A arte de viver no Antropoceno: um olhar etnográfico sobre cogumelos e capitalismo na obra de Anna Tsing


Thiago Mota Cardoso[1]

 

Highway E45

“As ruínas serão nossos jardins” (TSING, 2014)

 

Retirei o nosso veículo Renault, tipo perua, no pátio do campus do Departamento de Cultura e Sociedade em Moesgård, da Aarhus University. Era uma tarde fria e acinzentada – muito comum nessa cidade de origem Viking situada no norte da Dinamarca e que dava nome a universidade e a baía em que se situava – que apontava para os primevos dias de uma primavera tão desejada após um inverno rigoroso e chuvoso. No porta malas estava todo o equipamento organizado no dia anterior, com o necessário para um campo de três dias no centro da Jutlândia: caixas com trenas, microscópios, pequenas pás, sacolas plásticas, instrumentos para coleta de amostras, guias de identificação de cogumelos da região escandinava e, todo tipo de itens para fazermos nossas refeições.

Pouco depois chegam as minhas companheiras e organizadoras da expedição, a antropóloga Anna Tsing e a artista e antropóloga Elaine Gan. Anna, minha supervisora no intercâmbio de doutorado no exterior, motivo de minha presença, era docente do Departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia Santa Cruz e estava na Dinamarca como Niels Bohr Professor, liderando um projeto de larga escala, o Aarhus University Research on the Anthropocene (AURA project – Living in the Anthropocene), que juntava gentes da antropologia, science studies, biologia e filosofia de diversas partes do mundo para tratar colaborativamente da “arte de viver no Antropoceno” ou, mais especificamente, em descortinar o potencial do design não intencional em paisagens antropogênicas. Elaine, ali estava como pesquisadora, orientanda de doutorado de Anna e como Arts Coordinator do projeto. Ambas seriam nossas guias, por uma Jutlândia inóspita à forasteiros made in America engajados numa pesquisa voltada para compreender a relação entre fungos e árvores numa paisagem industrial devastada.

Após os últimos ajustes no veículo, como forasteiro que éramos, inseri no GPS do veículo o nosso destino: Søby Brunkulslejerne. E assim seguimos nosso caminho pelas ruas de Aarhus até entrar na Ostjyske Motorvej, a highway E45, em uma viagem na qual assumia o papel de pesquisador visitante e de piloto da Renault numa expedição que mais se assemelhava às minhas atividades de campo junto aos meus colegas biólogos no Brasil. Pelo menos, essa era minha impressão inicial diante de tantos equipamentos que nada ofertavam uma imagem de um canônico “estar lá” da antropologia. Não há dúvidas que os equipamentos já nos denunciaria como verdadeiros cientistas naturais e, para aumentar minha estranheza, não haveria, até onde sabia, e o que me foi confirmado rapidamente, os nossos notórios interlocutores humanos, o típico “nativo” modernista da Jutlândia Central, a não ser pelo encontro que teríamos já em Søby Brunkulslejerne com outro pesquisador forasteiro, Henning Knudsen, micologista da Universidade de Copenhague.

Em minha bagagem: estranhamento, dúvidas, incertezas e muita curiosidade. Até então não tinha capturado as ideias de se trabalhar antropologicamente com outras vidas não humanas, como fungos, levando-os a sério como interlocutores, projeto um tanto inconcebível tanto para meu background biológico, como para o antropológico, essas duas culturas (SNOW, 1995) que se esforçam para se manter bem apartadas e em extrair a vida e a agencialidade de outros seres que não os humanos. Até então já tinha navegado criticamente por entre esse grande divisor por meio da etnoecologia, da etnologia indígena, ou tateando a virada ontológica e os escritos de Tim Ingold, que, nesse último caso, influenciava meu atual projeto de pesquisa com suas noções de conhecimento, movimento e habilidades e suas críticas às noções de paisagem e espaço para compreensão da vida humana (INGOLD, 2015). O que estava se propondo ali, por Anna, era ir direto ao assunto, sem intermediários, sem rodeios, sem porta vozes humanos e sem tradutores, algo como um etnoecologia reversa, um olhar sensível para vidas de não humanos para poder perceber suas práticas e efeitos nas vidas de seus outros: uma confabulação micelial.

Em uma hora e meia de viagem pela highway interagi pouco com minhas companheiras, mantendo certo silêncio um tanto devido a minha timidez, um tantinho ao meu inglês ainda deficiente, mas muito mais pela atenção dada ao caminho e a meus devaneios. A forma da paisagem dinamarquesa era de uma planície sem fim, entrecortada por propriedades pequenas, com muitas plantações de batata e canola, entrecortada por poucas manchas de floresta modificada e manejada, predominando pinheiros de diversos tipos. Não havia como não notar as fazendas cooperativas de porcos, um símbolo da nacionalidade, sendo muitas proprietárias de torres de energia eólica. Aglomerados de placas solares entre pequenas vilas davam o tom do esforço de produção de uma paisagem moderna domesticada. Pensava em como cheguei ali naquele mundo completamente estranho, diferente, rememorando o momento em que recebi o majestoso livro Friction[2] das mãos de Márnio Teixeira-Pinto, meu orientador, e da leitura de In The Realm of the Diamond Queen[3], ambas majestosas obras etnográficas de Anna que, pelo impacto visceral que me atingiu, me  motivaram na busca em tê-la como coorientadora. Em ambos os livros Anna já impunha seu estilo de narrativa etnográfica temperada com todo arsenal do pós-modernismo norte-americano com sua verve crítica pós-colonial, feminista e ecopolítica e, para além, já apontando para os conceitos que a levaram a desenvolver, junto a tantos outros antropólogos e antropólogos, o que viria a ser uma antropologia relacionalista e materialista, batizada posteriormente como “etnografia multiespécie” (KIRKSEY; HELMREICH, 2010; HARAWAY, 2013).

Para autores como Eduardo Kohn, o projeto multiespécie na antropologia, com forte influência de Donna Haraway, é profundamente ontológico, compondo com a chamada “ontologial turn”, pois insiste em incluir outros seres em seus relatos antropológicos com a “esperança de imaginar e encenar uma ética e política que possam abrir espaço para esses outros seres” (KOHN, 2015, p. 316, tradução nossa). Creio que o mesmo seja pensado a partir de Eduardo Viveiros de Castro (2019). Viveiros de Castro propôs os contornos de uma noção de “anarquismo ontológico”, como modo apropriado de existência do Antropoceno. O anarquismo ontológico seria, então, segundo Viveiros de Castro a tradução político-filosófica da estrutura e função simbiogênica e simpoiética da vida em sua absoluta imanência material (citando Donna Haraway); incluindo também o reconhecimento pós-capitalista da agência da “vida não-orgânica” (citando Gilles Deleuze). Anarquismo ontológico, pluralismo ontológico: creio que seja um caminho interessante para pensarmos as contribuições das chamadas etnografias multiespecies para o Antropoceno.

