Fazer parênt(es)es ou esperas: os gestos de Flusser


Gabriel S. Philipson[1]

 

Con el convencimiento de que la universidad pública debe ser, como dijo Derrida (2003), “sin condición”, el PUEG ha desarrollado varias herramientas pedagógicas cuyo objetivo es contribuir a crear una comunidad crítica de estudiantes, profesores e investigadores.

Era evidente que había que torcer el salón de clase, que había que derribar sus muros y convertirlo en un espacio abierto, de contacto, de toma de la palabra, de posicionamiento desde lo propio y lo parcial, y precisamente a partir de esta impropiedad era preciso fundar la necesidad de construir colectivamente.

Los mecanismos empleados para tal propósito tienen que ver con estos giros, estas espirales descendentes que facilitan, dadas sus torsiones, el contacto de lo interno y lo externo, lo alto y lo bajo, lo oculto y lo evidente, lo abierto y lo cerrado, lo legítimo y lo ilegítimo.

A partir de giros (lingüísticos, conceptuales, espaciales) hemos llegado a definir y construir el salón de clase como un lugar de encuentro, de toma de la palabra y, sobre todo, de indignación: el salón de clase como una plaza. No nos interesa producir conocimientos cuya objetividad radique en la imparcialidad, sino producir parcialidades, tomas de cuerpo y conciencia basadas en los puntales más agudos de la indignación.

[…] Es un hecho, velado pero sabido, que a medida de que los estudiantes avanzan en la academia, a medida de que dejan atrás niveles inferiores: primaria, secundaria, licenciatura, van dejando también el cuerpo. El estudiantado y la academia deben ir despojándose de las señas corporales que puedan poner en cuestión la veracidad, la verosimilitud, la legitimidad de su conocimiento. Descorporeizar el conocimiento, hacerlo abstracto, universal, es señal de investidura académica, investir el cuerpo ausente. ¿Qué se cancela cuando se omite el cuerpo?

A nosotras nos interesa justamente lo contrario, producir el cuerpo en paralelo a la producción del sujeto académico, un regreso intermitente al cuerpo como clave de encarnamiento de un saber en la academia: territorializar y desterritorializar el conocimiento, explorar qué sucede cuando se regresa al cuerpo en los niveles más altos de la producción de conocimiento (el posgrado) y en los espacios más descorporeizados (el salón de clase) (RIUS, 2012, p.10-14).

É COM ESSAS PALAVRAS que Marisa Belausteguigoitia Rius e Rían Lozano de la Pola começam a introdução do livro que coordenam, Pedagogías en espiral: experiencias y prácticas. Partindo da perspectiva de gênero, sugerem uma modificação da maneira de olhar, inscrevendo giros, torções e tensões no plano do visível. Trata-se de ver posicionando os fios do poder e do não poder, trata-se de ver o mundo do contrário, invertendo, a partir do plano em que se delimitam os regimes e as hegemonias raciais, patriarcais, de classe e de gênero.

Com isso, ficam no limite das disciplinas, constituindo uma perspectiva ambulante, metonímica, um posicionamento traçado da planta dos pés, perseguindo as pegadas que deixam aquelas e aqueles que caminham, que giram, que se mobilizam de suas casas para a praça, para a universidade, até que tomem a palavra e o corpo. Marcam, assim, a intenção de fazer aparecer o corpo, de fazê-lo presente na sala de aula, de perguntar o que significa o corpo.

Pois quando entra o corpo, os signos, os sinais, o gesto, diz Flusser (2014, p.14), a “estrutura das ciências institucionalizadas é cortada horizontalmente”, podendo se formar uma ponte (fazendo ponte) entre as ciências humanísticas e as da natureza (para adiantar algo do que virá a seguir – alguns poderiam dizer que ela faria rizoma entre e com essas ciências). Nesse sentido, uma teoria dos gestos para Flusser seria uma teoria engajada, antiacadêmica (subvertedora da estrutura científica institucionalizada) e recorreria aos métodos das ciências ditas “exatas”. Se essas seriam as “características que marcarão provavelmente toda uma série de disciplinas do futuro imediato”, pode-se dizer que segue justamente por esse caminho a proposta de Marisa Rius e Rían Pola (2012, p.15) de uma pedagogia em espiral, na qual os sentidos mesmo de disciplina e de pedagogia são torcidos e retorcidos. Fazendo isso, o que se quer é gerar

uma comunidade crítica de estudantes e acadêmicos interessada em desordenar o que sabe e como sabe o que sabe. Esses giros, torções e torceduras têm que ver com a emergência da teoria como um dispositivo capaz de intervir nos cenários socioculturais e tornar visíveis os meandros do poder que ordenam hierarquicamente os sujeitos, suas vozes e exigências (RIUS; DE LA POLA, 2012, p.15).

Também não é uma proposição de todo estranha aos saberes localizados da Donna Haraway (2009) – nem mesmo de Latour (2002; 2013) – que, urgindo ao feminismo encontrar um caminho do meio entre construcionismo e objetivismo universal, vai se deparar em uma espécie de objetividade localizada (que tem o corpo como eixo central) e que poderíamos chamar, a partir de Flusser, de uma ponte justamente entre ciências humanísticas e as da natureza.

