapiseira e um pedaço de papel. As palavras vêm em transbordamentos, sem eira nem beira.

Caro homem do fim do mundo

Sinto muito

que não possa ver

a chuva que cai

o orvalho da manhã

os pássaros no céu

e as pedras que choram

As árvores que saem do chão

e os seres que comem suas raízes

e suas conversas

Ainda assim,

Homem do fim do mundo,

vê beleza na tristeza

e na poesia

que ainda

Homem do fim do mundo,

você guarda no bolso

Assinado: Homem do quase fim do mundo

Caminhar, vagar e perambular… À procura de restos de mundos, não é que encontro poesia? Esboço um leve sorriso. Mas dura pouco essa sensação mansa. Em seguida, sou tomado por indignação, raiva, desgosto… Como chegamos a esse árido fim? Sinto-me na obrigação de responder. Tiro do bolso um pedaço sujo, amarelado e carcomido de papel (seria essa a poesia a respeito da qual o Homem do quase fim do mundo se referia?), algo semelhante a um diário, onde posso narrar meu cotidiano nesse cenário infernal. As letras saltam da minha caneta furiosas e impacientes: 

Você que está lendo isso! Vou te contar o que tá rolando por aqui.

O mundo acabou. Fim! Simples assim. Parece que não tem nada ao meu redor… Nada que eu possa te descrever… A não ser que você goste de pedras e poeira. Porque aqui tem várias.

Mas eu caminho aqui. Caminho e sou viciado nisso. Lembra-me muito eu mesmo descendo as páginas de redes sociais como Facebook ou Instagram. Eu fico passando por várias coisas que não me interessam… Mas a possibilidade, mesmo que remota, de achar algo engraçado ou interessante… me faz continuar passando… ou andando.

Vai que eu acho algo legal! Algo que valha a pena escrever. 

Aguarde mais notícias minhas! 

Na minha antiga terra, nos despedimos com abraços ou beijos. 

Até logo.

Ass: talvez o último.

Estava chegando em casa e me deparei com uma carta deixada no tapetinho de entrada. Achei aquilo estranho. Poderia estar na caixa de correios, que há tanto tempo não recebe nada além de papéis com códigos de barras ou panfletos que vão sendo propositalmente ignorados e se acumulam até o momento em que decido jogá-los fora. Mas não: a carta estava ali na porta da minha casa. Esperando-me placidamente. A carta tem uma cor amarelada envelhecida, está meio amassada e um tanto encardida. O envelope envelhecido me fez lembrar das cartas que, antigamente, as pessoas mantinham guardadas de recordação numa caixa debaixo da cama. Parece que hoje em dia ninguém lembra da sensação gostosa de receber uma carta. Agora que recebemos mensagens a todo instante, é raro sentir o prazer de saber que alguém lembrou de você e dedicou seu tempo fazendo algo que é uma prova de que você é importante para esse alguém. Nesse tempo distante, as pessoas ainda escreviam cartas em papel e se empenhavam em fazer uma letra bonita, temendo errar a escrita das palavras para não rasurar a folha, e nelas cabiam universos… Cartas são artefatos do passado. Objetos estranhos para crianças contemporâneas: coisa de museu. 

Pensando em tudo isso, olhei aquela carta cuidadosamente colocada na porta da minha casa e, claro, peguei-a com muita curiosidade querendo saber de onde ela vinha. Entrei no apartamento distraído e minha calopsita de estimação me recebeu cantarolando. Após ler o que estava escrito, fiquei sem reação. Como se dá essa correspondência entre-mundos? A única forma que encontrei dar algum sentido àquela situação foi redigir uma resposta à tal carta misteriosa: 

Querido habitante do fim do mundo,

Não acho que estejamos tão distantes assim, talvez mais perto do que eu acredito. Não sei como será o dia de amanhã, mas não posso deixar de dizer como a Rua do Perdeu estava linda e silenciosa, esse clima de quase chuva com as árvores em volta. Minha calopsita estava linda hoje! Estava imitando um interfone para que fosse notada e brincando com seu brinquedinho.

Meus estudos se desenrolam tranquilamente neste ano de 3153. Instigada pelo centenário do fim da espécie humana, resolvi me aventurar nos Estudos Terráqueos onde precisei fazer o trabalho final. Descobri coisas interessantes sobre tal espécie. Além das características anatômicas que tanto estudamos, interessei-me especificamente por aquilo que eles cunharam de cultura. Conceito interessante, mas que não se aplica a nós. Ao acaso encontrei uma escrita primitiva em que um indivíduo da espécie contava sobre sua cria não-humana da ordem dos Psittaciformes. Achei graça. Como poderia a espécie humana cuidar de outra espécie? Isso faz pouco sentido, ou quase nenhum, visto o estado deprimente que deixaram o planeta Terra. Não foram capazes sequer de cuidar deles mesmos! Instigada por esses pensamentos, reli um fragmento de jornal que compôs minha pesquisa bibliográfica.