Fricção, colaboração, assemblage, margens, contaminação, distúrbio, manchas, irregularidades, hibridismo, liberdade, escalabillidade, indeterminação, história e contingência: termos-chave de um projeto acadêmico, que viria redundar numa engajamento etnográfico colaborativo, multissituado e internacionalista voltado para seguir as linhas de vida de um fungo – o Matsutake – e suas gentes, desde suas paisagens modificadas em Oregon (EUA), Japão, Finlândia e China, aos fluxos dos circuitos globais de mercadorias, o Matsutake Worlds Research Group: uma WebSpace para história de coletores de cogumelos Matsutake, cientistas, comerciantes e manejadores de florestas. Foi ali naquele momento que fiquei ciente de que em breve, naquele mesmo ano, seria publicado por Tsing o livro objeto deste ensaio/resenha, o The Mushroom at the end of the World – on the posibility of life in capitalist ruins, pela Princeton University Press.

Após mais de duas horas de viagem, um atraso motivado por inúmeros erros de caminho onde nos perdemos na complexa rede viária interiorana, adentramos na região central da Jutlândia e chegamos nessa parte industrial ou pós-industrial da Dinamarca, onde realizaríamos o campo. Já próximo ao nosso destino uma placa na beira da estrada indicava o perigo de se trafegar nas margens de lignita, um carvão marrom acastanhado mostrando traços da estrutura vegetal, algo intermediário entre carvão betuminoso e turfa. Seguimos ao Bed and Breakfest, nossa hospedaria, por entre florestas de pinheiros que cresciam com fungos simbióticos e eram manejadas pelos proprietários, plantios de batata e, por sorte, avistamos o movimento de um grupo de veados vermelhos (red deer), que recolonizavam aquelas paisagens do pós-Segunda Guerra Mundial. Estavam ali todos os personagens desta história.

 

Perseguindo cogumelos

 

Ela viaja pelo mundo em busca de cogumelos matsutake e as pessoas que buscam por eles nas florestas de Oregon, Yunnan, Lapônia e Japão, onde eles se tornaram “os cogumelos mais valiosos do mundo”, valorizados como guloseimas e presentes exclusivos. Dizem que depois Hiroshima foi obliterado por uma bomba atômica, “o primeiro ser vivo a emergir da paisagem destruída era um cogumelo de matsutake” (The Guardian)[4].

Me propus a escrever uma resenha do The Mushroom at the end of the World. Como sabemos toda resenha é um gênero que se propõe a construção de relações entre as propriedades de uma obra analisada, descrevendo-a e enumerando aspectos considerados relevantes, conceitos centrais e pontos críticos. Em suma, uma abordagem crítica de uma obra literária ou acadêmica em que comentários de origem pessoal e julgamentos do resenhador são benvindos contanto que sejam devidamente controlados. Porém me propus tecer essa resenha subvertendo este gênero ao incorporar uma narrativa que mais se aproxima a um ensaio livre, diria até um ensaio etnográfico de uma prática científica inspirada por uma experiência de viagem de campo, onde a autora da própria obra que usei como lente, era partícipe da jornada a ser relatada: a construção de mundos em paisagens concretas.

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Figura 1 – Cogumelo em Søby Brunkulslejerne

Confabulações miceliais é o nome que dou a essa atividade em homenagem ao título do presente dossiê: o tecer uma história que, afastando suas premissas psiquiátricas duras (confabulação enquanto doença mental), se baseie parcialmente em fatos e é também um produto da imaginação: uma verdade parcial e familiar. Sigo assim os passos da própria autora da obra resenhada, que nos inspira a contar histórias que parta da experiência “to make any concept come to life” (TSING, 2015, p. 66), com a esperança que os leitores “vão experimentar alguma dessas ‘mushroom fever’ comigo nos capítulos do porvir” (TSING, 2015, p. 75, tradução nossa). O livro The Mushroom at the end of the World será então um guia, um relato de manchas experimentais que nos faz ver melhor, ou ver de outro jeito, a arte de viver com e de perceber mundos em ebulição num capitalismo incompleto: a arte de perceber (art of noticing).

O que estávamos prestes a fazer ali numa paisagem pós-industrial dinamarquesa, em Søby Brunkulslejerne? Para melhor compreendermos essa expedição científica inesperada, basta seguirmos a proposta do livro, publicado meses depois desta experiência. Uma resposta inicial poderia ser “perseguir cogumelos”, algo que micólogos já fazem em seu cotidiano. Além de histórias de aromas, sabores, alergias, lisergias e contaminações ferozes, que histórias a mais nos ofertam os fungos, esses fazedores-de-mundos incríveis que transpõem membranas materiais e arrombam conceitos pré-estabelecidos como o de espécie e a divisão moderna entre vida e não vida, mundo animal e vegetal. Para Anna Tsing, trabalhar com os fungos pode nos levar ao cruzamento da linha entre as ciências naturais e estudos culturais, não apenas através da crítica mas também através do conhecimento construtor-de-mundos: uma multiespécie storytelling como um dos seus produtos. O livro nos brinda com suas jornadas entre cogumelos, árvores e pessoas para explorar indeterminações e as condições de precariedade, que é a vida sem a promessa de estabilidade no capitalismo:

[…] a vida incontrolável dos fungos é uma dádiva – e um guia- onde o mundo que pensamos controlado falhou. Matsutake pode nos catapultar em uma curiosidade que parece-me ser o primeiro requerimento da sobrevivência colaborativa em tempos precários (TSING, 2015, p. 2, tradução nossa).

Fungos não são seres sem mundo ou com mundo empobrecido, mas são fazedores-de-mundos em suas histórias entrelaçadas, e quem já viu ou leu sobre as contaminações fúngicas nas plantations históricas sabe do que estou falando (não se esqueçam da grande fome na Irlanda e do arruinamento dos seringais da Fordlândia). Seus tecidos miceliais contribuem, nas palavras de Tsing, para se contrapor ao iluminismo, a uma filosofia que afirma que a natureza é imponente e universal, mas ao mesmo tempo passiva e mecânica, fonte de recursos para a intencionalidade moral do Homem, no qual a dominava. Diante da arrogância do imponente Homem de pés de barro, Tsing propõe nos aliarmos com os contadores de histórias “não ocidentais” contra estatais e contra modernos para sempre lembrarmos das atividades de todos os seres, humanos ou não.

Muitas coisas contribuíram para minar tal divisão do trabalho, entre natureza e cultura e entre ciências. A domesticação e domínio da natureza foi posto à prova pela crise ecológica e incertezas do porvir, em segundo lugar os emaranhados interespecíficos que eram vistos como material de fabulações primitivas passou a ser levada a sério nas discussões entre biólogos e ecólogos, que mostraram a impossibilidade de se pensar a vida sem a interação entre os viventes […] E por fim, a turbulenta presença de mulheres e homens críticos que passaram a levantar os dedos em riste e questionar que o clamor da masculinidade cristã do Homem, que separa Homem da Natureza estava minado, e se não condenado a um final não tão honroso (TSING, 2015, p. VII, tradução nossa).

Sem Man and Nature, todas as criaturas podem voltar a ter vida. Tsing segue os cogumelos oferecendo estas histórias em capítulos que se abrem para assembleias em aberto, intentos de explorar contingências dos cogumelos que explodem após as chuvas. O livro oferece uma “terceira natureza” (TSING, 2015, p. viii, tradução nossa), que rompa com a divisão que aponta para uma primeira natureza em um primeiro plano, o das relações ecológicas e a segunda, a da transformação capitalista da natureza, a ação do Homem. A “terceira natureza” aponta para a emergência de uma temporalidade polifônica, sem direcionalidade única, como partículas virtuais em um campo quântico: interações indeterminadas e contingentes na história, ecologia e economia entrelaçadas, capitalismo e distúrbio nas paisagens, sem mais. Aqui chegamos num ponto de compreender um pouco mais o que iríamos fazer nas paisagens de Søby, as pistas metodológicas expressas na própria organização do The Mushroom.