 

////

RECOM[Ê]ÇO OU RECOM[É]ÇO

Se a sugestão de uma “teoria geral dos gestos” passa por uma reestruturação pedagógica e científica da academia, do saber e do conhecimento que as experiências pedagógicas de Marisa Rius e Rían Pola na cidade do México com o grupo de estudos de gênero e com mulheres encarceradas vão ao encontro, isso talvez possa ter ligação com o que alguém poderia chamar de um sonho do contrário, ou um sonhar ao contrário: nas palavras de Deleuze e Guattari (2014, p.53), “saber criar um devir-menor” é sonhar o oposto da vontade de poder, de domínio, de dominação. É justamente os parênteses que vêm logo após isso, encerrando o terceiro capítulo de Kafka: por uma literatura menor, capítulo cujo título é justamente “o que é uma literatura menor?”, que talvez assinalam, indicam ou apontam para as diversas ligações, pontes ou rizomas que podem ser feitas aqui.

Parênteses veem sempre no plural e me interessam, porque eles são como um sonho – menor? Ou sonho ao contrário? – do texto corrido, uma espécie de sonho ou sonhos dentro do sonho e dos sonhos, pedras de tropeço que se fazem erguer no planalto dos textos, cavidades ou picos que se destacam nos mil platôs, cogumelos que pipocam sem que haja relações causais diretas que se possa comandar. No caso destes parênteses, neles está escrito assim: “sonhar o contrário: saber criar um devir-menor. (Haveria uma chance para a filosofia, ela que formara por longo tempo um gênero oficial e referencial? Aproveitemos do momento em que a antifilosofia quer ser hoje linguagem do poder)” (DELEUZE; GUATTARI, 2014, p.53)

O que eu vejo aqui, o que eu diria que vejo aqui é uma expressão de um desejo dos autores – justamente desses dois autores para quem o desejo é tão central nas suas reflexões – que gostariam de ver uma chance do que chamam de um devir-menor também na filosofia, de encontrar na filosofia uma possibilidade de uma filosofia menor, como em Kafka encontraram a ideia de uma literatura menor. Desejo contido pelos parênteses, pelo fim do capítulo, e que ao mesmo tempo se fez aparecer na forma de algo menor, de um “aliás” ou suspiro, de um sonho dentro do sonho, de um devir-menor dentro do menor.

É possível encontrar aí a importância – menor – da literatura para a filosofia, ao menos como um lugar de sonho inverso, na medida em que se fala da literatura, quando o desejo é de se falar da filosofia, ou ainda, é ao se debruçar sobre a literatura menor que pode se preparar e fazer surgir a chance de uma filosofia menor, que não é nem antifilosofia, nem linguagem do poder – ou sobre o poder, uma alfinetada, em sonho ou em parênteses, é verdade, talvez a Foucault. Não se abre mão da filosofia para mostrar seus mecanismos do poder, nem se quer que a filosofia antifilosófica, a que destrói a filosofia ao fazer a arqueologia da relação entre poder e filosofia, se torne linguagem hegemônica ou do poder. Ao mesmo tempo, se incita a – se deseja – aproveitar sua onda, seu momento de desejar ser maior, de querer ser a linguagem do poder, de querer ser duplamente a linguagem que é do poder e a que fala do poder. Se aproveita essa onda para se desejar uma filosofia menor.

Ao mesmo tempo, no entanto, ainda se deseja em forma de pergunta (retórica?) uma chance para a filosofia, uma possibilidade. Haveria a possibilidade de uma filosofia devir-menor? É o que perguntam os filósofos, Deleuze e Guattari, talvez a si mesmos. Onde seria possível encontrar uma filosofia assim?

Quer dizer, onde seria possível encontrar uma filosofia Pop, mas também uma filosofia que, como a literatura menor, se servisse do polilinguismo em sua própria língua, que fizesse desta um uso menor ou intensivo, que opusesse o caráter oprimido de tal língua a seu caráter opressivo, que achasse os pontos de não cultura e de subdesenvolvimento, as zonas de terceiro-mundo linguísticas por onde uma língua escapa, um animal se enxerta?

Talvez em muitos lugares fosse possível encontrá-la – eles mesmos encontram literaturas menores em Céline e em outros tantos autores, talvez eles mesmos gostariam, desejariam ser ou fazer uma filosofia menor. Esses encontros poderiam ser, talvez, uma espécie de encontros no fim do mundo, nos limites do mundo, como o de Herzog (2007), na Antártida, com Stefan Pashov, motorista de trator e também filósofo formado em filosofia. Encontros em fuga, encontros daqueles que têm a intenção de pular fora das margens do mundo, encontros onde as linhas dos mapas convergem, encontros onde as fugas acabam porque o mundo acaba – onde ultrapassar a margem significa voltar ao mundo. Não há lugar mais ao sul do que o polo sul, diz Stefan Pashov para Herzog, para a câmera, para nós, falando também de sonhadores profissionais, cuja profissão é a de viajar em fuga e trabalhar quando preciso.

Mas talvez também não se trate de achar um polilinguismo na sua própria língua, seja porque a própria língua pode não existir para alguns, seja porque a própria ideia de própria língua – e não de língua própria – poderia ser abandonada, não no sentido de tornar próprio o polilinguismo, mas de desativar a própria noção de próprio. Aí seria possível se encontrar no próprio Flusser uma fuga, um menor, um pop, uma genealogia kafkiana.

E isso em vários sentidos.

Deleuze e Guattari (2014) falam sobre uma possibilidade interessante, a “de fazer um uso menor de sua própria língua […]: ser em sua própria língua como um estrangeiro”, já que a língua, mesmo se fosse única, seria uma papa (e não um papa), uma mistura esquizofrênica. Seria o caso então, de jogar uma função dela contra a outra, a fim de territorializar e desterritorializar seus centros de poder, aquilo que se pode e que não se pode falar nela, até, quem sabe, chegar ao ponto máximo de desterritorialização. Não há nada tão grande ou revolucionário quanto o menor, dizem ainda. É preciso odiar os mestres.

