Ritual Ano Novo Yoruba

TÍTULO: Ritual Ano Novo Yoruba


O babalorisa Faseyi Awogbemi Dada, e sua esposa e pesquisadora Glória Freitas Dada, do Templo de Obatala em Ile Ife – Nigéria, aceitaram o convite para conversar sobre suas práticas espirituais e a relação com as florestas e propuseram um pequeno ritual para celebrar o ano novo yoruba, junto à muda de árvore de obi (Cola acuminata), recém plantada no Centro Cultural Casarão, em Barão Geraldo, Campinas. Aqui compartilhamos algumas fotos do encontro e os textos que Faseyi e Glória generosamente nos enviaram para o convite e para o encontro:

“Vamos comemorar o ano novo yoruba e aprender um pouco sobre cultura, história e religião yoruba. É bem verdade que as práticas religiosas yorubas, que chamamos na Nigéria de Isese/Religião Tradicional Yoruba, carregam imensas dessemelhanças com as nossas religiões afro-brasileiras e mesmo com a nossa realidade brasileira que se adequou ao calendário gregoriano, profundamente marcado por festas tradicionais cristãs. Viver nesta convenção de datas ocidentais nos traz um grande espanto ao ouvir que na época em que são comemorados os três santos juninos há um ano acabando para os yorubas. Todos os anos em Ile Ife acontecem as comemorações do ano novo yoruba. Isso acontece na 1.ª semana do mês de junho. E os iniciados em nossa religião em todo o mundo vão até Ile Ife e assistem pessoalmente ao momento em que é sacado o odu do ano novo/sinal dado pelo oráculo para melhor viver o ano novo. O mais importante Sacerdote de Ifa/Orunmila no mundo, escolhe o novo odu e com este novo odu os iniciados em Ifa terão um conjunto de tabus para respeitar, oferendas a serem realizadas e demais recomendações para que Orunmila os ajude a ter vida longa, prosperidade, filhos aos que desejam, paz e muitas outras coisas boas que a experiência terrena pode nos trazer. Estão todos convidados para saber um pouco mais sobre cultura yoruba e rezar juntos em um ritual na pequena árvore de obi plantada no Centro Cultural Casarão. Nossa oração será pela paz interior e do mundo, por nossa sabedoria para saber lidar com os desafios da vida, por nossa prosperidade e para a sensibilização dos governantes contra guerras, para soluções eficazes às mudanças climáticas, contra a xenofobia e todos os sentimentos que não nos conectam com o bem viver nesta morada provisória chamada Planeta Terra”.

Faseyi Awogbemi Dada e Glória Freitas Dada

 


Palestra e ritual: Faseyi Awogbemi Dada e Glória Freitas Dada

Data: 13/06

Local: Centro Cultural Casarão do Barão

Participantes: Andressa Boel, Carolina Scartezini, Érica Araium, Rodrigo Reis Rodrigues, Tatiana Plens, Tania Campos, Sebastian Wiedemann e Susana Dias.


Esta atividade fez parte da proposta da disciplina “Arte, ciência e tecnologia” – MDCC-Labjor-IEL-Unicamp primeiro semestre de 2018