O livro se organiza em vinte capítulos distribuídos em quatro partes, sendo os dois do meio os centrais do ponto de vista etnográfico e ambos se dividem em falar “sobre o comércio” e “sobre ecologia”. Embora a autora se recuse a reduzir a economia ou a ecologia à outra, para ela haveria uma conexão entre economia e ambiente que parece importante apresentar de antemão: a história da concentração humana de riqueza através da produção de seres humanos e não-humanos em recursos para investimento. Segue daí as seguintes questões e argumentos. Como o capitalismo pode parecer sem assumir a ideia de progresso? Pode parecer irregular sendo a concentração de riqueza possível porque o valor produzido em remendos não planejados é apropriado para o capital? O capitalismo é tudo menos a racionalidade controlável e universal em que se autocongratula. Sobre ecologia: novos desenvolvimentos tornam possível pensar de forma bastante diferente, introduzindo interações interespécies e histórias de perturbação nas paisagens. Neste tempo de expectativas inflamadas, Anna procura por ecologias menores, baseadas em perturbações, nas quais muitas espécies às vezes convivem sem harmonia ou conquista (TSING, 2015, p. 5). Siga a convivência!

Confabule com os micélios. Mundos que emergem com os fungos e seus companheiros são manchas diferenciais materialmente visíveis, são marcas de linhas de vida de humanos e outros seres: em outras palavras, paisagem. Contar histórias sobre paisagens no Antropoceno irregular nos faria sair da sonolência de que não estamos aprendendo nada de novo como resultado da infeliz construção de um muro que separa as humanidades das ciências ditas duras. Como antídoto ao muro e seus aparatos intelectuais e suas domesticações que drenam sensibilidades Anna desafia a nós, os seus leitores, “a perceber conceitos e métodos dentro das histórias da paisagem” (TSING, 2015, p. 159, tradução nossa). Paisagens são protagonista de nossas histórias, diria Anna, seguindo aqui de mãos dadas com o escritor (e também antropólogo) Amitav Gosh quando este descreveu as forças vivas nos mangues dos Sunderbans na India, em Maré Voraz[5]. Paisagens perturbadas pelo homem são espaços ideais para a observação humanista e naturalista. Para Tsing, precisamos conhecer as histórias que os humanos fizeram nesses lugares e as histórias de participantes não humanos.

Contar histórias de paisagem requer conhecer os habitantes da paisagem, humanos e não humanos. Isso não é fácil, e faz sentido para mim usar todas as práticas de aprendizado nas quais posso pensar, incluindo nossas formas combinadas de atenção plena, mitos e contos, práticas de sustento, arquivos, relatórios científicos e experimentos. Mas essa confusão cria suspeitas – particularmente, de fato, com os aliados que eu almejei para alcançar os antropólogos com criações alternativas do mundo. Para muitos antropólogos culturais, a ciência é melhor vista como um espantalho contra o qual se deve explorar alternativas, como as práticas indígenas. Misturar formas científicas e vernaculares de evidências convida a acusações de se curvar à ciência. No entanto, isso pressupõe uma ciência monolítica que digere todas as práticas em uma única agenda. Em vez disso, ofereço histórias construídas por meio de práticas em camadas e díspares de conhecer e ser. Se os componentes colidirem um com o outro, isso apenas aumentará o que essas histórias podem fazer. No coração das práticas que defendo estão as artes da etnografia e da história natural. A nova aliança que proponho baseia-se em compromissos com a observação e o trabalho de campo – e o que chamo de arte de perceber (TSING, 2015, p. 159, tradução nossa).

Histórias sobre paisagens devastadas, distúrbios de onde emergem vidas entrelaçadas a outras vidas em suas precariedades, fugindo do controle humano foi o que Tsing aprendeu com seus interlocutores em Satoyama, no Japão, seus “professores excepcionais”, que revitalizaram sua compreensão de como a perturbação poderia iniciar uma história da vida da floresta. Precariedade é uma palavra-chave e o capitalismo eleva a precarização de mundos humanos e não humanos a quinta potência. Todavia, viver com e na precariedade exige mais do que censurar quem nos colocou aqui: “Podemos olhar em volta para perceber esse estranho mundo novo e podemos estender nossa imaginação para compreender seus contornos” (TSING, 2015, pp. 3-4, tradução nossa), e é aqui que os cogumelos ajudam. Seguindo a disposição do Matsutake em emergir em paisagens devastadas (TSING, 2014) ou de assemblages[6] de fungos e pinheiros nas paisagens pós-industriais precarizadas da Jutlândia, “podemos explorar a ruína que se tornou nosso lar coletivo” (TSING, 2015, pp.3-4, tradução nossa). Perseguir os cogumelos num fim de tarde nos leva para além das experiências gustativas ou alucinatórias, nos catapulta às possibilidades de coexistência dentro da perturbação ambiental, nos mostra um tipo de sobrevivência colaborativa: viver com, confabulações miceliais:

Em cada caso, eu me vejo cercada de remendos, isto é, um mosaico de montagens abertas de formas de vidas emaranhadas, com cada uma delas se abrindo em um mosaico de ritmos temporais e arcos espaciais. Argumento que apenas uma apreciação da precariedade atual como uma condição terrestre nos permite perceber isso – a situação do nosso mundo. Desde quando a análise autoritária requer pressupostos de crescimento, os especialistas não veem a heterogeneidade de espaço e tempo, mesmo onde isso é óbvio para os participantes e observadores comuns. No entanto, as teorias da heterogeneidade ainda estão em sua infância. Para apreciar a imprevisibilidade irregular associada à nossa condição atual, precisamos reabrir nossa imaginação. O objetivo deste livro é ajudar nesse processo – com cogumelos (TSING, 2015, p. 4-5, tradução nossa).

 

Aroma metálico

Vou andar, e tenho realmente sorte, eu encontrei cogumelos. Cogumelos me puxam de volta para os meus sentidos, não apenas – como flores – através de suas tumultuosas cores e cheiros, mas porque eles surgem inesperadamente, lembrando-me da boa sorte de estar acontecendo aqui. Então eu sei que ainda há prazeres em meio aos terrores da indeterminação (TSING, 2015, p. 1, tradução nossa).

Deixamos o nosso veículo no início de uma pequena trilha. Começamos a andar por entre pinheiros (Pinus contorta) até chegar num descampado onde avistamos uma estrutura montada por um proprietário como local de espera para caça do veado vermelho, algo como um casebre de madeira. Cerca de cem metros um bloco de sal vermelho suspenso e posicionado num local que, ao atrair os veados, os colocavam na mira para um tiro certeiro. Por de trás dos pinheiros podíamos ver um lago cercado por dunas de lama acinzentada. Nosso primeiro local a ser visitado se chamava Three Lakes.