E, se se continua a voltar as páginas desde o último parênteses com o qual o capítulo se encerra, se se continua lendo o capítulo às avessas ou ao contrário, encontra-se, virando a página, a conclusão do argumento de que Kafka não segue o programa do, não reterritorializa o tcheco, nem o alemão, nem o iídiche: ele chega a uma escrita única, solitária, fazendo o alemão de Praga, já desterritorializado em muitos sentidos, ir sempre mais longe, ir sempre mais longe até escoar sobre uma linha de fuga.

A literatura menor, então, não seria a feita em uma língua menor, mas antes aquela que uma minoria faz em uma língua maior: ela faz da impossibilidade de escrever, a impossibilidade de não escrever. Uma espécie de estranho privilégio, no qual a impossibilidade de escrever em alemão para os judeus de Praga é paralela à impossibilidade de igualmente escrever em tcheco e em íidiche: “em suma”, dizem, “o alemão de Praga é uma língua desterritorializada, própria a estranhos usos menores […] que, em outro contexto hoje, os negros podem fazer com o inglês norte-americano” (DELEUZE; GUATTARI, 2014, p.68).

Nesse sentido, na literatura menor – e na filosofia menor desejada em possibilidade no último dos parênteses do capítulo – tudo é político, inclusive uma Carta ao pai. Nela não é tanto Édipo que deveria ser encontrado, mas um programa político.

Desse modo, nesse estranho uso da língua também poderia ser afirmado, como Deleuze e Guattari o fazem, que “tudo toma um valor coletivo”: à margem de sua comunidade frágil, o escritor fica ainda mais em condição de exprimir outra comunidade potencial, fazendo com que “a máquina literária tome assim o lugar de uma máquina revolucionária por vir”. Seria possível reconstituir por aqui, por essas reflexões sobre o que seria uma literatura (e filosofia) menores, o que seria a literatura marginal, e também a popular e proletária.

Toda análise feita por Deleuze e Guattari da língua de Kafka, sua via para uma fuga, para o exílio em sua “própria” língua, para a desterritorialização – como seria, talvez, uma das possíveis traduções da noção de Bodenlosigkeit de Flusser (2007) –, poderiam, talvez, circunscrever Flusser, localizar ou territorializar Flusser, a língua de Flusser. Ao menos essa é a sensação, a de que estão possivelmente a falar de Flusser – caso o conhecessem. E essa inscrição circular de Flusser em relação com o Kafka lido por Deleuze e Guattari, essa dança com Flusser (sem Flusser) que visa entender Flusser e apontar suas linhas de fugas, esse círculo inscrito que busca botar Flusser no seu interior, ao mesmo tempo em que está sempre, no entanto, fugindo por suas tangentes, que, como se sabe, são infinitas, esse movimento circunvolvente do pensamento, portanto, que sugere um paralelo (talvez tangencial ou tangenciante desse círculo, desse movimento circular que é a escrita, mas também a fala, a sala de aula), isso que pode ser chamado de tantas coisas, enfim, ocorreria não menos em dois outros lugares importantes da análise que Deleuze e Guattari fazem da literatura de Kafka.

Em primeiro lugar, (pois trata-se de tentar dar alguma ordem às coisas, ou ao menos na superfície ou em aparência) parece haver uma coincidência entre um motivo geral das obras de Kafka segundo a análise de Deleuze e Guattari (2014, p. 67) e um motivo igualmente encontrável de forma geral nas diversas obras de Flusser, a saber: tentar encontrar uma saída, traçar uma (ou mais) linha(s) de fuga(s). Como em Kafka, “as cartas” para Flusser “talvez [sejam também] a força motora que, pelo sangue que elas trazem, disparam toda a máquina” – ainda está para se analisar e se pensar a relação entre a correspondência de Flusser e suas obras, a relação entre seus textos mais longos e os mais curtos, como fazem Deleuze e Guattari em relação a Kafka. Kafka devem animal em seus contos, dizem eles, sem saber como a reflexão poderia valer também para Flusser: trata-se de um devir-animal que não tem nada de metafórico, de simbolismo ou alegoria. É um panorama enxertado sobre o homem enquanto ele busca uma saída: “é uma linha de fuga criadora e que não quer outra coisa que não a si mesma” (DELEUZE; GUATTARI, 2014, p.69).

Em segundo lugar, outra coincidência que não poderia passar batida – outro padrão que liga não apenas Kafka e Flusser nesse nível em que ainda não se tratou de Flusser ligando-se a si mesmo com Kafka, mas que liga também ambos a Deleuze e Guattari e a outras coisas mais que tento articular aqui – é a presença constante da máquina e do funcionário, ou ainda, a proposição que Kafka faria a si mesmo, segundo os autores franceses, de desmontar os agenciamentos maquínicos: nesse sentido, dizem, traça linhas de fuga que, ao contrário de Herzog, não eram fugas “para fora do mundo”, mas era uma maneira de fazer o mundo e sua representação fugirem. “Tratava-se de falar, de ver, como um escaravelho, como um besouro” (DELEUZE; GUATTARI, 2014, p.86), como uma vampyrotheutis infernalis (lula-vampira-do-inferno) ou uma aranha pimoa cthulhu e um polvo azul octopus cyanea, seria possível completar a frase para eles, caso ela estivesse sendo falada agora.

Um parênteses: [Aqui, em Kafka, em Kafka deleuze-guatarrizado, o solo comum de onde talvez venha a ligação tão forte que é possível se ver entre Flusser e Viveiros de Castro (2002; 2015), ou melhor, entre Flusser e o pensamento ou o perspectivismo ameríndio, as metafísicas canibais, enfim, pois, além de Viveiros de Castro ser abertamente deleuziano, ou justamente por isso, a frase poderia igualmente ser completada com o jaguar, os mortos ou com o urubu].

