Plantas companheiras de escrita: des-bordando o Antropoceno | Susana Dias, Emanuely Miranda, Larissa Bellini, Mariana Vilela, Rayane Barbosa, Paulinha Luiz Pinto, Milena Bachir, Natália Aranha, Joana Salles


Susana Oliveira Dias[1]

      Emanuely Miranda[2]

Larissa de Souza Bellini[3]

  Mariana Vilela Leitão[4]

           Rayane Barbosa[5]

      Paulinha Luiz Pinto[6]

    Milena Bachir Alves[7]

                                      Natália Aranha de Azevedo[8]

Joana Pedrassoli Salles[9]

 

Escuta-se o sopro triste e agonizante da flauta que vem do meio da escuridão. Vê-se um pedaço de terra vermelha, desamparada, inerte, sem vegetação alguma. Sob ela um tufo de cabelos preso a um pequeno pedaço de tecido branco. O vento vira o pano e revela a palavra “desterro” bordada. Seguem imagens muito rentes ao chão que percorrem uma terra estéril, que mostram os tocos que restaram das plantas arrancadas. A monocultura rasga em sons o nosso corpo. Mulher e terra estão sós, inférteis, buscam onde e como. Este tempo as castigou e as empobreceu. Uma corre por cima da outra, com a pressa de quem vive agora e morre aos poucos. Buscando um norte? Perderam-se e procuram-se. Só se acharão quando se tocarem e sentirem que são feitas da mesma matéria, da mesma luta, da mesma glória.

A corrida agora fica nos dois terços à direita da tela, enquanto, no outro terço, a mesma mulher vestida de branco borda sentada numa cadeira de madeira em um terreno com uma terra vazia. Mãos bordam num movimento acelerado e repetitivo. Solidão? Atravessamentos? A mulher segue atravessando o tecido, enquanto nuvens no céu despencam sobre o tempo da devastação. Mulher e terra sentem juntas no agora as manifestações do ambiente ao qual estão expostas.

Em um segundo plano surgem pés no chão e aumenta a sensação de vertigem, seca e calor. A tomada simultânea divide-se numa vista de cima, em primeira pessoa. Pés que correm trôpegos e sem rumo em uma terra nua. Num sopro sombrio mãos e pés, ainda em imagem simultânea, trazem gestos atordoantes. Mãos a bordar o assombro da ausência, pés a correr em um deserto sem fim, sem começo, tornando perceptível um corpo arado, um rastro de morte.

O filme “Desterro” foi feito pela artista Mariana Vilela em abril de 2020, quando o campo lavrado em frente à sua casa convocava um forte pensamento em torno da pandemia, da violenta experiência de morte e solidão que fomos obrigados a enfrentar e da necropolítica em curso com o governo atual. Mariana acompanhava a rotação de culturas de sua casa: primeiro a mandioca, depois a aveia, o milho… Um sistema que submete as plantas a uma espécie de experiência pandêmica. Elas não podem conviver umas com as outras, nem se associar a uma diversidade de seres. Como disse a líder indígena Célia Xakriabá, na live Antropoceno e Ancestralidade: “Toda monocultura mata: mata o território, mata o nosso pensar, mata o nosso olhar, mata a escuta, mata o nosso alimento” (2020, sp.). Muito diferente é o que propõem os povos originários, que vivem com as florestas em pé, ou nos sistemas agroflorestais, onde o desafio é o de criar modos de viver junto em que se aprendem com as próprias plantas, animais, fungos, rios…, onde múltiplas e complexas cooperações e coevoluções definem os modos de existir.

(Leia o ensaio completo em PDF).

 

Recebido em: 15/09/2022

Aceito em: 15/10/2022

 

[1] Pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professora do Mestrado em Divulgação Científica do Labjor-IEL-Unicamp. Email: susana@unicamp.br

[2] Jornalista e Mestranda em Divulgação Científica e Cultural (Labjor-Unicamp).Email: em@gmail.com

[3] Graduanda em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Unicamp. Email: sbellini@gmail.com

[4] Graduada em Letras pela Faculdade de São Bernardo e Mestranda em Divulgação Científica e Cultural (Labjor- Unicamp) Email: m168289@dac.unicamp.br

[5] Graduanda em Licenciatura em Pedagogia pela Unicamp. Email: r260883@dac.unicamp.br

[6] Graduanda em Letras pela Unicamp. Email: p258550@dac.unicamp.br

[7] Graduada em Turismo pela Uniso Sorocaba e Mestranda em Divulgação Científica e Cultural (Labjor- Unicamp). Email: milenabachir1@gmail.com

[8] Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista e Mestranda em Divulgação Científica e Cultural (Labjor-Unicamp). Email: nataliaz.aranha@gmail.com

[9] Graduada em Letras pela Universidade de São Paulo e Mestra em Moda, Cultura e Arte pelo Centro Universitário Senac. Email: salles.joana@gmail.com

 

 

Plantas companheiras de escrita: des-bordando o Antropoceno

 

RESUMO: O que podem as plantas como companhias de escrita diante do Antropoceno? Alinhadas ao conceito de “espécies companheiras” de Donna Haraway, ensaiamos pensar o que há de vegetal emaranhado aos materiais de pesquisa: filme, romance, livro-objeto, estudos filosóficos, históricos e antropológicos. As plantas nos convocaram a multiplicar os sentidos do tempo presente, a interrogar as lógicas antropocêntricas dominantes na escrita e a experimentar um novo tempo, o Plantroposceno.

PALAVRAS-CHAVE: Estudos multiespécies. Planta. Escrita. Antropoceno.

 


Writing companion plants: de-bording the Anthropocene

 

ABSTRACT: We seek to think about what plants can do as writing companies in the face of the Anthropocene. We align ourselves with Donna Haraway’s concept of “companion species” and try to think about what is entangled in the research materials (film, novel, subject-book and philosophical, historical and anthropological studies). The plants summoned us to multiply the meanings of the present time, to question the dominant anthropocentric logics in writing and to experience a new time, the Planthroposcene.

KEYWORDS: Multispecies studies. Plants. Writing. Anthropoceno.

 


DIAS, Susana et al. Plantas companheiras de escrita: des-bordando o Antropoceno ClimaCom – Políticas Vegetais [online], Campinas, ano 9, n. 23., dez. 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/plantas-companheiras/