Em nosso primeiro trabalho de campo, quando paramos o carro e começamos a andar nas trilhas, senti meu primeiro estranhamento. Estranhamento não é necessariamente uma situação negativa para a prática antropológica, é o fundamento da disciplina. Para nos colocarmos no encontro com a diferença devemos ser capazes de dialogar e aprender com essa experiência, tornar o estranho familiar, abordar o exercício da tradução e da compreensão crítica e não fugir dela. Todavia, a paisagem era realmente estranha para alguém que, como eu, só tinha trabalhado nas paisagens tropicais e só conhecia as florestas temperadas pelos livros. E em Søby Brunkulslejerne a paisagem não era uma floresta bem temperada como nas fotografias que anteriormente tive acesso nos tempos da escola. Dunas cheias de pedaços de metais e carvão marrom, misturados com árvores exóticas e outras espécies desconhecidas para mim. No chão fezes de veados, junto com manchas de grama indicavam que os caçadores estavam ativos naquela época, indicando uma prática de gestão para a caça. O aroma era metálico.

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Figura 2 – Dunas, pinheiros, águas ácidas e cogumelos nas ruínas de Søby Brunkulslejerne

Direcionamo-nos a um local íngreme numa duna endurecida e instável na beira do lago onde Anna e Elaine já realizavam pesquisas. Os cogumelos, que floresceram no outono do ano anterior não estavam presentes. Direcionamo-nos para alguns pinheiros e começamos a cavar com nossas pequenas pás na busca das raízes infectadas com ectomicorrizas, um fungo simbionte dessas espécies de pinheiros. Pedaços de carvão e de metal saiam junto com a terra. Ali mesmo enquanto Elaine desenhava a arquitetura da paisagem e tirava fotos, Anna retirava alguns filamentos de micorrizas e observava ao olho nu e olhando num pequeno microscópio portátil vocalizava com deslumbramento a cor e forma da micorriza antes de depositar num saco plástico para posterior análise genética e morfológica.

Foi ali acocorados e sujos de lama que Anna me contou a história de como aquela paisagem foi formada, com lagos de acidez extrema oriundos da exploração do carvão, depósitos de resíduos formando dunas composta por areia endurecida, carvão e restos de equipamentos industriais enferrujados, em uma geologia instável que favoreceu  a proliferação do encontro entre o pinheiro exótico e os fungos e sua dispersão dominante. A palavra para isso, segundo Tsing é: alienação. Por meio da alienação, seja pela entrada do carvão do capitalismo europeu em Søby Brunkulslejerne, assim como nas histórias dos circuitos globais  do Matsutake,  pessoas (trabalhadores das minas e coletores de cogumelos) e coisas se tornam ativos móveis, eles podem ser removidos de seu mundo da vida para ser trocados por outros ativos de outros mundos da vida. A alienação bloqueia o entrelaçamento do espaço vital. Para Tsing, o sonho da alienação inspira a modificação da paisagem na qual apenas um ativo independente é importante; tudo o mais se torna ervas daninhas ou desperdício. Quando seu ativo singular não pode mais ser produzido, carvão esgotou, árvores perderam valor ou se extinguiram ou cogumelos não mais aparecem, um lugar pode ser abandonado e o processo se inicia em outro. Assim, a simplificação pela alienação cria espaços abandonados pela produção de ativos: simplesmente ruínas, esse é seu nome. Bastava caminhar pelas dunas, o que fiz, para percebermos as ruínas em nossos pés.

O que aconteceu com a vida na esteira destas ruínas industriais? Nosso campo era uma mina de carvão marrom abandonada no centro da Dinamarca, Søby Brunkulslejer, ou “Søby Brown Coal”. Søby foi o principal local de extração de carvão marrom durante a Segunda Guerra Mundial, fornecendo um terço da produção nacional entre 1940 e 1954, com pico de produção durante a ocupação alemã na Dinamarca. Durante os anos de mineração, capitalistas, trabalhadores manuais, jogadores e foras-da-lei se encontraram nesse centro industrial, criando uma paisagem cultural “danosa”, um “Klondike” dinamarquês (BUBANDT; TSING, 2018). Na década de 1970, o local, já abandonado, de 1.100 hectares havia se transformado em uma série de buracos no solo, cercados pela areia escavada em grandes montes e fileiras, a água, uma vez bombeada, retornou e a estrutura do terreno mudou.  Os buracos foram sendo preenchidos com as águas ácidas dos lençóis freáticos formada pelas argilas expostas da pirita, tornando-se lagos (ver BUBANDT; TSING, 2018). Mathilde Højrup e Heather Anne Swanson (2018) oferecem uma visão importante sobre Søby: o próprio solo se move sob as máquinas. As minas de carvão deixaram uma combinação instável de areia e água subterrânea, em que deslizamentos de terra são comuns e areia movediça engole homens e máquinas. A escavação de carvão trouxe a geologia irrevogavelmente à vida em Søby (BUBANDT; TSING, 2018). Para alguns membros do AURA aquele lugar era uma ruína considerável, um lugar para considerar o que Natalia Brichet, Frida Hastrup e Felix Riede (2017) denominaram de “apocalipse moderado”, ou seja, “o lado mais suave dos terrores do Antropoceno”. Søby é uma mancha do Antropoceno fragmentado (patchy anthropocene) que questiona a própria ideia de Antropoceno como um tempo que marca o efeito global da ação dos Humanos – também visto como um universal homogêneo – na Terra, para propor jogar com o Antropoceno enquanto manchas contingentes dos encontros entre humanos e não humanos.

Søby foi transformado num terreno árido e não cultivado onde só cresciam plantas rasteiras e silvestres, em uma paisagem industrial arruinada de dunas de areia resultante da mineração. A partir de 1958, as empresas de mineração foram solicitadas a depositar fundos para a reabilitação da área e as árvores foram plantadas – primeiro pela Danish Heath Society e, mais tarde, por proprietários privados. Na década de 1970, a Dinamarca participou do esforço de replantio em escala industrial de coníferas exóticas e de crescimento rápido que possuíam silvicultores em grande parte do mundo. Pinheiros escoceses (P. sylvestris, origem Eurasiana) e pinheiro lodgepole (P. contorta, origem americana) foram plantados, muitas vezes em fileiras alternadas. Ambas são espécies pioneiras de crescimento rápido e ambas cresceram bem apesar da areia ácida, mas suas trajetórias rapidamente divergiram. Pinus contorta, se tornou erva daninha e, em proliferação contaminante ocuparam o terreno (GAN; TSING; SULLIVAN, 2018). A disseminação de árvores moldou o habitat, abrindo unwelts para os animais. Quando a cobertura de árvores estava disponível, os veados vermelhos se espalharam por Søby abrindo uma nova economia de fronteira da caça. É bom ressaltar que veados de movimento livre desapareceram no século XVIII na Dinamarca, deixando apenas aqueles em parques cercados e controlados (BUBANDT; TSING, 2018). No entanto, no final do século XX, os fugitivos voltaram para o campo. Num processo de retroalimentação com a economia da caça que permitia que o pinheiro continuasse se proliferando, o que por sua vez encorajou o aumento da população de veados. Seguindo os passos dos veados reaparecem os lobos, depois de mais de dois séculos de seu desaparecimento nos solos do reino da Dinamarca.