Essa sensação de que Deleuze e Guattari poderiam estar falando de Flusser ao falar de Kafka, que eles poderiam estar circunscrevendo Flusser, seja porque ambos falam desde a mesma língua menor, a sensação de que eles possuem problemas, temas, questões, paranoias e esquizofrenias no mínimo parecidas, fica ainda mais candente por causa desse desejo por um sonho ao contrário na ou da filosofia, dessa esperança, dessa espera por uma filosofia que no mínimo se contaminasse por um sonho ao contrário, o sonho de ser menor, de ver como um escaravelho ou, justamente, como um vampyrotheutis infernalis. Uma filosofia em fuga, no sentido de uma filosofia que põe a filosofia e o mundo em fugas, que joga a filosofia, as máquinas da filosofia, contra si mesmas.

O desejo aqui – o meu desejo – seria o de apontar então uma relação necessária entre tudo isso – é o que venho fazendo, não? –, quer dizer, seria o de dizer que Deleuze e Guattari esperavam – no duplo sentido de esperar – por Flusser. Mas afirmar essa relação necessária, afirmar algo assim, de maneira categórica, seria bem problemático. É preciso tornar esse desejo menor, é preciso apresentá-lo ao mesmo tempo em que se o desconstrói, que se o diminui, que se o relativiza, que se o aplaca.

Por um lado, é talvez a própria filosofia deles que Deleuze e Guattari veem como um sonho ao avesso. Por outro, como poderiam sonhar maior esse sonho menor se, como aponta Spivak (2010), em Pode o subalterno falar?, partem de uma posição de sujeito por demais europeia, por demais tradicional? Talvez seja por isso que apontem para o uso menor do francês em autores literários franceses na página anterior. De todo modo, o desejo, a espera por uma possibilidade de um sonho invertido na filosofia, aponta aparentemente menos para uma falsa modéstia do que para uma abertura a uma possibilidade que lhes é desconhecida. Ficam à espera como aqueles fãs de Beyoncé, waiting for B (TOLEDO; SPINDEL, 2017), desejando B, e ao mesmo tempo se identificando com B. No caso B seria F, seria Flusser.

Por outro lado – um outro lado dos lados de lá, um terceiro lado que é lado dos lados de lá – é Flusser quem está esperando por K, que talvez possa ser também DLZ&G. A espera por Kafka, para Flusser, é a espera por uma resposta à esfinge Kafka, pela realização completa da mensagem Kafka, a mensagem de uma união mística que poderíamos chamar talvez de menor: a união de um pensamento que progride, mas que em sua progressão avança para dentro da “hierarquia do nada”, para dentro do nojo que o próprio Deus sente não das criaturas – vermes perante Ele –, mas Dele mesmo.

Pois, para Flusser (2012), desde o início de “Esperando por Kafka”, se trata de dizer que “a obra literária é a realização de um intelecto”, ou seja, de dizer que a literatura pensa. Nesse sentido, a filosofia pela qual DLZ&G esperam poderia ser a de K, talvez (provavelmente) até mesmo – aí o pulo do gato dos franceses – a de K lido por DLZ&G, justamente a que F estaria a esperar (este foi o meu pulo do gato).

 

///

O PULO DO GATO LEVA AO DESCOMEÇO – é preciso tangenciar o pulo, afastar-se do pulo, da hora gá, da hora do pulo. Assim como pular, começar também é um gesto.

Seria preciso recomeçar, então, tentando ativar ou reativar um aspecto quase inexistente, porque leve, sutil mesmo, dessas co-esperas, dessas co-demoras, desses encontros em desencontros, dessas relações de demora, de parentesco também, mas principalmente relações de comunidades esperantes, companheiros de espera, uns pelos outros que são eles mesmos, outros e talvez ainda outros. A espera é esperança, e também abertura, há uma promessa de mudança, de acontecimento, na espera, mas há também um desacordo com o presente, embora talvez fosse possível e mais potente encontrar na própria espera o acontecimento que, sem ser esperado, acontece: como em Waiting for B, a situação de espera modifica a temporalidade, abre um espaço-tempo na normalidade, cria uma heterotopia, para falar com Foucault, mas também uma heterocronia, um outro lugar do lugar, um outro tempo do tempo.

Como na comunidade fugidia daqueles que esperam por Beyoncé, a espera também pode ser uma dança, seja entre os que esperam, seja com torcedores e passantes da rua, numa espécie de jogo social de mostração e de velamento. Mas também pode ser uma espécie de dança da ciência, como diz Isabelle Stengers (PINHEIRO DIAS et. al., 2016), em que sujeito e objeto se imiscuem, em que objetividade torna-se responsabilidade e posicionamento político. As “mutações no próprio gesto da pesquisa” de que fala Flusser na citação a seguir, da página 47 de Gestos talvez fossem em direção dessa dança, sem a qual a ciência seria triste:

Está se tornando sempre mais claro que pureza, objetividade e exatidão são elementos da ideologia burguesa. Que na realidade, não há sujeito transcendente, nem conhecimento objetivo e nem conhecimento exato. Está se tornando sempre mais claro o que a pesquisa está condenada a ser: gesto de um ente mergulhado no mundo, interessado nele e em modificá-lo aproximadamente de acordo com suas necessidades, sonhos e desejos. E isto está se tornando claro pelas mutações que estão ocorrendo no próprio gesto da pesquisa (FLUSSER, 2014, p.47).

