Des-instalação interativa ivagination e seus fluxos: uma criação autoginográfica em site-specific em tempos de distanciamento social planetário | Juliana Wexel e Mirian Estela Tavares


Juliana Wexel [1]
Mirian Estela Tavares [2]

 

Representação artística da vulva em uma experiência site-specific em casa

O desenvolvimento deste projeto de arte computacional insere-se no campo das práticas de investigação científica com base em projeto artístico e tecnológico. A obra intitulada des-instalação ivagination consiste, portanto, em um artefato digital interativo desenvolvido a partir de uma proposta de experiência imersiva do gênero site-specific que transforma parcialmente a casa da artista em um corpo de mulher. De acordo com Bambozzi, “Site-specific é conceito cunhado no contexto da land art para se referir a trabalhos em que os resultados obtidos dependiam da especificidade do lugar escolhido para seu desenvolvimento, ou seja, obras em que o contexto era incorporado ao procedimento artístico” (Bambozzi, 2010, p. 144). A des-instalação é apresentada em forma de uma escultura luminosa e centrada em uma narrativa musical de experiência autoginográfica [3] e poética da criadora, a partir de uma estética baseada em vulva art. Tanto a dimensão visual quanto sonora do projeto artístico dialogam diretamente com o universo das sexualidades femininas e de interesse artivista, com base no mito antropológico da vagina dentada, presente em inúmeras culturas primordiais e que denotam o medo do contato com a potência da sexualidade feminina [4], como verifica-se em Badinter (1983).

Ao mencionar e analisar as recorrentes e ancestrais representações da vulva e da vagina em sociedades primitivas, como os baruya da Nova Guiné e os maoris da Nova Zelândia, e que não restringe-se apenas a este tipo de formação social, Badinter discute “o medo do outro”, e ilustra “o conjunto das angústias que o sexo feminino suscita”, ainda hoje, como uma “força devoradora, devastadora, insaciável, uma caverna ‘com dentes’, que causa pesadelos […] mortal” (Badinter, 1983, p. 149). Afirma a pesquisadora que “Entre os baruya, não é tanto a cavidade vaginal que é temida, mas os ‘venenos’ que ela secreta. Pelo contrário, em outras sociedades, é o antro da vagina que provoca maior medo” (Badinter, 1983, p. 152).

 

(Leia o ensaio completo em PDF).

 

Recebido em: 20/03/2021

Aceito em: 15/04/2021

 

[1]  Artista multimídia, jornalista e bolsista de investigação FCT-CIAC (Centro de Investigação em Artes e Comunicação) na Universidade do Algarve (UAlg) e Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) de Portugal. Doutoranda em Média-Arte Digital (DMAD-UAlg-UAb). E-mail: julianawexel@gmail.com

[2] Professora associada da Universidade do Algarve, Faro, Portugal; coordenadora do CIAC (Centro de Investigação em Artes e Comunicação) na mesma instituição e Diretora do Doutoramento em Média-Arte Digital (DMAD-UAlg-UAb). E-mail: mtavares@ualg.pt

Des-instalação interativa ivagination e seus fluxos: uma criação autoginográfica em site-specific em tempos de distanciamento social planetário

 

RESUMO: Este artigo descreve parte do processo de criação da obra ivagination, as motivações artísticas, estéticas e relacionais aplicadas na experiência e ressalta, ainda, a presença de duas distintas noções de fluxo em sua criação: primordialmente, a alusão ao fluxo do ciclo menstrual e, por conseguinte, a importância do fluxo (flow) de interatividade do público para completar a experiência imersiva artística. Em meio à situação da primeira onda da pandemia, a primeira autora deste artigo cria um projeto digital interativo do gênero vulva art em sua residência provisória em Lisboa, em Portugal, sob inspiração autoginográfica. Em ivagination, a artista abre a casa-corpo num ato de exposição da intimidade. O artefato artístico é baseado em uma experiência autobiográfica e nasce do extremo incômodo em como os corpos das mulheres são, ao mesmo tempo, desejados e violentados, reprimidos e explorados, adorados e mutilados nas mais diversas sociedades, culturas e tempos históricos. Em ivagination, a genitália torna-se lugar de transgressão, apropriação, empoderamento e espaço para a celebração, fruição e “ivaginação”. A tecnologia digital é utilizada para apoiar um discurso estético a partir da criação de um corpo sensorial luminoso-sonoro interativo que proporciona uma experiência imersiva onde o corpo da(o) visitante é parte da obra, assim como o corpo da casa e o corpo da artista. Também por ter sido realizada em suporte site-specific, a instalação recebe a alcunha de des-instalação, num jogo linguístico em detrimento ao que seria uma instalação artística curada em galeria ou espaço expositivo de acesso público. A obra integra a exposição Re>>connecting do evento ONLINE 2020, curada por artistas que desenvolveram projetos de arte computacional no Brasil, Portugal e China em contexto do Doutoramento em Média- Arte Digital pela Universidade do Algarve e Universidade Aberta de Lisboa, em Portugal, ao longo do primeiro semestre de 2020.

 

PALAVRAS-CHAVE: Arte digital. Site-specific. Vulva art.

 


Interactive uninstallation ivagination and its flows: a site-specific autoginographic creation in times of planetary social estrangement

 

ABSTRACT: This article describes part of the process of creating the artwork ivagination, the artistic, aesthetic and relational motivations applied in the experience and also highlights the presence of two distinct notions of flow in its creation: primarily, the allusion to the flow of the female menstrual cycle and, consequently, the importance of the interactivity flow of the audience to complete the immersive artistic experience. In the midst of a pandemic situation, the first author of this article created an interactive digital project of the genre vulva art at her temporary residence in Lisbon, Portugal, under autoginographic inspiration.  In ivagination, the artist opens her body-house in an act of intimacy exposure. The artistic artifact is based on an autobiographical experience and arises from the extreme discomfort in how women’s bodies are, at the same time, desired and violated, repressed and exploited, adored and mutilated in the most diverse societies, cultures and historical times. In ivagination, the genitalia becomes a place of transgression, appropriation, empowerment, and a space for celebration, fruition, and ivagination. Digital technology is used to support an aesthetic discourse from the creation of a luminous-sound sensorial body that provides an immersive experience where the visitor’s body is part of the work, as well as the body of the house and the artist’s body. Also because it was made in site-specific support, the installation receives the nickname “uninstallation”, in a linguistic game in detriment to what would be an artistic installation curated in a gallery or exhibition space of public access. The work is part of the exhibition Re>>connecting of the ONLINE 2020, event curated by artists who developed computational art projects in Brazil, Portugal and China in the context of their Phd studies at the University of Algarve and the Open University of Lisbon, in Portugal, during the first semester of 2020.

 

KEYWORDS: Digital Art. Site-specific. Vulva art.

 


 WEXEL, Juliana ; TAVARES, Mirian Estela. Des-instalação interativa ivagination e seus fluxos: uma criação autoginográfica em site-specific em tempos de distanciamento social planetário. ClimaCom – Coexistências e cocriações [online], Campinas, ano 8, n. 20. abril 2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/des-instalacao-interativa/