Notável percepção de Anna e da equipe do AURA. Ao explorarmos os espaços de abandono, poderíamos nos perguntar sobre a tolerância dos humanos ao empobrecimento biológico e ao envenenamento químico – e, também ficarmos espantados com a vida que não apenas sobreviveu, mas que até floresceu em infraestruturas arruinadas (BUBANDT; TSING, 2018). Mas como cotejar tal realidade com a dos Matsutake. O que os fungos têm a ver com a história de Søby e como conecto com as linhas de vida dos Matsutake que florescem do Oregon ao Japão, por exemplo? Como tecer histórias comuns? Em Søby cogumelos não adentram em circuitos comerciais e nem nas casas para o consumo familiar, são pouco conhecidos por moradores locais que passam muitas vezes despercebidos por eles. Por outro lado, as peculiaridades da história da Søby nos permite focar no diálogo entre planos gestão disciplinados, indeterminação e proliferação de associações entre pinheiros e fungos. Aqui temos outro ponto de conexão para pensar a partir das manchas antropocênicas numa comparação produtiva em conexões parcial (STRATHERN, 2005) por entre feral ecologies: confabulações miceliais, a palavra-chave é weed, erva daninha.

As paisagens globais de hoje estão repletas desse tipo de ruína. Ainda assim, esses lugares podem ser animados apesar dos anúncios de sua morte; campos de ativos abandonados às vezes geram novas vidas multiespécies e multiculturais. Em um estado global de precariedade, não temos outras opções além de procurar vida nesta ruína (TSING, 2015, p. 6, tradução nossa).

Em The Mushroom at the end of the World, as relações miceliais entre fungos e pinheiros ganham contornos em paisagens modificadas por entre as fissuras e pontos da cadeia de commodities Matsutake do Oregon ao Japão. Aqui cogumelos não são “invisíveis”, mas entram na história como dádivas e mercadorias. Sigam as trilhas da parte II do livro de Tsing. Esta história começa após a hecatombe da bomba atômica de Hiroshima, na Segunda Guerra Mundial: o pós-Guerra, o tempo da Grande Aceleração antropocênica, onde se incrementa o mercado global de Matsutake. Este cogumelo é uma guloseima no Japão, e sua história revela a história recente deste país: a expansão dos centros industriais, o incremento das taxas de desmatamento, bem como a urbanização contribuíram para o abandono da vida rural. Com as florestas japonesas de Matsutake reduzidas, estes passam a ser coletados em outros lugares, passam a ser valorizados no mercado internacional, tornando-se o cogumelo mais caro do mundo.  Segundo nos conta Tsing, os humanos não conseguem cultivar o Matsutake, o surgimento deste cogumelo é espontâneo e está intimamente ligado ao manejo de baixa escala das florestas, da presença de seus pinheiros companheiros e a criação de condições ótimas para seu florescimento. Muito desmatamento e florestas fechadas não são a solução, essa é a lição de Satoyama.

Em 1989, algo mais havia começado nas florestas de transição do Oregon segundo Tsing: o comércio de cogumelos “selvagens”. O desastre de Chernobyl, em 1986, contaminou os cogumelos da Europa, e os comerciantes chegaram ao noroeste do Pacífico em busca de suprimentos. Segundo Tsing, quando o Japão começou a importar Matsutake a preços altos o comércio foi à loucura e milhares de pessoas –  refugiados indochineses desempregados,  veteranos brancos incapacitados, nativos americanos e latinos indocumentados – adentraram nas florestas do noroeste do Pacífico para obter o novo “ouro branco”, desafiando leis ambientais conservacionistas, onde a situação precária de trabalho e imagens de uma guerra contínua em nome de um valor –  central para se entender o forrageamento e comércio de Matsutake em Oregon – a experiência da “liberdade”.

Em Oregon, continua Tsing, Matsutake oferecia seu aroma de outono para forrageadores que ali desenvolviam práticas e saberes sobre a florestas, tornando-a familiar. Florestas que passaram por desmatamento intenso dos grandes pinheiros no início do século XX e depois, após virar área de conservação ambiental, ter a prática de supressão de incêndios como maior resultado. Mas numa ecologia indomável, abetos e pinheiros estavam florescendo com a exclusão do fogo, se espalhando em moitas cada vez mais densas e inflamáveis, exigindo mais manejo pelo serviço florestal. “Ponderosa, abeto e lodgepole, cada um encontrando vida através da perturbação humana, são agora criaturas de diversidade contaminada”. Surpreendentemente, nesta paisagem industrial arruinada, surgiu um novo valor: o Matsutake.

Na etnografia de Tsing se nota o capitalismo galgando espaço através da diversidade econômica traduzida por uma cadeia sucessiva de dádiva e mercadoria. O Matsutake forrageado nas margens das florestas de Oregon por etnias de emigrados do sul da Ásia ou por veteranos brancos da guerra do Vietnã, vendidos ou consumidos em performances pericapitalistas tornam-se objeto impessoal do inventário capitalista quando são enviados ao Japão. Essa tradução de valor é o problema central de muitas cadeias de suprimentos globais, como diria Tsing, onde o capitalismo depende das margens, das periferias não capitalistas. Nesses circuitos de valor o modo de vida dos forrageadores, atravessadores e comerciantes são atrelados a circunstâncias relacionais que enfatizam como o Matsutake são incompletamente mercantilizados. Uma verdade tanto para o carvão em Søby quanto para o mercado de Matsutake.

Os interlocutores de Tsing descrevem os cogumelos como “troféus da liberdade” em vez de mercadorias, embora Matsutake se transformem em ativos capitalistas ao serem colocados num navio ao Japão (TSING, 2015, p. 62). Mesmo no Japão, Tsing descreve o fluxo de Matsutake através da lógica da dádiva. Tsing usa essas formas pericapitalistas – não capitalistas, mas não fora do capitalismo – para construir suas ideias em torno do “capitalismo de salvação” (salvage capitalism): o processo de acumulação capitalista que se aproveita do valor produzido sem o controle capitalista. Tsing argumenta que o salvamento é parte integrante do capitalismo: “uma característica de como o capitalismo funciona” (TSING, 2015, p. 63, tradução nossa) em uma condição geral de precariedade. Confabulações miceliais: cogumelos são particularmente úteis como uma metáfora aqui, as acrobacias micorrízicas escondidas que tornam possível o fruto da mercantilização exemplificam o salvamento, onde o esforço de todos os personagens é para ditar os ritmos do salvamento (salvage rhythms), entrelaçando-se ao incontrolável modo de vida do cogumelo – indeterminação, coordenação, precariedade e contingência, o sonho modernista da mecanização, da quantificação e do progresso não são suficientes nessa história.

Nossa experiência em Søby é refletido no livro de Anna. A inseparabilidade entre economia e paisagem explode junto aos cogumelos que habitam as ruínas junto a suas companhias. Ali acocorados nas dunas de Three Lakes, cavando a lama metálica, observando micorrizas que conectam os simbiontes fungos com as raízes do Pinus contorta, ainda não percebia como tal conexão poderia nos levar a histórias assombrosas sobre mundos em tensão. Os pinheiros, com seus parceiros fúngicos, frequentemente florescem em paisagens modificadas por humanos, onde trabalham juntos para aproveitar espaços abertos e solos minerais expostos. Humanos, pinheiros e fungos confabulam em arranjos de vida simultâneos para si e para os outros: mundos multiespecíficos. A potência do The Mushroom at the End of the World, foi justamente os chamar atenção de que o conceito moderno de humano como fazedor de mundo não é a única possibilidade: “estamos cercados por muitos projetos de criação de mundo, humanos e não humanos, que emergem de atividades práticas de criação de vidas” (TSING, 2015, p. 2, tradução nossa).