Se Stengers dançar com Flusser, se Flusser fizer ponte com Stengers, é na medida em que apontam para a impossibilidade de ser eticamente neutro em ciência. À objetividade pura, sem corpos, sem contexto, a uma objetividade que deixa de lado a sociedade dentro da qual me encontro com meus outros, a uma objetividade que surge de pesquisa eticamente neutra, Haraway, por exemplo, contrapõe uma objetividade situada na qual o corpo está presente e em que o outro, o objeto, também produz sentido. É, de certo modo, esse movimento que Flusser está observando e que o faz ver que os gestos da pesquisa estão em crise e estão se modificando.

O gesto da pesquisa científica tem se modificado, diz Flusser (2014, p.53), no sentido de que as fronteiras entre ciência, arte e política têm caído por terra, na medida em que a pesquisa agora ocorre na “plenitude da vida”, ela passa a ser “vital”: “toda pesquisa é, espontaneamente, política, artística e científica, ou não é pesquisa, mas gesto mentiroso. Porque o gesto de pesquisar passa a ser um dos gestos da vida humana, isto é, busca de valores e de sentido”. Isso significa que “o pesquisador se assume em circunstâncias compostas de problemas vitais que se precipitam sobre ele, e em direção dos quais ele próprio se projeta” diz Flusser, sem saber as importantes consequências dessa visão para o surgimento dos estudos dos subalternos ou para o feminismo na ciência – é Despret (HARAWAY, 2009), quem sustenta que diferenças de gênero de primatologistas, por exemplo, provocaram uma revolução no modo como os cientistas “leem” e “produzem” a natureza. Se antes os primatas observados reproduziam um modelo masculino bélico, competitivo e dominador, embora estranhamente alguns primatas nunca tenham se encaixado no modelo por serem por demais pacíficos, uma mudança de paradigma ocorreu graças aos trabalhos de primatologistas mulheres, com práticas de observação diferentes – preocupadas com o caso a caso, complexas, e não com generalizações totalizantes.

Nessa modificação do gesto de pesquisa que faz com que se reformule o conceito de teoria – “ela deixa de ser conjunto coerente de hipóteses, para passar a ser estratégia de vida”, a distância entre os objetos e entre os sujeitos passa a ter que ser medida não apenas segundo medidas neutras, como o metro ou o polegar (embora pudéssemos questionar a neutralidade do polegar do rei como medida espacial), mas teria que levar em conta também as dimensões proxêmicas de que trata Edward Hall, quer dizer, teria que levar em conta os interesses, a situação e a significação dos outros. Flusser (2014, p.56) acaba advogando, assim, por uma crescente intersubjetividade da pesquisa:

Trata-se de pesquisa que visa modificar a circunstância para torná-la mais de acordo com as necessidades, desejos e sonhos dos que nela se encontram. Por certo: as técnicas elaboradas pela pesquisa burguesa não serão abandonadas. Mas ao serem “intersubjetivadas”, isto é: politizadas e estetizadas, adquirirão caráter diferente. Em suma: a aplicação da pesquisa que está começando a articular-se não visa, como o faz a pesquisa moderna, crescente poder sobre o mundo objetivo, mas crescente liberdade dos que estão no mundo. Em suma: por todas estas características, e por numerosas outras não mencionadas e ainda mais discerníveis, o gesto de pesquisar volta a ser gesto humano (FLUSSER, 2014, p.56)

Estranha a conclusão do argumento, a que considera que esta nova pesquisa intersubjetiva, que, portanto, levaria a uma maior liberdade, seria a volta a um gesto humano na pesquisa. Estranho porque parece dizer que a pesquisa se torna mais humana – e, portanto, mais livre –, na medida em que deixa para trás os sonhos modernos, humanos, burgueses de se tornar deus.

Duas noções de humanidades – a do humano que se rivaliza com deus, a do para-além-do-humano por demais humano – que são colocadas uma contra a outra aqui. Sair do humano é uma volta ao humano, talvez a outros humanos, o labirinto do humano não é tão facilmente transponível assim, Flusser poderia alertar à Donna Haraway.

Se nunca fomos humanos, se somos uma espécie de holobionte – ente repleto de vida –, se fazemos nós, se estabelecemos relações de simpoiésis, de fazer-com, de se tornar-com (e não apenas ser-com), é porque “permanecemos com o problema”, permanecemos, poderíamos dizer, humanos, por demais humanos. Nada, talvez, mais nietzschiano.

Pois Übermensch pode querer dizer super-homem ou além-do-homem, do humano, mas talvez pudesse também significar, literalmente, sobre-homem, sobre o humano; humano, demasiadamente humano, ou ainda, se quisermos: sobre o problema, ficando no problema, permanecendo sobre o problema. Sendo problemas-humanos é que podemos fazer-com, fazer nós, espécies companheiras, como os cachorros, e não mimetizando uma estranha relação de pai ou mãe desses cachorros.

A filosofia da imanência não aponta para isso, o menor não seria essa dimensão demasiadamente humana contraposta a essa outra dimensão humana de querer iluminar a tudo? Não seria esse novo gesto de pesquisar um gesto de uma pesquisa de vagalumes? Uma pesquisa que ao mesmo tempo agencia sujeito e objeto em uma dança, e que é interessada, imanente, situada e material, se quisermos falar com Deleuze e Haraway, que faz-com e se torna-com1, criando o que Flusser à husserliana chama de intersubjetividade, uma espécie de humanismo às avessas a partir do qual, como percebe Haraway, talvez fosse mais produtivo pensar sem colocar o humano no centro das preocupações, bem como seria preciso então refinar a respeito de qual humano estamos falando. Não às avessas como uma contraparte do mesmo humanismo, mas às avessas no sentido de um humanismo levado até seus limites de funcionamento, que acaba funcionando contra seu funcionamento normal ou esperado, contra as suas determinações e funcionamentos perniciosos. Uma espécie talvez de humanismo menor, imanente, que antropomorfiza, é verdade, talvez, mas no sentido de uma responsabilização e politização de tudo.

