Imagens poéticas nos aproximam de Gaia: diálogos entre ciências e filosofias | Gláucia Pérez

Criar novos modos de contar histórias, gerar narrativas que despertem conexões com Gaia e possibilidades de viver junto entre diferentes ciências e filosofias, foi o tema da conversa entre o filósofo e ambientalista Ailton Krenak e o agrônomo Antonio Nobre no evento “Selvagem”.

Por Gláucia Pérez

Editora Susana Dias

No evento online Selvagem – Ciclo de estudos, destinado a criar diálogos e conversas entre o saber ancestral e a ciência tradicional, ocorreu a conversa entre o pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Antônio Nobre e o filósofo, líder indígena e ambientalista Ailton Krenak, no dia 05 de Março. Ao falar dos rios voadores, termo popularizado por Antônio Nobre para explicar o transporte de umidade que vem do oceano para dentro do continente na região Amazônica, ele considera que a floresta opera pelo princípio da colaboração: as árvores no período de seca doam umidade, vapor para o ar, e ao fazer isso criam umidade suficiente para que se formem as nuvens, os rios voadores. Nas palavras dele: “Nesse doar de colocar umidade no ar, existe um mecanismo fundamental da natureza que é a da generosidade. Uma árvore atua nesse princípio da absoluta generosidade, porque tudo que ela oferece são serviços para todos os outros seres, inclusive para as outras árvores”.

As imagens poéticas criadas por Nobre nos aproximam de Gaia, são narrativas que nos fazem reconhecer que somos parte da natureza, pertencentes à Terra e somos chamados a combater nosso “desconhecimento e cegueira em relação à maravilha que é Gaia”, como diz Krenak; e continua “Quando danificamos ou maltratamos Gaia fazemos o mesmo conosco, do mesmo modo que podemos regenerar junto com Gaia quando esta se autoregenera”.

As narrativas negacionistas e catastrofistas são também um modo de maltratarmos Gaia, de nos mantermos separados da vida. Criar novos modos de contar histórias, que despertem outros interesses e possibilidades de viver junto, faz parte dessa autoregeneração que precisamos cultivar. Krenak aborda a ideia da autoregeneração a partir dos estudos do cientista Fabio Scarano, que considera os regenerantes de Gaia como organismos presentes em diferentes ecossistemas que vão se adaptando com o passar dos tempos às alterações das mudanças climáticas e à presença do seres humanos nos diferentes ambientes, garantido assim a preservação e perpetuação da espécie. “Para a mente exageradamente materialista entender que podemos experimentar um sentimento de amor incondicional a Gaia, e a tudo que existe no seu organismo é uma poesia que não cabe em uma equação”, avalia Krenak.

De acordo com Nobre a maioria de nós não teve o ensinamento do saber ancestral e milenar dos povos originários para aprender desde cedo que a floresta não é ameaçadora e perigosa, como aparece na história de chapéuzinho vermelho. Algumas histórias e crendices contadas de geração a geração fazem parte de uma construção cultural que coloca a floresta e os animais como nossos inimigos. Sim, há cuidados que devemos ter para interagir com a floresta, porém a floresta não é um inferno verde. Essa ideia de que a floresta é perigosa foi difundida por uma parte da sociedade que queria justificar o desmatamento e a ocupação da floresta. Ao reconhecermos os problemas dessas narrativas, podemos nos engajar na criação de imagens sensíveis capazes de inventar diálogos entre ciências e filosofias de diferentes povos. Como disse Krenak no evento online Festival Cajubi: “As narrativas servem para enfrentar o pensamento que destrói a terra, mas com uma visão do sagrado e ao mesmo tempo entendendo que a Terra é sagrada”. (Link com a notícia completa em pdf)

 

Gláucia Pérez é bolsista TT Fapesp no projeto INCT-Mudanças Climáticas Fase 2 financiado pelo CNPq pro- jeto 465501/2014-1, FAPESP projeto 2014/50848-9 e CAPES projeto 16/2014, sob orientação de Susana Dias e Antonio Carlos Amorim.

Coletivo e grupo de Pesquisa | multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações (CNPq)

Projetos | Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC) – (Chamada MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9); Revista ClimaCom: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/ e Revista ClimaCom.