Disciplina: JC012 Arte, ciência e tecnologia

Professora – Dra. Susana Dias

Nesta disciplina experimentaremos as florestas como parceiras de pensamento e escrita, ou seja, a transformação das florestas em material de pensamento e escrita. Um pensar e escrever (seja por imagens, palavras, sons, tintas, corpos…) que busca se afetar pelos não-humanos – uma ênfase muito importante hoje dos estudos de ciência e tecnologia, nos estudos multiespécies, nas chamadas linhas de pensamento pós-humanistas. Trata-se de ganhar intimidade com as florestas, conviver com as coisas, seres, mundos e correr o risco de ser devorado por eles. Co-evoluir perto-dentro-junto às florestas, em que nada está só e tudo se converte numa complexidade viva, numa multirelacionalidade em constante transmutação. Talvez assim, acordar uma divulgação científica e cultural que prefere não falar sobre as florestas, mas antes propor-se como encontro com as potências-florestas. Pois que seria menos pensar em comunicar florestas já dadas, e mais um entrar em comunicação com florestas que estão (e precisam estar) em constante formação e movimento. Quem sabe, deste modo, nos tornemos dignos de que as florestas entrem em comunicação conosco, nos tornemos dignos de que elas proliferem por textos, fotografias, pinturas, esculturas, criações sonoras etc., em novas e originais emoções, em novos modos de existir e afetar. A disciplina será dividida em três blocos: 1. Da intimidade com os materiais; 2. Do aprender a pensar com a Terra; 3. Da atentividade e re-ligação com múltiplos modos de existência. Em cada bloco estão propostas leituras e encontros com práticas singulares de distintos ofícios (cineasta, escultor, cientista, babalorixá e ialorixá), pois nos interessam as artes, ciências e tecnologias – com minúsculas e no plural – envolvidas em um fazer. Trata-se de um enfoque mesopolítico (Stengers) em que o foco não são as abstrações e idealizações, mas as técnicas, procedimentos e materiais. Por isso as leituras serão experimentadas nas aulas não apenas através de uma conversa/debate, mas por meio da invenção de passagens incessantes entre o ler-falar-escrever-desenhar-pintar etc. durante a criação coletiva de composições sensíveis. Uma aposta na necessidade de colocarmos o corpo para pensar e escrever, de fazer corpo com as coisas-seres-mundos. Uma aposta que levamos a sério em nosso grupo de pesquisa multiTÃO, no ateliê Orssarara e na revista ClimaCom. Uma aposta de quem trabalha com comunicação-divulgação para quem só faz sentido uma ideia de leitura ligada à escrita (ler é escrever), assim como uma ideia de escrita expandida, que passa não apenas pelas palavras, mas pelos mais diversos materiais e procedimentos, pelos mais diversos problemas.

Programa de Pós-Graduação Mestrado em Divulgação Científica e Cultural (MDCC) do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Projetos:

– Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC) – (Chamada MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9)

– “Por uma nova ecologia das emissões e disseminações: como a comunicação pode modular a mais intensa potência de existir do humano diante das mudanças climáticas?” (CNPq).

– “Imediações aberrantes: processos de pesquisa-criação entre artes, ciências e filosofia para experimentação da comunicação como ecologia de afetos” (Pibic-Faepex)

– Revista ClimaCom: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/

 

 

 

Dialogando com a semente de obi ou a floresta: um convite para conhecer um pouco da nossa tradição religiosa e cultura yoruba

Faseyi Awogbemi Dada [1] e Glória Freitas Dada [2]

 

Escrevemos aqui para as pessoas que cursam a disciplina da Prof.ª Susana de Oliveira Dias, na Unicamp, com o tema Arte, ciência e tecnologia. Entendemos que nesta disciplina vocês, grupo formado de alunos/pesquisadores/artistas, estudarão o que conecta a comunicação/educação na relação com a floresta, tendo a floresta como parceira de pensamento, escrita e produção audiovisual. E fomos chamados a refletir com vocês e por isso abrimos antecipadamente este diálogo com esta escrita e imagens sugeridas aqui. Nosso intuito é colaborar antecipadamente com um entendimento sobre aquilo que compreendemos sobre as questões acima, na nossa Tradição Religiosa Yoruba. Ou pelo menos tentar fazer conexões… aproximações… diálogos.

Fomos convidados a encontrar com vocês em junho próximo e o elo que poderá nos integrar é que a Susana decidiu convidar durante o semestre algumas pessoas, com práticas mais diversas, que buscam ganhar uma intimidade com a floresta, as matas, bosques (seja estudando e criando com árvores, fungos, rios, seres espirituais etc.). E fomos convidados para fazer uma conversa para e com vocês do que quisermos/desejarmos dentro dessa temática, trazendo nossa perspectiva da Religião Tradicional Yoruba/Cultura Yoruba/Tradição Yoruba/Cosmologia Yoruba.