Um pedaço de jornal do ano de 3053:

Espécie Homo sapiens está oficialmente extinta! Casal que estava em cativeiro não conseguiu se reproduzir. 

Morreu ontem no final da tarde a fêmea que tentava se reproduzir pela nona vez. Infelizmente as condições ambientais não estavam mais propícias para a manutenção da espécie.

Talvez o fim do mundo seja apenas o fim de nós mesmos. Somos possivelmente a única espécie com consciência da própria finitude, apesar de que, geralmente, só a reconhecemos quando ocorrem situações que nos deixam na berlinda. Tal como na manhã deste dia, quando chegou voando pela minha janela esse fragmento de notícia de um tempo por vir. Pois é, talvez a extinção da espécie humana não seja de todo ruim. A cada dia cavamos uma cova mais funda enquanto humanidade. Na verdade, nesse momento essa palavra me parece um bocado esquisita! Humanidade seria a qualidade de ser humano? Que qualidade seria essa? O que todos os humanos compartilham? Será que indígenas da América do Sul, habitantes de uma pequena aldeia em Gana, refugiados que estão em um gigantesco acampamento na fronteira do Quênia, camponeses russos, moradores de um bairro rico na cidade de São Paulo têm alguma característica especial que os reúne em uma única humanidade? Seria humanidade o agrupamento de todos os seres humanos enquanto espécie? Então humanidade é da ordem do biológico, do que está oculto dentro das nossas células? 

Chega a ser engraçado pensar que essa palavra foi tantas vezes usada para falar de benevolência, compaixão. Se as “ajudas humanitárias” só chegam depois de catástrofes muitas vezes provocadas pelos próprios humanos… Guerras que não parecem ter fim. Desastres anunciados que se repetem incessantemente. Venenosa indiferença entre humanos. Nem o direito de se refugiar está assegurado. Conforta-me saber que o nosso fim pode ser, também, o fim desta trágica epopeia da aventura humana, tão cheia de injustiças. Mas… Existem tantas coisas lindas e não consigo não pensar nelas nesse momento. Já sinto saudade de algo que ainda não se foi que tem a ver com esse indefinível gesto humano. 

Agora fiquei intrigada. Se não há mais a espécie humana, quem escreveu aquela notícia no ano de 3053? Como essa existência outra consegue viver num mundo em que não se pode ouvir a risada das crianças? Será que eles se alimentam de quê? São seres capazes de sonhar? Eles amam? Sentem dor? Sentem-se solitários? Não me contenho e junto o resto de esperança que me sobra para entrar em contato com este ser inumano:

Querido habitante do fim do mundo, 

No ano de 2018 temos crianças e elas são os seres humanos mais autênticos possíveis. Elas fazem o que sentem vontade e não vêm com construções sociais e, por isso, fazem as coisas que pensam ser certas, mesmo que as outras pessoas não aprovem.

Elas choram no meio de apresentações de escola, em cima de um palco, no meio da multidão quando estão desconfortáveis, isso, quando não correm para o abrigo dos braços de seus pais onde é mais familiar e gostoso. Afinal, “por que ficar pra fazer uma apresentação bonita se quero abraçar minha mãe?”

Elas riem quando não podem rir, porque deu vontade. Elas aprendem coisas novas todos os dias e as mostram orgulhosos para a gente. Elas sorriem com mini dentinhos de leite que são como dentes normais, mas muitos mais adoráveis e pequenos. 

Elas são a melhor coisa que existe nesse mundo, você gostaria de conhecê-las.

Cordialmente, 

Mamãe que ainda não tem filhos.

Ando no passo frenético que minhas seis patas possibilitam. Em cantos fétidos, cheios de restos, infesto esse mundo com pequenas criaturas que seguem o meu ritmo. A fome lateja até que encontro o que parece ser um pedaço de papel. Sacio meu apetite degustando cada pedacinho do que se revelou ser uma deliciosa carta. Sobreviver é meu destino por mais um dia. Com a vontade de viver saciada, adormeço. Quem irá contestar que um ser como eu, tão vilipendiado e desprezado pela extinta raça humana, também seria capaz de sonhar?

Queridos humanos e não humanos do começo do fim do mundo…

Do chão não brota nada. O resto do resto alimentou aqueles que precisavam. Eu apenas vago e observo, não diferente de quando havia vida. Acho que essa é a sina de ser uma barata. Pequena, solitária, mas resistente.