 

///

Aqui opero um corte, um novo corte.

SERÁ PRECISO RECOMEÇAR AINDA UMA VEZ, circunvolvendo a possibilidade de um ensaio que avançasse, que não estivesse sempre às voltas com o ponto de início, que não levasse sempre a impasses, cujo começo não fosse sempre um media res e os meios, começos.

Se Gestos é o último livro publicado por Flusser (2014) já no início da última década do século passado, pouco antes de sofrer o fatal acidente em Praga, não se deve perder de vista que ele esteve em meio a uma teoria dos gestos desde, provavelmente, a década de 1970, quando se exilava na Europa após seu período em terras brasileiras. Vale ressaltar que foi muito antes, portanto, de Agamben começar a desenvolver suas reflexões políticas tendo os gestos como seu eixo central. Além disso, suas reflexões sobre os gestos seguem concomitantes com as reflexões sobre a técnica e a comunicação, como um braço ou mídia possível sobre como pensar o mesmo segundo outra constelação de conceitos – outra mídia, linguagem ou plataforma do pensamento – daquilo pelo que ficou mais famoso. Sabemos disso porque, entre outros motivos, em 1974, Flusser gravou um vídeo com Fred Forest em que, falando sobre a ideia de uma teoria geral dos gestos, faz gestos para uma câmera que responde os gestos (VILÉM, 1973). Tal resposta gestual do aparelho faz com que Flusser por sua vez responda aos gestos da câmera que responderam aos seus gestos, em uma dança infinita ou em um devir-câmera de Flusser e um devir-Flusser da câmera. Estando a teoria dos gestos relacionada intimamente com sua teoria da comunicação, fica sempre aquém ou além das ciências tradicionais e suas explicações, estranhamente relacionada com a liberdade e com o ritual, realizando, assim, uma conexão íntima e estranha entre religião e ciência.

É interessante observar ainda como Flusser insere sua “teoria geral dos gestos” no interior de um estudo fenomenológico a husserliana, embora o próprio Husserl, segundo Iris Därmann (2005), nunca foi capaz de levar a cabo seu projeto de uma Fremderfahrung, de uma experiência do estrangeiro e do estranho, do Outro. Flusser, em certa medida, em seu devir menor e, até poderia ser dito, mais simples da fenomenologia, parece ser capaz de levá-la até lá, talvez não no sentido de uma indianização da filosofia europeia, como gostaria Därmann, mas ao menos, no interior da “própria” língua-filosofia, digamos assim, operando um deslocamento desde dentro, desde Praga, como Kafka, mas também desde São Paulo, que se abre aos outros do europeu, como o marciano e o vampyrotheutis.

 

///

MAS TALVEZ SERIA POSSÍVEL TAMBÉM UM RECOMEÇO QUE partisse dali onde o ponto antes do último parou, em uma possível ativação de outra relação a princípio sutil, ou talvez nem tão sutil assim, mas que aos poucos poderia se tornar bastante sutil, porque gradualmente seria possível perceber essa relação, essa ligação, como nem tão óbvia. Seria possível então tentar ativar a relação entre desejo e gesto, quem sabe também a relação disso com os vagalumes, com os levantes e com a política. Seria então uma espécie de tentativa de fazer parente entre vagalumes, lulas infernais, humanos, e aranhas chthulu, uma tentativa de fazer parênteses parentes, de tornar parentes parênteses, isto é, sonhos ao contrário, que associasse sonhos, e também filosofias menores, ou, agora, filosofias vaga-lumes, nós (em seu duplo sentido), filosofias da fuga, filosofias em fuga, mas também fugidias, sonhar o contrário ou parênteses vagalumes. Vagalumes, como se sabe, contrapõem sua iluminação sutil ao sol, aos holofotes, mas também às estrelas.

“Para sublevar o mundo, são necessários gestos, desejos, profundezas” afirma Didi-Huberman (2017, p.299) em “Através dos desejos”, se contrapondo, em parênteses, à visão que considera por demais apocalíptica de Agamben de que teríamos perdido nossa “experiência” ou “desejos inconscientes”: “O fato [apontado por Agamben] de não dominarmos nossos gestos completamente é um sinal de [que] não os perdemos (ou que eles nos abandonaram). Os gestos são transmitidos, os gestos sobrevivem apesar de nós e apesar de tudo. Eles são nossos próprios fósseis vivos”.

Exemplo disso seriam os gestos típicos do levante, em que levantamos um punho fechado acima da cabeça. Didi-Huberman (2017, p. 302) escreve: “Em nossos sonhos, nossos braços se levantam quando nossas emoções se povoam e se tornam insurgentes.”. Os gestos dos levantes, a sublevação que pode ser de uma criança, de um bebê, mas também pode ser de anarquistas ou dos panteras negras, passa, para Didi-Huberman (2017, p.309), por um arroubo de desejo. São gestos de transgressão, os levantes têm um caráter destrutivo que busca desobstruir, encontrar aberturas, diz, citando Walter Benjamin, está-se sempre sobre encruzilhadas:

É exatamente por essa razão que ele vê caminhos por toda parte. Lá onde outros se deparam com muros ou montanhas, ele ainda enxerga um caminho. Mas, como enxerga esses caminhos por toda parte, por toda parte ele precisa sempre desobstruí-los. Nunca pela força bruta, por vezes por uma força mais nobre. Ao enxergar caminhos por toda parte, ele mesmo se encontra sempre entre as encruzilhadas dos caminhos (DIDI-HUBERMAN, 2017, p.309).