Estaremos em Campinas para um ritual junto a uma árvore de obi e que já foi plantada no Centro Cultural Casarão. E já são todos vocês convidados para este momento. Está atividade estará longe de uma prática restrita para iniciados em uma religião, pelo menos no sentido estreito de religião. O fato é que para nós, viventes de uma específica filosofia de vida yoruba, tanto quanto é a intenção desta disciplina, (man)temos a semente e/ou a floresta como parceira(s) de pensamento, escrita e produção. Na Nigéria, África Ocidental, na nossa cidade – Ile Ife, nosso Templo de Obatala mantém um sagred grove/bosque sagrado/nossa floresta/igbo em yoruba e lá cultuamos o nosso orisa/orixá. Cantamos lá para nosso Orisa Obatala. Dançamos lá para nosso Orisa. Fazemos lá oferendas para o nosso Orisa. Lá protegemos uma fonte de água e as ervas que surgem lá. Precisamos cuidar do bosque e necessitamos das ervas e águas protegidas lá. Enfim, luta semelhante de todos os viventes do século XXI: Preservar, proteger, replantar… e ainda no nosso caso rezar, cantar e dançar no bosque.

Durante o nosso festival anual, na madrugada do dia 19 para o dia 20 de janeiro, um grupo de nossos sacerdotes de Obatala Holytemple/Templo de Obatala buscam água na fonte sagrada localizada dentro do nosso Bosque do Orisa Obatala/1.ªmorada de nosso Orisa Obatala em Ife/chamado de Igbo Iranje/Grove Sagrado Iranje/Bosque Sagrado Iranje.

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Acima nossa fonte sagrada. A água sagrada do Bosque sagrado de Obatala em Iranje Itapa

Lembramos que na caminhada deste dia sempre são trazidas folhas/ervas. Os sacerdotes sacralizaram a água e as folhas/ervas juntas para inúmeros usos no decorrer da noite em que os iniciados em Obatala e aqueles que estão iniciando naquela semana permanecerão no Templo e ninguém dorme.

Assim acontece todos os anos em janeiro: O transporte da água é feito com cantos em yoruba no longo percurso até o nosso atual templo. A caminhada é longa até o atual Templo de Obatala em Igbo Itapa/Bosque Itapa. A água vai ser usada nos rituais que acontecem na madrugada. A água sagrada do nosso bosque sagrado e as ervas trazidas anteriormente são elementos essenciais ao nosso ofício sacerdotal. Por isso precisamos proteger nosso bosque sagrado e a fonte sagrada de água.

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A água é trazida por um longo caminho

Voltemos ao convite feito para vocês para o ritual junto a uma pequena muda de árvore nigeriana. Este momento terá uma função de religare… religação… conexão… interligação… intercomunicação entre nós, os seres humanos e um ser vivo, uma pequena plantinha que representa um projeto para frutos futuros de obi. Sendo assim são benvindos todos os preocupados em manter uma relação amorosa com o meio-ambiente, os preocupados com mudanças climáticas, os favoráveis ao ‘plante e cuide de uma árvore’, os que apreciam uma sombra gostosa de uma árvore em dia quente de verão. Venham todos aqueles que apostam em gestos distintos da tomada de decisão do presidente americano Trump ao sair do Acordo de Paris.

 

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O Obi plantado no Centro Cultural Casarão

Na tradição yoruba, tudo o que existe aqui na Terra tem uma dimensão interna e oculta. Aquilo que falta aos olhos vivos é o eu oculto celestial ou espiritual. É assim para os humanos e assim também para as árvores. E todos os demais seres vivos/seres espirituais que vivem na floresta, nos bosques, nas matas. Na nossa cosmovisão, uma árvore não é somente aquilo que fisicamente vemos e chamamos árvore. A árvore de obi que está lá no Casarão é um espírito crescendo devagarzinho e/ou uma morada de espíritos, simbolizando ou encarnando certas realidades espirituais. Nossas orações, nossas histórias, versos de nossos oráculos ou os nossos cânticos (ijala em yoruba) e nossos rituais colaboram para uma convivência pacífica entre os seres espirituais presentes aqui a Terra, nossa coletiva e temporária morada. Cantar é uma forma de conviver e comemorar as nossas distintas existências, projetos sagrados de Olódùmarè/Deus em yoruba.