PS: Faz muito calor aqui, sinto falta da água, mesmo que nos inóspitos bueiros.

IV. Um (in)ventar entre mundos

Kudoclasm: Quando os sonhos de uma vida toda são trazidos de volta à Terra. 

– Dicionário das tristezas obscuras, por John Koenig[9]

Vamos finalizando esse texto com uma palavra do “Dicionário das tristezas obscuras”, inventada pelo artista estadunidense John Koenig. Numa tentativa de traduzir sentimentos complexos em letras, o artista compilou sentimentos até então nunca ditos e, da perspectiva de onde miramos, kudoclasm nos fala do sentimento de um sonhador e da possibilidade que ele tem de instaurar modos de existências a partir dos seus sonhos que, por alguma razão, viajam no tempo e insistem em voltar à Terra. Esse sujeito que sonha é o mesmo que, pensando com Lapoujade (2017), percebe (ver) e tem o desejo de testemunhar “a favor” da importância ou da beleza do que viu – pensou, sentiu, sonhou – tornando-se sujeito criador (fazer ver). Mas isso porque, junto com a testemunha surge sempre a figura do advogado: ele é quem convoca a testemunha, “quem faz com que toda criação se torne um discurso de defesa a favor das existências que ela faz aparecer, ou melhor, comparecer” (LAPOUJADE, 2017, p. 22). 

Assim, ao escreverem suas cartas dando destaque àquilo de que foram testemunhas (seja em sonho e/ou realidade), os estudantes tornaram-se também advogados, discorrendo a favor dos seus restos-de-histórias e das existências que criaram em suas cartas. Nessa criação, “fazem existir novas entidades, produzem novas realidades, onde antes ninguém tinha visto nada, imaginado nada (…)” (LAPOUJADE, 2017, p. 22-23). E, com isso, permitem que das tantas mortes vislumbradas no fim do mundo sobrevenham vidas – estranhas, rastejantes, gosmentas, pequenas, grandes, com patas, humanas e não-humanas… 

Testemunhas dos seus próprios sonhos e criadores, portanto, de um mundo por vir, os estudantes (in)ventaram correspondências e ficcionalizaram histórias. Suscitaram mundos, seres, desejos, sentimentos e arruinaram tantos outros. De-compuseram. Criaram narrativas que rasgaram algumas das histórias que temos escutado sobre a crise ambiental e, com seus pedaços, produziram algo novo. Esse ato criador, que faz surgir narrativas estranhas, pouco familiares, na interface vida e morte, acontece quando nos permitimos perceber e testemunhar nossos sonhos-pesadelos e, neles, quais os mundos que desejamos suscitar e quais os que somos impelidos a arruinar. Bem como quais restos-de-histórias nossas narrativas vão explorar e quais afetos vamos deixar aflorar para instaurar modos de existências outros. 

Deste modo, essas cartas inacabadas, inconclusas, escritas às pressas, que não esboçam explicações a respeito da nossa degradação diária ou mesmo expectativas relativas as possibilidades de criações futuras, nos permitem uma experimentação do pensamento. Abrem brechas para as coisidades sobrevirem, criando realidades distintas, multiformes. É a partir desses esboços de mundos por vir, que conectam existências múltiplas – do presente, do passado e do futuro – a um só tempo, que relançamos a pergunta: quais seriam os seres (sobre)viventes nesse entre-mundos? Será que não somos nós mesmos esses seres, mas já modificados, transformados uns nos outros? As correspondências, pequenas coleções de restos-de-histórias, nos trans-formam em outra coisa na mesma medida em que “a coisa” se trans-forma em nós. Nesse partilhar de existências vamos existindo em gradações diversas e, entre o desejo e o medo da criação que esse movimento suscita, experimentamos mundos, vamos ser outros. 

 

 

Bibliografia

BARCHI, R. Poder e resistência nos diálogos das ecologias licantrópicas, infernais e ruidosas com as educações menores e inversas (e vice-versa). Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2016. 321 p.

DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há um mundo porvir? Ensaio sobre os medos e os fins. 2a ed. Desterro (Florianópolis). Cultura e Barbárie: Instituto Socioambiental. 2017. 184 p.

GUIMARÃES, L. B.; SILVEIRA, E. Dreams, um encontro com Akira Kurosawa: a propósito de um sonho e uma dúvida, o que ensinar? In: ANDRADE, Nívea; ALVES, Nilda (Org.). Sonhos de escolas, conversas com Kurosawa. Petrópolis/Rio de Janeiro: DP et Alii/FAPERJ. 2014. p. 1-11. (DVD-ROM), 2014.

KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. 1a ed. São Paulo. Companhia das Letras. 2015. 729 p.