 

Dançando com os cogumelos

Andar atentamente por uma floresta, mesmo que danificada, é ser apanhado pela abundância da vida: antiga e nova; sob os pés e alcançando a luz. Mas o que se diz da vida na floresta? Podemos começar procurando por drama e aventura além das atividades humanas. No entanto, não estamos acostumados a ler histórias sem heróis humanos (TSING, 2015, p. 155, tradução nossa).

 Uma de nossas melhores experiências de nossa viagem foi no segundo dia do trabalho de campo interdisciplinar, agora com a presença do biólogo Henning Knudsen. Tivemos algo como um encontro entre antropólogos, uma artista e um micólogo taxonomista e geneticista para caminhar, conversar e cavar o solo. Um encontro colaborativo onde a ciência, como diria Tsing, só pode ser entendida como uma prática de tradução por entre a diferença. Estávamos andando sem um caminho preciso, em nosso “transecto” passamos por caminhos diferentes rumo ao Desertum Arboretum. Entrando por essas trilhas encontramos uma cerca e, através dela, um lixão onde funcionava uma indústria de bioenergia. O que eu poderia pensar sobre esse lugar que eu ainda não conhecia bem.

Henning, com seu cesto de coletor de cogumelos, era nosso hábil guia e contador de histórias. Eu estava tão interessado e excitado em conhecer e ouvir histórias sobre fungos e suas ocorrências simbióticas através deste renomado biólogo escandinavo. Não só pela vivência e aprendizados que tive sobre identificação de cogumelos, mas sobretudo pelo diálogo com alguém que têm relações mais profundas com a paisagem em que estávamos. Durante nosso caminhar juntos, Henning associava pequenas montanhas de pedregulhos e plantas que indicavam a história da fundação da mina e a casa dos trabalhadores durante a Segunda Guerra Mundial; em curtas paradas nos era exposto algumas plantas, suas flores e suas relações com formigas, usos medicinais, e conhecimentos botânicos sobre as mesmas. No caminho encontramos dois senhores que nos disseram que pescavam na lagoa, algo que achei que seria impossível naquelas águas tão ácidas e contaminadas. Fico imaginando como seria caminhar com estas pessoas tão animadas, que paisagens emergiriam desta relação.

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Figura 3 – Caminhando na paisagem ressurgente em Søby Brunkulslejerne

Todos iam observando o chão nas bordas da estrada e em alguns ambientes específicos, como alagados, monte de troncos abandonados, áreas abertas e areial. Em dois momentos encontramos cogumelos. Quando cogumelos eram encontrados, Henning nos convidava a observá-lo. Em uma dessas dunas ocupadas por árvores paramos. Tanto ela como Elaine estavam muito animadas. Elas apontavam para os lugares onde meses antes eles teriam encontrado muitos cogumelos. Agora eram poucos, era primavera. Anna procurou por alguns fungos que foram colocados no chão e começamos a cavar a terra, ficando completamente enlameados. Vividamente animada, Anna pegou as raízes do chão e soltou um “uau, isso é incrível”: Inocybe era o seu nome. Muito animada começa a cavar para ver suas micorrizas. Inocybe ocorre em sua coordenação de ação com um pinheiro. O solo é arenoso e de cor branca, um tanto compactado devido às chuvas e a sua própria textura mais fina. Creio que seja um arenoso que não se explica apenas por fatores de ordem geológica, mas sim pela inserção humana em sua produção. A areia é produtos de interações históricas do processo de mineração, geoquímica, hidrologia, vida vegetal. O lugar do fungo é plano e aberto a plena luz do sol. Ela nos mostrou as micorrizas. Elaine pegou novamente o pequeno microscópio e começamos a observar as estruturas micorrízicas. Estávamos tentando identificar as espécies de cogumelo, associando a árvore e fizemos desenhos e anotações onde eles estavam, e finalmente nomeando as formas das micorrizas e tiramos fotos.

Temos nosso segundo encontro, com o mesmo fungo companheiro, um dos nossos anfitriões. Este pequeno amigo vive também “infectado”, como diria Henning, na raiz de um pinheiro. Mas a sua casa é um tanto diferente. A terra continua arenosa, mas um pouco mais escura, creio que devido a matéria orgânica depositada ou, como segunda hipótese, devido a área ser de alagamento e a cor ser influência da água ácida.  Sua casa também é num relevo plano e próximo a lagoa, é assolada pelos raios solares, que devem ajudar o crescimento mútuo, tanto seu quanto do seu simbionte, o pinheiro. O nosso terceiro encontro foi novamente próximo ao Three Lakes e envolveu três curtos encontros com pequeninos pinheiros que foram “desalojado” por nós para virar história. O primeiro vivia próximo ao lago, num terreno também arenoso, na base de uma ladeira íngreme, mas um pouco mais sombreado devido a presença de uma árvore mais grandinha. Anna observa suas micorrizas, e o guarda na sacola. O outro cogumelo vivia na ladeira, como sempre, solos de areia, quebradiço. Sua vida deveria ser muito incerta, pois viver num sulco cavado por intenso processos de lixiviação não deve ser fácil. Sua micorriza o ajudava no crescimento e Anna e Elaine ficam em êxtase ao ver que a micorriza apresenta espécies diferentes, de cor branca. Vamos ao topo e encontramos outra micorriza, simbionte de outro pequenino pinheiro, ambos habitantes da parte plana do topo, entre as árvores de maior estatura, que lhes ofertam sombra. Habitam um chão arenoso, de cor escura com certeza devido a presença de matéria orgânica das árvores existentes, presença de insetos, outros fungos, madeira apodrecida, dentre outros, porém o solo é mais estável e coberto com vegetação do que os anteriores.

Fazíamos pequenas perguntas para sermos capazes de resolvê-la: que assembleias de espécies emergem após a mineração – neste caso, a mineração de carvão marrom em uma antiga paisagem em ruínas? Muitos antigos residentes, humanos e não humanos, desapareceram da região. Alguns novos foram importados ou movidos em si mesmos. O mais bem-sucedido reproduzido e proliferado. Podemos chamar essa coalizão contaminante entre fungos e pinheiros como ervas daninhas (weed) – organismos que se aproveitam da perturbação humana para dominar as assembleias ecológicas emergentes?. As ervas daninhas são arquitetos; eles moldam a paisagem. Alguns provocam mais distúrbios, reajustando continuamente as ecologias locais. Os humanos são esse tipo de erva, mas não os únicos. Em Søby Brunkulslejerne, a antiga mina de carvão marrom que forma o tema deste conjunto de papéis, as três espécies de ervas daninhas não microbianas mais agressivas são os humanos, os veados vermelhos e os pinheiros lodgepólicos (GAN; TSING; SULLIVAN, 2018).

as ervas daninhas, que excedem a gestão humana, não são inerentemente ruins nem boas. Para qualquer um que espera que parte da diversidade e integridade ecológica dos ecossistemas da Terra sobrevivam ao Antropoceno, as ervas daninhas são um golpe de sorte. Sem ervas daninhas, as paisagens abandonadas pela indústria permaneceriam estéreis (GAN; TSING; 2015, p. 1, tradução nossa).