Esse caráter de abertura do gesto destrutivo dos levantes faz com que se rompa a previsibilidade da história, suas regras. É relacionando a frase “humano, demasiadamente humano” de Nietzsche a uma ideia de Freud da indestrutibilidade da potência psíquica, ou seja, da indestrutibilidade do desejo, que Didi-Huberman (2017, pp.311-313), na seção “Potência contra o poder, ou o ato do desejo” abre um dos poucos parênteses de seu texto. Vale citar a passagem toda:

retomemos imediatamente a expressão “humano, demasiado humano” na qual, na conclusão de seu A interpretação dos sonhos, Freud teria enunciado algo essencial sobre a indestrutibilidade da potência psíquica como tal, ou seja, o desejo:

O sonho nos conduz para o futuro (in die Zukunft), isso porque nos representa nossos desejos como já realizados (einem Wunsch als erfüllt vorstellt); mas esse futuro, presente (gegenwärtig) para quem sonha, é modelado pelo desejo indestrutível (durch den unzerstörbaren Wunsch), à imagem do passado (zum Ebenbild jener Vergangenheit gestaltet).

Não se poderia dizer do protagonista de um levante o que Freud diz aqui sobre quem sonha? (E não sorria diante da pouca consistência que se pressupõe em tudo isso: Freud não nos ensinou como a potência de nossos sonhos nos “subleva profundamente” e, sem que percebamos, deixa nossa realidade mais ativa e mais concreta?). Não se poderia afirmar que o levante nos “conduz” ao futuro, isso pela própria potência dos desejos que ele realiza, sabendo também que, para o protagonista do levante, esse futuro que se tornou “presente” é ele próprio modelado pela dynamis do “desejo indestrutível” à imagem de algum passado? Pela experiência clínica do desejo inconsciente ou pelas leituras filosóficas de Espinosa e de Nietzsche, Freud observou no sonho e no sintoma que a dynamis psíquica faz desses processos completamente diferentes – novos, nativos, inesperados, imprevisíveis – e repetitivos, isso porque são movidos ao bel-prazer do “eterno retorno” de nossos desejos mais fundamentais. Não seria de surpreender que Gilles Deleuze – a partir de Freud e com o objetivo de ir mais longe – também tenha construído seu pensamento sobre diferença e repetição a partir de suas leituras de Nietzsche e de Espinosa (DIDI-HUBERMAN, 2017, pp.311-313).

Neste parênteses, Didi-Huberman insere uma interrogação que ao mesmo tempo prolonga e justifica a interrogação anterior que vem antes dos parênteses. Imaginando um sorriso talvez de desdém de quem o ouve (ou lê), acrescenta um parênteses endereçado para seu interlocutor, com medo de que este o ache raso, demasiadamente raso, superficial, pouco consistente. Os parênteses tentam proteger talvez em um pesadelo em que alguém lhe apontasse isso, mas acabam evidenciando um medo talvez por demais comum no ambiente acadêmico e universitário. Seu argumento é reforçar a autoridade: veja, é o próprio Freud quem nos ensinou algo, isso que vocês podem endereçar ou atribuir a mim, atribuímos a ele. Essa atribuição de autoridade, que pode lembrar um procedimento kafkiano – a responsabilidade está sempre em outro departamento, em outra autoridade responsável por –, funciona por um lado eximindo a responsabilidade de tal superficialidade, por outro, sugere que talvez tal associação de ideias não seja tão superficial assim, já que foi Freud quem fez pela primeira vez. Então talvez a minha ideia, diria Didi-Huberman, tem seu valor, não estou tão distante assim de Freud. Já a afirmação conclusiva em forma de questão fora dos parênteses visava apontar um convencimento nem tanto peremptório, mas sim possibilidades talvez nem tão geniais ou necessárias, entre suas reflexões sobre o levante e as reflexões de Freud sobre o sonho, entre o sonho e o levante, entre o sujeito do sonho e o do levante, entre o aspecto de novidade que cada sonho e levante tem e também quanto ao caráter repetitivo dessas novidades. Há algo disso nesses parênteses, de sonho, de adiantamento de um futuro possível contra o qual Didi-Huberman levanta sua voz, levanta parênteses para se defender dessa exigência (que talvez seja dele mesmo enquanto um outro de si). Trata-se de uma exigência de pensar de modo sempre consistente e novo, o que poderia nos levar a pensar sobre a relação entre a diferença e a repetição nesse mesmo texto.

Aqui, a volta a Deleuze pode ser que encerre um ciclo. Haveria talvez uma conjunção de nós, uma assembleia de parentes e de parênteses, diferenças e repetições que seguem iguais se modificando, se modificam para se repetirem, projetos levantes, projetos menores, levantes menores, vagalumes, cogumelos.

Bibliografia

DÄRMANN, Iris. Fremde Monde der Vernunft: die ethnologische Provokation der Philosophie. Munique: Fink Verlag, 2005.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Kafka: por uma literatura menor. Tradução de Cíntia Vieira da Silva. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2014.

DERRIDA, Jacques. A Universidade sem condição. Tradução E. Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.

DIDI-HUBERMAN, Georges. Através dos desejos. In: DIDI-HUBERMAN, Georges (org.), Levantes. São Paulo: Edições Sesc, 2017.

ENCONTROS no fim do mundo. Título original: Encounters at the End of the World. Diretor: Werner Herzog. Roteiro: Werner Herzog. Intérprete: Werner Herzog. EUA: Discovery Films, 2007. (99 min).

