Como suscitar a potência do pensamento em tempos de turbulência social e ecológica? Leituras micropolíticas entrelaçadas de “Staying with the trouble: Making Kin in the Chthulucene”, de Donna Haraway | Ana Cláudia Holanda e Ana Luiza Braga


Ana Cláudia Holanda[1]

Ana Luiza Braga[2]

 

A pandemia global do novo coronavírus nos atravessa também em sua dimensão de fim de um mundo, como efeito brutal de estruturas ecocidas intensificadas. Em tempos de turbulência social e ecológica, é em histórias tão sérias quanto vivazes como as narradas por Donna Haraway que a nossa capacidade de responder às mutações sociais e subjetivas pode ser colocada em jogo.

Em “Staying with the trouble: Making Kin in the Chthulucene”, a bióloga e filósofa estadunidense nos desafia a permanecer na constante tensão da complexa trama de “padrões enormemente injustos de alegria e dor” (HARAWAY, 2016, p. 1) que caracterizam as experiências dos seres vivos no presente. Para Haraway, o momento não é próprio para nostálgicas utopias salvacionistas nem para “passados edênicos” (2016, p. 1), mas para uma atenção continuada aos efeitos irreparáveis da ação do Homem – ocidental, colonizador e industrializado – sobre os sistemas da Terra e seus viventes. É preciso não aderir ao desespero maniqueísta, alerta Haraway, mas compreender a gravidade, a magnitude e a complexidade dos processos envolvidos, considerando suas consequências materiais e semióticas. É necessário ter cuidado para não sucumbir aos discursos derrotistas, ela aconselha, nem recorrer a metafísicas seculares ou religiosas que produzem fés intolerantes, conduzindo ao cinismo ou ao desespero. Haraway insiste na recusa a respostas transcendentais prontas para instigar outras possibilidades de pensamento com e em meio às urgências e o luto; escapando das profecias “autoindulgentes e autorrealizáveis” (2016, p. 35) e da espera eterna por algum advento arrebatador.

Banalidade da negligência

Não há lugar para o niilismo nem a apatia nesta leitura feminista de uma época batizada de Antropoceno – alcunha dos cientistas do clima Paul Crutzen e Eugene Stoermer para um período de tempo que demarca os efeitos das ações humanas nos sistemas da Terra, com mutações irrevogáveis nos ciclos que mantiveram a estabilidade climática e a produção de biodiversidade nos últimos doze mil anos. A aceleração das transformações ambientais já era sentida em 1995, quando Crutzen ganhou o prêmio Nobel por expor que a civilização moderna se tornara uma força com alcance planetário e duração geológica, impactando devastadoramente incontáveis formas e gerações de vida na Terra.

 

(Leia o ensaio completo em PDF).

 

Recebido em: 20/11/2021

Aceito em: 10/12/2021

 

[1] Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutoranda no mesmo programa e instituição. E-mail: anaclh@gmail.com

[2] Mestranda em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e bolsista do CNPq. E-mail: analuizabragam@gmail.com

Como suscitar a potência do pensamento em tempos de turbulência social e ecológica? Leituras micropolíticas entrelaçadas de “Staying with the trouble: Making Kin in the Chthulucene”, de Donna Haraway

RESUMO: O ensaio apresenta de forma introdutória conceitos relevantes à teorização e à metodologia feminista da bióloga e filósofa estadunidense Donna J. Haraway, principalmente a partir do livro “Staying with the Trouble: Making Kin in the Chthulucene”. Discute-se a proposição do Chthuluceno como um marcador temporal singular e em relação a conceitos como Antropoceno e Capitaloceno, e as consequências dessas categorizações do tempo para os processos de produção de subjetividades e para as práticas narrativas e historiográficas. Enquanto estes últimos sentidos parecem facilmente conduzir à negligência e ao niilismo diante da magnitude e complexidade das tensões sociais e ecológicas contemporâneas, o conceito proposto por Haraway suscita a responsabilidade implicada na convivência com outras espécies, convocando a figuração de imaginários relacionais que não reiterem extermínios e genocídios. Neste percurso, nos referimos a conceitos conectados e elaborados por autores como Hanna Arendt, Grada Kilomba e Fernanda Eugenio, aproximando o trabalho de Haraway destas análises micropolíticas sobre a renaturalização de práticas sistemáticas de violência colonial e racializante.

PALAVRAS-CHAVE: Antropoceno. Chthuluceno. Políticas de narratividade.

 

How can we think potently in times of social and ecological trouble? Intertwined micropolitical readings of Donna Haraway’s “Staying with the trouble: Making Kin in the Chthulucene”

 

ABSTRACT: The essay presents relevant concepts to American biologist and philosopher Donna J. Haraway’s feminist theorization and methodology, focusing on the book “Staying with the Trouble: Making Kin in the Chthulucene”. The proposition of the Chthulucene as a singular temporal marker and in relation to the concepts of Anthropocene and Capitalocene is examined, as well as the consequences of these different categorizations of time in the contemporary processes of production of subjectivity, as well as narrative and historiographic practices. While the last two concepts seem to lead to negligence and nihilism in face of the magnitude and complexity of contemporary social and ecological tensions, the concept proposed by Haraway invokes thinking with the responsibilities that coexisting among species entails and calls for the figuration of relational imaginaries that do not reiterate exterminations and genocides. Reference is made to connected concepts elaborated by authors such as Hanna Arendt, Grada Kilomba and Fernanda Eugenio, bringing Haraway’s work closer to these micropolitical analyses on the renationalization of systematic practices of colonial and racializing violence.

KEYWORDS: Anthropocene. Chthulucene. Politics of narrativity.

 


HOLANDA, Ana Cláudia; BRAGA, Ana Luiza. Como suscitar a potência do pensamento em tempos de turbulência social e ecológica? Leituras micropolíticas entrelaçadas de “Staying with the trouble: Making Kin in the Chthulucene”, de Donna Haraway. ClimaCom – Diante dos Negacionismos [online], Campinas, ano 8, n. 21. novembro 2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-potencia-do-pensamento/