Cogumelos Matsutake em associação com pinheiros são aromas que se perpetuam na cultura gastronômica japonesa e nas florestas manejadas em diversas partes do mundo. Não são vistos como weeds, mas como um hóspede desejado mas incontrolável. Em The Mushroom at the End of the World, os cogumelos são “elusivos e enigmático e segui-los levavam Tsing a “um passeio selvagem – ultrapassando todos os limites” (TSING, 2015, p. 138, tradução nossa):

Cogumelos são os corpos frutíferos dos fungos. Os fungos são diversos e muitas vezes flexíveis e vivem em muitos lugares, desde correntes oceânicas a unhas dos pés. Mas muitos fungos vivem no solo, onde filamentos semelhantes a fios, chamados de hifas, se espalham em leques e se enroscam como cordas através da sujeira. Se você pudesse tornar o solo líquido e transparente e entrar no solo, você se encontraria cercado por redes de hifas fúngicas. Siga os fungos por dentro daquela cidade subterrânea, e você encontrará os prazeres estranhos e variados da vida entre espécies (TSING, 2015, p. 138, tradução nossa).

Fungos são construtores de mundos, criando ambientes para si e para outros. Matsutake e pinheiros são acontecimentos, encontros que fazem diferença, em outras palavras contaminação. Segundo Tsing, estamos contaminados pelos nossos encontros: “eles mudam quem somos enquanto abrimos caminho para os outros” (TSING, 2015, p. 28, tradução nossa). À medida que a contaminação muda os projetos de criação de mundos, mundos mútuos – e novas direções – podem emergir. Para Tsing, todo mundo carrega uma história de contaminação, sendo que a pureza não é uma opção. Em seu livro ela argumenta que viver e permanecer vivo – para todas as espécies – requer colaborações habitáveis, o que significa trabalhar com a diferença, o que leva à contaminação multiespecífica. Sem colaborações, todos nós morremos.

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Figura 4 – Filamentos com Ectomicorrizas

A perspectiva liberal do indivíduo construtor de mundos não tem vez nessa história – we never been individuals diria Scott Gilbert, Jan Sapp e Alfred I. Tauber (2012) e decretemos o fim do um contra todos. Para Tsing, os estudiosos têm imaginado a sobrevivência como o avanço dos interesses individuais (espécies, populações, organismos ou genes). Todavia se a sobrevivência sempre envolve outros, ela também está necessariamente sujeita à indeterminação das transformações de si e dos outros. Nós mudamos através de nossas colaborações dentro e através das espécies.

A coisa importante para a vida na terra acontece nessas transformações, não nas árvores de decisão de indivíduos independentes. Em vez de ver apenas as estratégias de expansão e conquista de indivíduos implacáveis, precisamos buscar histórias que se desenvolvam por meio da contaminação. Assim, como uma reunião pode se tornar um “acontecimento”. Colaboração é trabalho através da diferença, mas esta não é a diversidade inocente de trilhas evolutivas autocontidas. A evolução de nossos “eus” já está poluída por histórias de encontros; estamos misturados com os outros antes mesmo de começarmos qualquer nova colaboração. Pior ainda, estamos misturados nos projetos que mais nos prejudicam. A diversidade que nos permite entrar em colaborações emerge de histórias de extermínio, imperialismo e todo o resto. Contaminação faz diversidade (TSING, 2015, p. 29, tradução nossa).

Contaminações multiespecíficas proporcionam colaborações entre fungos e pinheiros na conformação não intencional de paisagens pós-industriais, onde “dançam” cogumelos e forrageadores. O Matsutake agradece, essa é a história da parte três do livro de Tsing. Se se deseja Matsutake no Japão, devemos esperar a existência de pinheiros e se queremos pinheiros, devemos ter distúrbios humanos de baixa intensidade. Compreender a história das múltiplas vidas em interação, suas práticas ressurgentes em ambientes arruinados ou manejados – do voo dos esporos à dança dos forrageadores asiáticos em Oregon – nos faz perceber que paisagens são, em termos gerais, produtos de design não intencionais (em termos da ação humana), uma sobreposição de emaranhados de atividades de múltiplas linhas de vidas humanos ou não (Tsing usa aqui Tim Ingold), onde nenhuma das partes possui total controle do processo. Como locais de dramas mais-que-humanos, paisagens podem, nas palavras de Tsing, ser “uma ferramenta radical para descentrar a arrogância humana”.

Paisagens não são cenários para a ação histórica: elas são ativas por si mesma. Observando paisagens em formação, os humanos se juntam a outros seres vivos na formação de mundos. Matsutake e pinho não crescem apenas nas florestas; eles fazem florestas. As florestas de Matsutake são encontros que constroem e transformam paisagens. Esta parte do livro começa com a perturbação – e faço da perturbação um começo, isto é, uma abertura para a ação. A perturbação realinha as possibilidades do encontro transformativo. Os remendos da paisagem emergem da perturbação. Assim, a precariedade é encenada em uma sociabilidade mais do que humana (TSING, 2015, p. 152, tradução nossa).

 

Patchy Anthropocene: uma conclusão

Que situação estranha. Eu era antropólogo, com graduação e mestrado na área biológica, caminhando com antropólogas com um enorme interesse, desenvoltura e experiência na observação das vidas que não são humanas. Desenvoltura e experiência que eu tinha “esquecido”, ou deixado um pouco para trás. Por outro lado, não perdi o interesse e o afeto pela vida dos outros seres que não os humanos, mesmo após anos de estudo de uma biologia marcada pela ideia de vida como espécie, como objeto passivo aos ditames da evolução biológica, como algo a ser medido e tratado como estatística. Por outro lado, na antropologia era instado precisamente a aprender com os outros – humanos – quais possibilidades conceituais e práticas teríamos para compreender como diferentes humanos vivem e pensam outras naturezas. Mas a situação com Anna e Elaine era realmente diferente. Uma espécie de antropologia estranha (para mim naquelas circunstâncias), estando ali naquela experiência em Søby, cavando e seguindo filamentos que conectavam fungos e árvores, sem necessariamente termos um porta-voz da língua latina ou para informar ontologias outras, o que para mim continua sendo algo importante a se fazer.

Lá, diante dos meus olhos, estavam antropólogas fazendo biologia. Ou elas faziam outra coisa? Obviamente perguntei a Anna quando ela já estava com lama em todo o corpo e cavando outro cogumelo. Ela olhou para mim e disse apenas “antropologia, veja bem…”, “por meio de um olhar desinteressado, aberto ao imponderável do encontro e de descrições críticas, observando as relações sociais entre diferentes espécies e descrevendo relações do ponto de vista da antropologia”; indo para o campo sem formulações preconcebidas, abertas à estranheza e às questões colocadas pelos interlocutores e descrevendo o fazer e desfazer das vidas em interação. A essa abordagem antropológica, poderíamos, disse ela, inserir métodos das ciências naturais ou colaborar com cientistas naturais para estudar a vida de ervas daninhas nas ruínas de uma mancha antropocênica, como o fungo e seu processo simbiótico: “Por que não?”, olhou me fixamente? Sim, por que não. Por que não poderíamos estender ao estudo dos não-humanos os métodos antropológicos, aliás não deveríamos levar a sério as outras vidas e coisas que agem com ou sem nós? O livro The Mushroom at the End of the World, nos proporciona uma lente para compreender esta experiência.