FLUSSER, Vilém. “Esperando por Kafka”. In: FLUSSER, Vilém. Da religiosidade. São Paulo Escrituras Editora, 2002.

______________. Bodenlos: uma autobiografia filosófica. São Paulo: Annablume, 2007.

______________. Fred Forest ou a destruição dos pontos de vista estabelecidos. ARS (São Paulo), São Paulo, v. 7, n. 13, p. 172-179, June 2009. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202009000100012&lng=en&nrm=iso>.

______________. Gestos. São Paulo: Annablume, 2014.

FOREST, Fred (1973). Vilém Flusser e Fred Forest. “Vidéo et Phénoménologie”. Os Gestos do Professor [vídeo]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qhFH7_cUgFc . Acessado em 20 de janeiro de 2019.

HARAWAY, Donna J. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 7-41, jan. 2009. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773>. Acesso em: 12 dez. 2018.

______________. Staying with the Trouble: making kin in the Chthulucene. Durham e Londres: Duke University Press, 2016.

LATOUR, Bruno. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. Bauru: EDUSC, 2002.

______________. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 3ª Edição. São Paulo: Editora 34, 2013.

PINHEIRO DIAS, Jamille, VANZOLINI, Marina, SZTUTMAN, Renato, MARRAS, Stelio, BORBA, Maria, & SCHAVELZON, Salvador. Uma ciência triste é aquela em que não se dança. Conversações com Isabelle Stengers. Revista De Antropologia, v. 59, n. 2, p. 155-186, 2016.

RIÚS, Marisa B.; DE LA POLA, Rían L. (orgs). Pedagogías em espiral: experiencias y prácticas. Cidade do México, Universidad Nacional Autónoma de México, 2012.

SPIVAK, Gayatri C. Pode o subalterno falar?. Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa, André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Belo Horizonte: Chão de Feira, 2017.

______________. A proposição cosmopolítica. Revista Do Instituto De Estudos Brasileiros, n. 69, 2018.

TSING, Anna L. The Mushroom at the End of the World: On the Possibility of Life in Capitalist Ruins. Princeton: Princeton University Press, 2015.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2002.

______________. Metafísicas canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. Tradução de Isabela Sanches. São Paulo: Cosac Naify: n-1 edições, 2015.

WAITING for B. Diretor: Paulo César Toledo e Abigail Spindel. Roteiro: Abigail Spindel. São Paulo: Vitrine Filmes, 2017. (71min).

 

Recebido em: 28/02/2019

Aceito em: 28/03/2019


[1] Graduado (2013) e licenciado (2014) em Filosofia e mestre (2017) em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP. Atualmente, desenvolve pesquisa de doutorado no programa de Teoria e História Literária da UNICAMP, fomentada pela Fapesp (2017/ 27004-7) e pelo DAAD e orientada pelo Prof. Dr. Márcio Seligmann-Silva. E-mail: gsphilipson@gmail.com

 

Fazer parênt(es)es ou esperas: os gestos de Flusser

 

RESUMO: Trata-se de realizar uma análise ensaística não sobre Os gestos de Flusser, mas a partir dessa obra. Ela figura como pano de fundo de uma reflexão que parte dela, mas não necessariamente a explica ou a rumina. O escopo da investigação consiste em promover uma reflexão crítico-analítica que leve em conta forma e conteúdo, que aproxime dispositivos formais de distintas mídias como a escrita, o vídeo e a fala, guardando as especificidades de cada uma, assim como que promova uma rede de conexões entre autores teóricos por meio de aproximações e pontes – fazer-com, fazer parentes. Essa investigação será realizada por meio do acompanhamento da sugestão de uma teoria geral dos gestos que se desenrola no horizonte de uma reestruturação pedagógica e científica da universidade e que se exprime como resposta ética-política perante os potenciais inerentes à técnica como resistência à lógica dos códigos e programas no capitaloceno e chthuluceno. A hipótese levantada aqui é a sugestão de que haveria, subjacente aos escritos analisados – subjacente aos seus estilos, aos seus gestos, aos seus parênteses –, uma estranha atitude (ou gesto) política desejante de resistência equívoca entre enfrentamento e fuga, entre espera e encontro, consonante aos desafios e impasses do contemporâneo.

PALAVRAS-CHAVE: Gestos. Fazer parente. Espera.


Making Kin and Parenthesis or Waitings and Expectings: Flusser’s Gestures

 

ABSTRACT: This is an essayist analysis not about Flusser’s Gestures, but from this work. Gestures appears as background of a reflection that sets off from it, but that not necessarily explains or ruminates it. The aim of this investigation consists of advancing a critic-analytic reflection that considers form and matter, that brings closer formalist apparatuses such as writing, video and speech, aware of its differences. The aim is as well to advance a network of connections between theoretic authors by bringing them closer to each other, by making kin and making-with them, Flusser and the author of the essay. By undertaking the suggestion of a general theory of gestures that restructures pedagogically and scientifically the university, this essay attempts to develop an ethical-political response of resistance to the logic of codes and programs in the face of the inherent potentials of technique in capitalocene and chthulucene. The hypothesis here is that, underlying their stiles, gestures and parenthesis, there could be a strange political, desiring, attitude or gesture of equivocal resistance between confrontation and escape, between waiting and encountering, in line with contemporary challenges and impasses.

KEYWORDS: Gestures. Making kin. Waitings and expectings.

 


BAIXAR O ENSAIO EM PDF

PHILIPSON, Gabriel S. Fazer parênt(es) ou esperas: os gestos Flusser. ClimaCom – Fabulações Miceliais [Online], Campinas, ano 6,  n. 14,  abr.  2019 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=10807