Wole Soyinka (nascido em 1934) é um escritor nigeriano. Em 1986 foi agraciado com o Nobel de Literatura. Soyinka nasceu em uma família yoruba, na cidade de Abeokuta, Nigéria. Soyinka fez faculdade na University College (1952-1954), em Ibadan, e na University of Leeds (1954-1957), na Inglaterra, onde ele se formou com menção honrosa em literatura inglesa. Ele trabalhou no Royal Court Theater, em Londres, antes de retornar a Nigéria para se dedicar ao estudo da dramaturgia africana. Soyinka lecionou nas universidades de Lagos e Ife (Professor de Literatura comparada nesta instituição de ensino em 1975). Soyinka participou ativamente na história política da Nigéria. Em 1967, durante a Guerra civil nigeriana, ele foi preso pelo Governo federal, mantido em confinamento solitário na prisão por suas tentativas de mediar a paz entre os partidos em guerra. Na prisão ele escreveu poemas que mais tarde viriam a ser publicados em uma coleção sob o título Poems from Prison. Soyinka foi liberado vinte e dois meses mais tarde após haver se formado uma conscientização internacional sobre a sua situação. Mais tarde ele recontou a sua experiência no confinamento em um livro: The Man Died: Prison Notes.

Soyinka escreve sobre os nossos cantos yorubas, sobre o ijala: “Ijala comemora não só a divindade, mas a vida animal e vegetal, procura capturar a essência e as relações de coisas crescentes e as ideais do homem nos segredos do universo” [3].

Aprendemos oralmente que existe um intenso e simbólico entrelaçamento entre o físico e o espiritual. Há conexões ente vários elementos, de forma dinâmica. Esse padrão é a fonte da lógica dos nossos rituais. Por exemplo, cada Oriṣa tem seus ‘alimentos’ favoritos ou oferendas que estão simbolicamente e mitologicamente conectados ao caráter desse Oriṣa particular. Sonhamos que a árvore de Obi cresça e que seus frutos poderão ser alimentos/oferendas para nossos orisas. E serão probabilidades de oráculo que possibilitará a comunicação entre os orisas e nossos problemas, preocupações, agradecimentos e dúvidas.

Estamos convictos de que tudo no mundo é uma criação de Olódùmarè/Deus e cada ser vivo revela algo do criador Olódùmarè. E o conjunto dos elementos vivos presentes ao mundo tem uma conexão simbólica e ritual com vários Orisas e outros seres espirituais. Orisas são aqueles que exerceram de forma ampla o potencial para ser adorado que todos os seres vivos possuem em essência.

Ulli Beier (Horst Ulrich Beier), foi um editor, escritor e acadêmico judeu-alemão, que teve um papel pioneiro no desenvolvimento da literatura, teatro e poesia na Nigéria. Ele se interessou pela cultura e as artes tradicionais do Povo Yoruba. Foi professor na Universidade de Ibadan e decidiu viver intensamente a aventura antropológica para desvendar a cultura yoruba nas cidades de Ede, Ilobu e Osogbo e para aprender mais sobre as comunidades yorubas. Em 1956, depois de visitar o Primeiro Congresso de Escritores e Artistas Negros em Paris, organizado por Presence Africaine, na Sorbonne, Ulli Beier retornou a Ibadan com mais ideias para conexões memoráveis.

Em 1957, ele fundou a revista Black Orpheus. Seu nome foi inspirado em “Orphée Noir”, um ensaio que ele havia lido, de Jean-Paul Sartre. Surgiu a primeira revista literária africana em inglês e a oportunidade para a publicação de autores nigerianos contemporâneos. Mais tarde, em 1961, Beier co-fundou o Mbari Artists and Writers Club, na cidade nigeriana Ibadan, um lugar para novos escritores, dramaturgos e artistas, para se encontrar e realizar seu trabalho.

Entre os jovens escritores envolvidos com os emocionantes primeiros anos de independência da Nigéria, Chinua Achebe e Wole Soyinka (Prêmio Nobel de Literatura). Em 1962, com o dramaturgo Duro Ladipo, ele co-fundou Mbari-Mbayo, Osogbo. Ulli Beier foi casado com Susanne Wenger, artista de origem austríaca, sacerdotisa da Orisa Osun/Oxum em Osogbo e arquiteta do bosque sagrado de Ọṣun. Suzanne acompanhou Ulli e ali viveu uma experiência muito importante para a vida dela e da população de religião yoruba da cidade de Osogbo. Isso pode ser visto no documentário de 27 minutos, Susanne Wenger (Adunni Olorisa), e ainda em outro documentário no site da Fundação Susanne Wenger, na Alemanha.