The Mushroom at the End of the World, uma obra etnográfica instigante e de leitura complexa, mesmo ciente de seus pontos críticos e limites teóricos e políticos (ver Alf Hornborg, 2017), me ajudou tempos depois e compreender os caminhos percorridos. O livro se desenrola circulando como um cogumelo, serpenteando pela cadeia de commodities, para nos permitir ver tanto a floresta quanto as árvores – um fascinante relato da história do capitalismo contemporâneo em suas manchas, circuitos e marcas na paisagem. A ressurgência holocênica marca a história da interação humana com os ambientes hoje devastados e bloqueados pela plantation antropocênica. Mas, como Tsing demonstra, “alguns tipos de distúrbios foram seguidos por um novo tipo de crescimento que alimenta muitas vidas” (TSING, 2015, p. 190, tradução nossa). Este livro foi uma deliciosa incursão sob as florestas que nos convida a imaginar as redes micorrízicas de colaboração que criam a possibilidade de emergência da vida na ruína capitalista, sem aderir aos projetos modernistas do capitalismo tardio. Se algum mérito há nesse esforço, no mínimo podemos apontar o de descortinar um sistema de geontopoder (POLVINELLI, 2016), que institui o que é vivo e o que não é, e a necropolítica (MBEMBE, 2012) do que é passível de morrer ou não no Antropoceno. Me entrelaço a esta proposta – apesar ainda estar tateando que fazer com ela em meu engajamento político junto aos movimentos sociais e diante das ontologias e experiências ameríndias -, ela me fez pensar sobre alguns momentos em meu campo no Brasil.

Eu estudei a formação e recuperação da paisagem com meus interlocutores Pataxó no sul da Bahia. Nosso foco foi perceber a multiplicidade de mundos da vida em relação à distúrbios históricos na paisagem e como o movimento e os encontros de diferentes espécies e modos de vida criam as manchas de diferença: a textura da terra. Seguindo o dendezeiro, os pataxós me ensinavam que essa palmeira não nasce apenas pelo plantio humano. Os dendezeiros seguem os caminhos dos humanos no corte e queima da floresta e na implantação das roças de mandioca, após o “abandono” desses lugares o dendezeiro age junto com urubus, pássaros e pacas, seus verdadeiros cultivadores. Nessa relação multiespécies, o dendezeiro proliferou e fez mundos, criando condições para sua proliferação e a emergência de paisagens afroindígenas no sul da Bahia diante dos poderes coloniais racistas da plantation e da criação de áreas protegidas que instituem uma rígida divisão entre o mundo natural e cultural (CARDOSO, 2018). Confabulações miceliais, um argumento possível: assembleias miceliais entre fungos e pinheiros e associações de dendezeiros, urubus e pacas atuam, no sentido de Gilles Deleuze e Felix Guattari (2012) como máquinas de guerra rizomática contra os aparelhos domesticadores de captura do Estado, conformando topologias das multiplicidades.

Talvez resida aqui o ponto de meus aprendizados, e uma breve conclusão. A arte da antropologia seria essa abertura a diferentes situações e possibilidades de aprender com os outros, para explorar as belezas, incertezas e tensões de encontros com vidas significativas em seu processo de fazer e desfazer seus lares. Anna e Elaine, “educaram minha atenção” para viver com e nessa “situação estranha” na arte de viver, perceber e testemunhar nas manchas irregulares e tentaculares do Antropoceno: Confabulações miceliais, persigam cogumelos.

 

Bibliografia

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Recebido em: 28/02/2019

Aceito em: 28/03/2019


 

[1] Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina, Bolsista PNPD pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal da Bahia. E-mail: thi.motacardoso@gmail.com.

[2] Friction: An ethnography of global connection. Princeton University Press, 2011.

[3] In the realm of the diamond queen: Marginality in an out-of-the-way place. Princeton University Press, 1993.

[4] https://www.theguardian.com/books/2017/oct/19/mushroom-end-world-anna-lowenhaupt-tsing-review.

[5] “This is a landscape so dynamic that its very changeability leads to innumerable moments of recognition (…) I do believe it to be true that the land here is demonstrably alive; that it does not exist solely, or even incidentaly, as a stage for the enactment of human history; that it is (itself) a protagonist” (GOSH, 2016, p. 6).

[6] O conceito de assemblage, no sentido dado por Gilles Deleuze e Felix Guattari, é fundamental na obra de Anna Tsing. Todavia Tsing, o utiliza de forma diferente das conotações deleuzianas, se aproximando mais da noção de assembleia da ecologia. Tsing usa o conceito de assembleia para tratar da questão de como espécies variadas influenciam umas às outras. Todavia a autora, se valendo do qualificador polifônico abandona a noção de organismos como os elementos que se reúnem, para falar de formas de vida – e modos não vida e de ser – se unindo, onde modos de ser são efeitos emergentes dos encontros. Pensar através da assemblage nos leva a perguntar como as reuniões às vezes se tornam “acontecimentos”, isto é, maiores que a soma de suas partes e a nos valermos da história sem o argumento linear do progresso, mas sim como indeterminada e multidirecional. Ver crítica ao uso da noção de assembleia pelas denominada “multispecies ethnography” em Tim Ingold (2013).

 

A arte de viver no Antropoceno: um olhar etnográfico sobre cogumelos e capitalismo na obra de Anna Tsing

 

RESUMO: Me propus a escrever uma resenha do livro The Mushroom at the end of the World:  On the possibility of life in capitalist ruins, de Anna Tsing. Porém me propus tecer essa resenha subvertendo este gênero ao incorporar uma narrativa que mais se aproxima a um ensaio etnográfico livre. Diria até um ensaio sobre uma experiência de viagem de campo para etnografar cogumelos e seus companheiros nas paisagens pós-industriais arruinadas na Dinamarca pelo projeto Aarhus University Research on the Anthropocene (AURA project – Living in the Anthropocene), onde a autora do livro que estou me debruçando era partícipe da jornada a ser relatada. Confabulações miceliais é o nome que dou a essa atividade em homenagem ao título do presente dossiê. O livro de Tsing foi um guia, um relato de manchas experimentais que nos faz ver melhor, ou ver de outro jeito, a arte de viver com e de perceber mundos emergentes no e contra o capitalismo.

PALAVRAS-CHAVE: Fungos. Etnografia Multiespécie. Antropoceno.

 


The art of living in the Anthropocene: an ethnographic perspective about mushrooms and capitalism in Anna Tsing’s book

 

ABSTRACT: I propose to write a review of Anna Tsing’s book “The Mushroom at the end of the World: On the possibility of life in capitalist ruins”. But I set out to weave this review by subverting this genre by incorporating a narrative that most closely approximates a free ethnographical essay. I would even say an essay on a field trip experience to ethnograph mushrooms and their companions in post-industrial landscapes ruined in Denmark by the Aarhus project University Research on the Anthropocene (AURA project – Living in the Anthropocene), where the author of the book that I am studying was part of the journey to be reported. Mycelial confabulations is the name I give to this activity in honor of the title of this dossier. Tsing’s book was a guide, an account of experimental stains that makes us see better, or see otherwise, the art of living with and perceiving emergent worlds in and against capitalism.

KEYWORDS: Fungi. Multispecies Ethnography. Anthropocene.


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CARDOSO, Thiago Mota. A arte de viver no Antropoceno: um olhar etnográfico sobre cogumelos e capitalismo na obra de Anna Tsing. ClimaCom – Fabulações Miceliais [Online], Campinas, ano 6,  n. 14,  abr.  2019 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=10723