Que abutres são esses? ou Carta a Candinho e a Graciliano | Davina Marques


Davina Marques [1]

Campinas, janeiro de 2022.

 

Querido Candinho!

Querido Graciliano!

 

Primeiramente peço desculpas por chamá-lo assim, Candinho. É que normalmente eu me refiro a você como Portinari, mas quando escrevi apenas o primeiro nome do Graciliano Ramos, achei que usar seu sobrenome ficaria muito formal. Para lhe demonstrar o devido afeto, escolho o seu apelido de infância… Parece que ficou bem nos cumprimentos.

Escrevo porque vi a chamada da ClimaCom e logo pensei em vocês. Em vocês e nos autores de voz indígena, que tanto me têm ensinado nos últimos anos. Tem, por exemplo, o Ailton Krenak, que anda anunciando suas ideias para adiarmos o fim do mundo…  Tem o Davi Kopenawa, que fala de sustentar o céu… E tem tantas outras gentes, indígenas e do povo negro também, me povoando de histórias que me fazem pensar na vida e nas nossas respostas a ela. Acho que vocês iam gostar de saber do Torto Arado, do baiano Itamar Vieira Júnior. História forte de gente ligada ao chão.

Voltando à chamada, vejam só, é para um dossiê, com o tema “Esse lugar, que não é meu?”, para pensar refugiados climáticos. Eu confesso que, em um primeiro momento, pensei na agonia, no desespero, no sofrimento daqueles que partem de suas terras. A propósito, tem uma série nova passando que eu acabei de ver (acho que vocês nem sabem o que é isso – uma novela em capítulos, apresentada como filme, na televisão – que vocês viram surgir. A série de que falo, especificamente, hoje se pode ver sem ter que esperar a nova edição a cada semana, desde que use um sistema pago à parte… claro). Chama-se “Estado Zero”. Pois então, trata-se de histórias de pessoas que chegam à Austrália de barcos, fugindo de diversas situações de opressão, e são enviadas para uma prisão, onde ficam aguardando o julgamento de seus casos. Nessa série tem a história de Ameer, um professor que foge do Afeganistão com sua esposa e duas filhas. Não vou entrar em detalhes, mas, ao final, para proteger a filha, ele abre mão da sua paternidade – e a série relata com força essa dor. Disse que era mentira que era pai da menina que sobreviveu à viagem de barco, quando a mãe e a irmã morreram, viagem que ela realizou separadamente dele. É uma das várias narrativas que nos emociona nessa série. É terrível imaginar que o mundo tem milhares dessas pessoas que partem em busca de um lugar melhor e que, em suas jornadas, encontram tanta miséria, outras misérias, são subjugadas, humilhadas, violentadas, às vezes até à morte…

 

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 30/03/2022

Aceito em: 30/04/2022

 

[1]  Doutora em Letras. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. E-mail: davina.marques@ifsp.edu.br

Que abutres são esses? ou Carta a Candinho e a Graciliano

 

RESUMO: Este ensaio apresenta uma composição com imagens a partir de uma conversa imaginária com os artistas Candido Portinari e Graciliano Ramos. Ressalta-se a pertinência de suas obras para a discussão do tema dos refugiados climáticos, explorando em especial a alusão a aves que podem fazer mal ao homem. O ensaio provoca a pensar para além do abutre, em seu sentido figurado, provocando o pensar sobre o homem causador de mudanças que levam a deslocamentos por Gaia.

PALAVRAS-CHAVE: Mudança climática. Refugiados. Experimentação escrita e imagética.

 


What kind of vultures are they? or Letter to Candinho and Graciliano

 

ABSTRACT: This essay presents a composition with images from an imaginary conversation with the artists Candido Portinari and Graciliano Ramos. We reaffirm the relevance of their works to the discussion of climate refugees, exploring the allusion to birds that can harm humans. The essay invites to think of the vultures, in a figurative sense, pointing to man who causes changes that lead to displacements throughout Gaia.

KEYWORDS: Climate change. Refugees. Written and image experimentation.


MARQUES, Davina. Que abutres são esses? ou Carta a Candinho e a Graciiliano. ClimaCom – Esse lugar, que não é meu? [online], Campinas, ano 9, n. 22., mai. 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/que-abutres/