Susanne Wenger frequentou a Escola de Artes Aplicadas em Graz e o Instituto Superior de Educação e Pesquisa Gráfica Federal e depois estudou na Academia de Belas Artes de Viena, entre outras, Herbert Boeckl. A partir de 1946, Susanne Wenger era uma funcionária da revista comunista “Our Newspaper”. Em 1947, co-fundou o Vienna Art-Club. Depois de morar na Itália e na Suíça, em 1949, ela foi para Paris, onde conheceu seu futuro marido, o linguista Ulli Beier. No mesmo ano, depois que Beier recebeu um cargo de professor de Fonética, na Universidade de Ibadan, Nigéria, o casal se casou em Londres e emigrou para a Nigéria. Moraram em Ibadan e na cidade de Ede no ano seguinte, 1950.

Suzanne Wenger ficou doente na Nigéria, após o que se voltou para a nossa religião yoruba e mais tarde se tornou uma sacerdotisa yoruba. Ela se tornou atraída pela religião depois de conhecer um dos sacerdotes da religião de Orisa. Depois Suzanne Wenger e Beier se divorciaram. E Suzanne Wenger casou com o baterista local Ayansola Oniru (ele tocava o instrumento musical yoruba conhecido como bàtá drum) em 1959, tempo em que ela iniciou na religião tradicional yoruba. Foi fundadora da escola de arte “New Sacred Art” e tornou-se a protetora do bosque sagrado da Orisa Osun/Oxum nas margens do rio Osun, bosque sagrado dedicado a Osun, em Osogbo.

Ulli escreve sobre a visão compreendida por Suzanne Wenger sobre o relacionamento entre Olódùmarè/Deus e os Orisas:

Olódùmarè/DEUS é aquele que contém todas as complexidades do mundo dentro dele. Ele é o ovo do qual o mundo explode. Como criador, Olódùmarè se chama Ẹlẹda (Elẹda em yoruba = criador). Com um gesto de criação Olódùmarè se divide e se torna um ser múltiplo. E através dele surgem inúmeras criaturas. Olódùmarè em sua forma pura não pode ser percebido pelos sentidos ou entendido pela inteligência – é por isso que ele não recebe quase nenhuma adoração direta e nenhuma oferenda. Mas, como Ẹlẹda/criador, podemos começar a entendê-lo. Na visão de Susanne Wenger, os orixás são partes representativas de Olódùmarè. Cada orisa é o universo visto de um ângulo singular. Olódùmarè é a soma total de todos as complexidades, ele é o universo concentrado em uma inteligência. Susanne Wenger diz que podemos conceber Olódùmarè/Deus como a força a partir da qual tudo emerge – ou então se pode vê-lo como a convivência de todas as complexidades ” (1975)[4].

Susanne Wenger (1977) escreve:

“Ọṣun pode ser descrita como a deusa/Orisa das águas da vida. Como ela é uma Oriṣa, ela é sobrenaturalmente intensa, uma concentração metafísica de uma força distinta (força sagrada) que também está contida não só no homem e em tudo o que vive, em tudo o que existe fisicamente, mas também em Olódùmarè, o próprio Deus.”[5].

Ulli Beier comenta que:

Susanne Wenger acredita que os conceitos estéticos do ocidente são apenas um substituto para estas outras coisas sobre as quais já não nos permitimos conversar. Por que uma árvore é bonita? Uma árvore é linda porque é regular. Outra é bonita porque é irregular. Quando dizemos lindos, simplesmente descrevemos nossa reação à árvore que tem uma forte identidade (ou caráter). Os yorubas “adoram” essa identidade/caráter, se você quiser use um termo cristão aqui. Onde respondemos com observações estéticas superficiais, os yoruba sentem uma profunda fusão da inteligência humana com a inteligência das árvores. Não é por acaso, talvez, que os pontos mais sagrados do rio Osun, o ibu, são também os que os observadores europeus consideram os mais belos locais (1975)[6].