LAPOUJADE, D. As existências mínimas. 1a ed. São Paulo. n-1 edições. 2017. 117 p.

MYERS, F. D. The Dreaming: time and space. In: ______. Pintupi country, Pintupi self: sentiment, place and politics among Western Desert Aborigines. Berkeley (CA.): University of California Press. 1991, p. 48-70.

OLIVEIRA, V. L. Aetcharaú: Vi em sonho. História e memória Guarani Mbyá. Tellus, Campo Grande, n. 7, 2004, p. 59-73.

PELBART, P. P. A terra, a guerra, a insurreição. Revista Eco-Pós (Online), v. 18, 2015, p. 160-170.

SAMPAIO, S. Notas sobre a “fabricação” de educadores/as ambientais: identidades sob rasuras e costuras. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. 2005. 207 p.

SARAMAGO, J. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras. 1995. 310 p.

 

Recebido em: 25/11/2019

Aceito em: 05/12/2019

 

[1]Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: anapaulavallep@gmail.com
[2]Doutorando em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: danielgmk9@gmail.com
[3]Doutoranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Licenciada e Bacharela em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: laisbiouff@gmail.com
[4]Professora adjunta da Universidade Federal Fluminense, atuando no curso de licenciatura em Ciências Biológicas e no Programa de Pós-Graduação em Educação desta universidade. E-mail: shaula.maira@gmail.com
[5]Consideramos que existem múltiplas abordagens na educação ambiental. Por isto, escolhemos deixar o singular e pensar no plural: as educações ambientais. Assumindo que estas se entrelaçam uma rede multifacetada de discursos, conceitos e teorias (SAMPAIO, 2005).
[6]Para Pelbart (2015), instaurar seria a arte de existir, ou seja, significa menos criar pela primeira vez do que garantir uma “realidade” a uma coisa em seu gênero próprio.
[7]Utilizamos “coisidade” pois não temos a intenção de falar da coisa em si, nos referimos, portanto, às variadas manifestações da sua permanência no espaço-tempo (LAPOUJADE, 2017).
[8]Todas as escritas dos estudantes tiveram sua utilização permitida através da assinatura de um Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
[9]Dicionário consultado no site da Revista Galileu. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2016/01/homem-cria-dicionario-para-definir- sentimentos-complexos.html> (Acesso realizado em: 25/02/19)

Ficções no Antropoceno: sonhos (de)compostos em cartas do fim do mundo

 

RESUMO: Dada a inevitabilidade do fim, num mundo que padece com a multiplicação de conflitos e colapsos socioambientais, buscamos re-existir ao sonhar intempestivamente com outros fins possíveis. Mobilizados pelas provocações despertadas pelos filmes “Onde sonham as formigas verdes”, do diretor Werner Herzog, e “Sonhos”, dirigido por Akira Kurosawa, propusemos a uma turma de estudantes de graduação em Ciências Biológicas a escrita de cartas de fins (ou quase fins) de mundos. O que suas escritas nos possibilitam afetar, testemunhar e (in)ventar? Através da de-composição de sete cartas, travamos uma experimentação com a ficção que dialoga com as (im)possibilidades que povoam distintos fins de mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Educação ambiental. Antropoceno. Narrativas ficcionais.


 

Anthropocene fictions: dreams (de)composed in letters from the end of the world

 

ABSTRACT: Given the inevitability of the end, in a world suffering from the multiplication of socio-environmental’s conflicts and collapses, we seek to re-exist dreaming intemperately with other possible ends. Mobilized by the provocations aroused by director Werner Herzog’s “Where the Green Ants Dream”, and “Dreams”, directed by Akira Kurosawa, we proposed to a class of undergraduate students in Biological Sciences the writing of letters from the end (or almost end) of worlds. What do their writings allow us to affect, witness and invent? Through the de-composition of seven distinct letters, we engage in experimentation with fiction that dialogues with the (im)possibilities that populate different ends of the world.

KEYWORDS: Environmental education. Anthropocene. Fictional narratives.

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PEREIRA, Ana Paula Valle; MARTINS, Daniel Ganzarolli; PEREIRA, Lais de Paula; SAMPAIO, Shaula Maíra Vicentini de. Ficções no Antropoceno: sonhos (de)compostos em castas do fim do mundo. ClimaCom – Povos Ouvir – A coragem da vergonha [Online], Campinas, ano 6,  n. 16,  dez.  2019. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/ana-paula-valle-pereira-daniel-ganzarolli-martins-lais-de-paula-pereira-shaula-maira-vicentini-de-sampaio-ficcoes-no-antropoceno-sonhos-decompostos-em-cartas-do-fim-do-mundo