Entre tesões, tensões e prevenções: HIV/Aids e contaminações com as obras de Adriana Bertini | Tiago Amaral Sales


Tiago Amaral Sales [1]

O QUE FAZEMOS COM ESSA PANDEMIA? NOTAS PARA PROCURAR UM CAMINHO

É reta final do ano de 2020. Após meses de distanciamento social, a exaustão toma conta de quem continua na tentativa de escapar do perigo-viral que permeia e é permeado pela covid-19, e que se materializa também em práticas governamentais, negligências, negacionismos e milhares de mortes diárias. Em conversas-digitais com amigos, frequentemente é lançada a pergunta “O que fazemos com essa pandemia?”, de certa forma na tentativa de buscar soluções simples para situações extremamente complexas. Talvez a pergunta possa ser reformulada para “O que fazemos para sair desta pandemia?”, chegando em outra questão sem respostas prontas: Como cuidar de si e dos outros em tempos de imposição da exposição e descaso com a vida?

Em meio a estas questões, em tempos de relações fluidas mediadas por web-relacionamentos, aplicativos de encontros, novos contatos e distâncias, recordo de outra pandemia que nos acompanha há quatro décadas. A partir dessa pandemia outra, coloco-me em movimentos de ziguezagues (DELEUZE; PARNET, 1995) para nela pensar. Refiro-me ao HIV/aids, infecção que já matou mais de 32 milhões de pessoas e cujo vírus da imunodeficiência humana se faz presente hoje nos corpos de cerca de 38 milhões de pessoas no mundo (UNAIDS, 2020). Esta pandemia é causada por uma infecção ainda sem cura, mas passível de prevenção e tratamento que permite controlar a replicação viral no corpo humano. Quando não controlada, a infecção pelo vírus tende a levar ao estado de imunodepressão e adoecimento chamado de aids, ocasionando a morte da pessoa infectada. Como podemos nos posicionar diante desses acontecimentos?

Este artigo é escrito em brechas como tentativa de posicionamento, entre perigos, cuidados, biopolíticas (FOUCAULT, 2019), necropolíticas (MBEMBE, 2018), farmacopornografias (PRECIADO, 2018), tensões, disputas, artes, tesões, prevenções, vulnerabilidades, desejos e resistências: é escrito nos entres, pensando em encontrar e criar linhas de fuga, como também ganhar velocidades variadas. Sobre velocidade, ziguezagues, linhas de fuga e devires, Gilles Deleuze e Claire Parnet (1998, p. 27) afirmam que:

Essa questão de velocidade é muito importante, muito complicada também. Não quer dizer ser o primeiro na corrida; acontece de se estar atrasado por velocidade. Tampouco quer dizer mudar; acontece de se ficar invariável e constante por velocidade. A velocidade é ser tomado em um devir, que não é um desenvolvimento ou uma evolução. Seria preciso ser como um táxi, linha de espera, linha de fuga, engarrafamento, afunilamentos, sinais verdes e vermelhos, ligeira paranóia, relações difíceis com a polícia. Ser uma linha abstrata e quebrada, um ziguezague que desliza “entre”. A grama é velocidade. (…) As crianças são rápidas porque sabem deslizar entre. (…) Ora, acontece o mesmo com o escrever. Escrever deve produzir velocidade (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 27).

Através de escritas, produzir e ganhar velocidades nas disputas que tentam a todo momento capturar a vida, em tentativas de “deslizar entre” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 27). Caminhar por entre linhas duras mortíferas e perversas em tentativas de criar linhas de fugas e devires. Pensar em potências em obras de arte, em fugas pelo desejo e corpo, em te(n)sões. Vírus?

Por meio dos diálogos com a artista Adriana Bertini e suas obras produzidas através de insumos biomédicos e farmacológicos, como pílulas e preservativos, encontro potências para cartografar as diversas linhas (DELEUZE; PARNET, 1998) que compõem tramas em torno da pandemia de HIV/aids. Este artigo busca percorrer territórios de disputa, contradição, coexistência, sobreposição, mistura e contaminação entre tesão e tensão, permeando e sendo permeado por corpos, desejos, sexos, vírus, vulnerabilidades, prevenções, vidas, mortes, dores e delícias[2], tateando as modulações que neles existem, caminhando junto de seus movimentos e possíveis linhas de fuga (leia o artigo completo em pdf).

 

Recebido em: 21/10/2020

Aceito em: 19/11/2020

 

 

[1]Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas, Mestre em Educação e Doutorando em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Integrante do UIVO – Criação, arte e vida (UFU); e do GPECS – Gênero, corpo, sexualidade e educação (UFU). Bolsista CAPES. E-mail: tiagoamaralsales@gmail.com.

[2]Inspirado em Dom de Iludir de Caetano Veloso: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

Entre tesões, tensões e prevenções:
HIV/Aids e contaminações com as obras de Adriana Bertini

RESUMO: Este artigo movimenta-se em ziguezagues para pensar nos tesões, tensões, desejos, capturas, violências, silenciamentos e estigmas que atravessam e são atravessados pela pandemia de HIV/aids, assim como nas formas que esta nos afeta há quatro décadas. Inicialmente, discuto as biopolíticas, necropolíticas, vulnerabilidades e silêncios que circundam o vírus, e nas múltiplas formas que podem se combinar de prevenção a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Posteriormente, dialogo com obras da artista Adriana Bertini produzidas a partir de preservativos e pílulas, refletindo acerca da sexualidade e HIV/aids entre tesões e tensões, potencializando discussões sobre corpo e prevenção sexual, intervindo nas materialidades e sentidos dos preservativos e das pílulas. Por fim, penso nas contaminações que nos atravessam e nas não-aberturas para estas, no que o corpo não aguenta mais, em dilemas que continuam ressoando mesmo com tantos avanços biomédicos no que diz respeito à prevenção e tratamento do HIV/aids, e em linhas de fuga por entre tesões e tensões.

PALAVRAS-CHAVE: HIV/aids. Corpo e Sexualidade. Bionecropolítica. Arte. Prevenção e Tratamento.

 


Between turn-ons, tensions and prevention:
HIV/AIDS and contaminations with works by Adriana Bertini

ABSTRACT: This paper moves in zigzag thinking in turn-ons, tensions, desires, captures, violences, silences and stigmas that go through and are crossed by the HIV/AIDS pandemic, as well as the ways it affects us for four decades. Initially, I think in biopolitics, necropolitics, vulnerabilities and silences that surround the virus, and in the multiple ways that can be combined to prevent sexually transmissible infections (STIs). Posteriorly, I dialogue with works by the artist Adriana Bertini produced from condoms and pills, reflecting about sexuality and HIV/AIDS between turn-ons and tensions, potentializing discussions about body and sexual prevention, intervening in the materialities and meanings of condoms and pills. Finally, I think about contaminations that pass through us and the non-openings for them, in what the body cannot take anymore, in dilemmas that continue to resonate even with so many biomedical advances regarding the prevention and treatment of HIV/AIDS, and in escape lines between turn-ons and tensions.

KEYWORDS: HIV/AIDS. Body and Sexuality. Bionecropolitics. Art. Prevention and Treatment.

 

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SALES, Tiago Amaral. Entre tesões, tensões e prevenções: HIV/Aids e contaminações com as obras de Adriana Bertini. ClimaCom – Epidemiologias [Online], Campinas, ano 7,  n. 19,  Dez.  2020. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/entre-tensoes-prevencoes-2/