Arte e mudanças climáticas: uma nova cultura

A relação entre meio ambiente e arte não é nova, mas questão torna-se cada vez mais pertinente: por que falar de arte para falar de mudanças climáticas?

Por: Daniela Klebis | Foto: Entrevidas (1981 – 2014), de Anna Maria Maiolino

Entrevidas FOOD SESC

Diante da urgência de ações para adaptação e mitigação das mudanças climáticas, a relação entre arte e meio ambiente parece se estreitar, destacando-se com uma força cada vez maior nos circuitos culturais. Recentemente, em São Paulo, a mostra internacional de arte FOOD problematizou as consequências das mudanças climáticas para a alimentação. No Reino Unido, o projeto Cape Farewell explora as possibilidades culturais do tema para sensibilizar as pessoas. Em várias partes do mundo, inciativas artísticas impregnadas com a preocupação ambiental se multiplicam.

Na capital paulista, a mostra FOOD – Reflexões sobre a Mãe Terra, Agricultura e Nutrição, que esteve em cartaz no SESC Pinheiros, em abril, trouxe pinturas, instalações, vídeos, oficinas e palestras para refletir sobre a comida e a preservação do que o nosso planeta nos oferece. Expondo obras impactantes de artistas contemporâneos de renome, como Marina Abramovic, da Sérvia, Shimambuko, do Japão, Pipilotti Rist, da Suíça, e os brasileiros Anna Maria Maiolino, Eduardo Srur e Leonora de Barros, a exibição reuniu perspectivas culturais dos cinco continentes, para provocar e envolver o público numa questão global: a segurança alimentar. Este é, inclusive, um dos items de maior vulnerabilidade apontados pelo mais recente relatório sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade às mudanças climáticas do IPCC.


[icon color=”#333″ size=”30px” name=”moon-file-pdf”] relatório sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade às mudanças climáticas do IPCC.


As obras têm uma força que instiga a interação. É assim, por exemplo, com a instalação Supermercado, do brasileiro Eduardo Srur (2012). O artista produziu um vídeo em que ele protagoniza um passeio por um mercado, e, ao tempo em que passa pelas gôndolas, impulsivamente consome os produtos ofertados sobre o próprio corpo. O local é reconstruído na mostra, permeado de espelhos, com monitores transmitindo o filme em meio aos alimentos. A peça joga deliberadamente com o reflexo e a reflexão, provocando o impulso de recriar a experiência a que se assiste.



Outra obra, Entrevidas (1981 – 2014), de Anna Maria Maiolino, convida os espectadores a caminharem sobre um chão de ovos, atentos ao cuidado de evitá-los. Maiolino explora nesse espaço a fragilidade da vida, e a ameaça constante do nosso caminhar no mundo.

Em uma entrevista coletiva em Milão, a curadora da mostra, Adelina von Fürstenberg, indicou sua inclinação para um tipo de arte que tenha potencial de interagir com o público para além do sensível: “O aspecto estético da arte nunca foi suficiente para mim, sempre procurei transmitir valores ao espectador”, comentou. A curadora contou que foi fortemente influenciada pelo artista alemão Joseph Beuys, que dizia que a arte teria poder de mudar o mundo.

Cultura, arte e didatismo

Para o artista Chris Drury, colaborador no projeto Cape Farewell, do Reino Unido, o caminho para a conscientização ecológica está definitivamente fora do didatismo. “Jamais teria intenção de usar a arte para falar de mudanças climáticas. Se você faz isso, mata a arte sem sequer conseguir ir além do óbvio sobre mudanças climáticas”. Porém, ele pondera que o tema é uma preocupação crescente, que acaba por permear as percepções a ponto de tornar-se visível nas suas obras de arte.

Uma obra de arte pode ter um impacto potente, mas somente se for um aspecto da obra. Se a arte é totalmente didática, ela jamais terá esse impacto, e sua perspectiva do mundo será simplesmente previsível e decepcionante”.

O projeto Cape Farewell, foi criado em 2001 pelo artista David Buckland como uma resposta cultural para as mudanças climáticas. O projeto busca alternativas à racionalidade científica. Baseado no conceito de expedições, o Cape Farewell reúne mais de setenta artistas, entre músicos, arquitetos, poetas, escritores, pintores, dançarinos e atores, além de cientistas e jornalistas, que se dirigem ao ártico, a ilhas perdidas, ou centros urbanos para levantar questões e estimular o debate e a invenção de comunicações criativas para o engajamento público com o problema das mudanças climáticas.

Drury está, neste momento, em expedição para acompanhar o trabalho de três fazendeiros em Dorset, Reno Unido, que decidiram adotar a produção orgânica – e toda a sua filosofia – em suas terras. Para o artista, o que é mais forte nessas organizações não é o modo de vida sustentável em si, mas paradoxo que permeia suas propostas. “É óbvio que essa maneira com que a terra é trabalhada e o estilo de vida dos fazendeiros é não somente sustentável, mas muito bonito. Porém, o mais interessante está fora disso – a beleza está na suas relações com e de amor pelos animais. O senso de humor, suas percepções acerca do mundo natural, até mesmo quando alguns estão tranquilos por matarem qualquer coisa que se mova. O interessante é o paradoxo. E se quiséssemos nos focar somente nas mudanças climáticas, perderíamos o foco do que realmente acontece nesses ambientes. E o que acontece aqui, isso é arte”, explica o artista.