 

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Rio Osun, Osogbo, Nigéria

Para a nossa Religião Tradicional Yoruba tudo é sagrado, tudo tem seu àse/lê-se axê no português, mas algumas coisas têm mais ou têm um àse mais intenso. Estes alaṣe(s) (possuidores de àṣe e autoridade) estão associados a um Oriṣa, a um verso de nossos oráculos e as histórias verdadeiras para nós ou chamadas de mitos pela antropologia. Histórias que conhecemos para saber os rituais associados a elas em nossos oráculos. E que nos esclarecem sobre usos de objetos como semente do obi, água, folhas diversas, mel. São carregados de significação profunda e assim aprendemos nos versos dos oráculos yorubas e com tudo que herdamos de nossos ancestrais.

Lugares, pessoas, objetos, performances ou coisas manifestam o Sagrado. Até pequenas coisas como uma semente de obi. “Uma coisa se torna sagrada na medida em que incorpora (isto é, revela) algo diferente do que (apenas) a si mesmo” (Mircea, 1996)[7].

É bom lembrar da complexidade de encontrar um equivalente ao conceito de Eliade Mircea contido nos capítulos XI e XII sobre Profano na Religião Comparativa, da obra citada acima, no nosso pensamento yoruba tradicional. Temos nossas diferentes intensidades do Sagrado, não em uma oposição maniqueísta entre Sagrado e Profano. Nossa religiosidade pode ser expressa assim: Tudo o que existe, tem àse e, portanto, tudo é sagrado, em sua própria e única maneira.

Então, esta nossa escrita, que escrevemos aqui antes de nosso encontro é para buscar algum caminho possível de comunicação e conexão. Somos praticantes de uma religião tradicional yoruba. E vocês são pessoas estudando, em uma universidade, sobre Arte, ciência e tecnologia, tema da disciplina que estão cursando.

Além de coletar ervas e água no bosque sagrado, há tarefas múltiplas na formação de um sacerdote/sacerdotisa yoruba. Estas tarefas envolvem memorizações ainda na infância, recitações e contemplações auxiliadas por um mestre espiritual, também sacerdote yoruba. Nossa tradição oral viva está organizada em múltiplos oráculos. O obi, agora plantado aqui em Campinas, é usado como oráculo, já tocamos neste assunto acima. Nós temos nossas orações, rituais, prescrições e interditos morais tradicionais, músicas, provérbios, nossas histórias, nossas sabedorias e nossas meditações filosóficas.

Foi necessário obter o conhecimento de nossos ancestrais e aprender com a observação e o treino como fazer vários ritos, rituais e oferendas. E a aprendizagem nunca cessa. Continuamos aprendendo. Nosso entendimento e cuidado das águas, ervas e bosques que (man)temos trazem efeitos para nossas famílias e para as pessoas que nos procuram para curas e buscam curas utilizando a nossa extensa Farmacopeia de fitoterápicos. Aprendemos com os sacerdotes mais velhos um grande número de usos de ervas nascidas em nossos bosques e aprendemos a fazer estes remédios que curam.

Nosso mundo, na percepção yoruba, é também o lar de vários espíritos das árvores, dos rios, de pedras, além de nossos próprios oris. O termo orí é usado para se referir à cabeça física ou externa de uma pessoa e a sua cabeça interna (orí-inú). Orí-inú é um dos elementos mais importantes da nossa cosmovisão yoruba e da concepção tradicional yoruba da personalidade/caráter. E a tese de doutorado de Ogunnake (2015), fruto de sua permanência na Nigéria, com exaustivo trabalho etnográfico e entrevistas intensas com sacerdotes do povo yoruba auxiliam a explicar:

O orí-inú é ao mesmo tempo o destino, o anjo da guarda, a divindade pessoal e a fonte. É o mesmo, mais do que qualquer outra coisa, que determina o resultado de uma pessoa na vida. Como os mitos do corpus de Ifa nos dizem, cada pessoa escolhe um orí no céu. Alguns são bons e levam a uma longa vida e prosperidade, enquanto outros acabam em ruínas. Em uma variante do mito, ao sair do céu, cada pessoa se destaca a Árvore do Esquecimento, Igi Igbàgbé, e declara o destino que ela escolheu para si mesma. Mas depois de passar por seus ramos, e descendo para o mundo, toda lembrança deste destino está perdida/esquecida. Em todas as versões do mito, Ọrunmila testemunha sozinho a escolha de Orí e é assim chamado ẹlẹrìí ìpín, ‘a testemunha da escolha (do destino) ’. Por esta razão, Ọrunmila pode ser consultado através da adivinhação para determinar o conteúdo ou os desejos do Orí [8].

Esperamos que nossa escrita esclareça um pouco da nossa celebração e da nossa esperança com a pequenina árvore de obi, ainda uma mudinha, os futuros obis serão elementos essenciais para saber resolver grandes dúvidas e chegar às soluções que nossos ancestrais aprenderam com os sacerdotes deles. Já que nada lembramos sobre a escolha que fizemos no plano espiritual. Minutos antes desta viagem aqui para este mundo material, passando pelos galhos da árvore do esquecimento, fomos tocados pelo esquecimento do que viveremos aqui. E este oráculo que o obi configura traz uma colaboração divina suficiente para suportar intensas dúvidas, impasses, sofrimentos e viver com mais tranquilidade a longa jornada escolhida lá no mundo espiritual… mesmo sem saber o fim do filme.

5Obi, o fruto e o oráculo

E indagamos se a citação abaixo de Gilles Deleuze, conecta em algum(ns) ponto(s) com o todo ou algum pedacinho (do tamanho de um obi) com nossas palavras acima escritas…se tiver conexão…nem foi um caso…mas o (a)caso:

Uma vida está em toda parte, em todos os momentos que este ou aquele sujeito vivo atravessa e que esses objetos vivos medem: vida imanente que transporta os acontecimentos ou singularidades que não fazem mais do que se atualizar nos sujeitos e nos objetos. Essa vida indefinida não tem, ela própria, momentos, por mais próximos que estejam uns dos outros, mas apenas entre-tempos, entre-momentos (Deleuze, 2002, p. 14) [9].

 


 

[1] Faseyi Awogbemi Dada é Babalorisa do Templo de Obatala em Ile Ife. Vive e trabalha como Sacerdote Yoruba, Coach Espiritual e herbarista no Brasil. Faz palestras e cursos para os brasileiros. Mantém a página: https://www.facebook.com/igboItapaIleIfe/

[2] Glória Freitas Dada, Doutora em Educação Brasileira, iniciada na Religião Tradicional Yoruba, esposa de Faseyi, é membro do Templo de Obatala de Ile Ife.

[3] Nossa tradução de um trecho da obra de Soyinka, Myth, Literature and the African World, editado pela University of Ife, Nigeria, and Cornell University, New York,1990. Disponível em: http://www.cambridge.org/br/academic/subjects/languages-linguistics/computational-linguistics/myth-literature-and-african-world-1#JhDMkHeh2AwjimtM

[4] Tradução nossa de trecho da obra de Ulli Beier, The return of the gods: the sacred art of Susanne Wenger, Cambridge University Press, 1975.

[5] Tradução nossa da obra de Susanne Wenger, The Timeless Mind of the Sacred: Its New Manifestation in the Ọṣun Groves (Ibadan: Institute of African Studies, University of Ibadan, 1977.

[6] Nossa tradução de trecho da obra de Ulli Beier, O Retorno dos Deuses, Londres, Cambridge, 1975, p. 89.

[7] Trecho da obra de Eliade, Mircea. Patterns in Comparative Religion. Nebraska: University of Nebraska Press, 1996. Disponível em:  https://ia800409.us.archive.org/14/items/mircea-eliade-patterns-in-comparative-religion/mircea-eliade-patterns-in-comparative-religion.pdf

[8] Ogunnaike, Oludamini. Sufism and Ifa: Ways of Knowing in Two West African Intellectual Traditions. Doctoral dissertation, Harvard University, Graduate School of Arts & Sciences, 2015, p.260. Disponível em: http://nrs.harvard.edu/urn-3:HUL.InstRepos:23845406

[9] DELEUZE, Gilles. A Imanência: uma vida… Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 11-18, jul. dez . 2002.

 


DADA, Faseyi Awogbemi; FREITAS, Glória. Dialogando com a semente de obi ou a floresta: um convite para conhecer um pouco da nossa tradição religiosa e cultura Yoruba. ClimaCom – Diálogos do Antropoceno [online], Campinas, ano.  5, n. 12. Ago. 2018 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=9478


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