Juliana Marta | Roteiro de boas perguntas cujas respostas (não) levariam a um excelente artigo científico?


Juliana Marta [1]

 

Perdemos o chão quando nos tiram a possibilidade de fazer afirmações? Podemos prescindir do “não” enquanto advérbio nesses casos?

As interrogações criam a necessidade de mais parágrafos?

Uma pergunta pode ensejar muitas respostas? Uma primeira pergunta: Quem somos? – ? ou antes: o que é ser? – ? loops de interrogações são possíveis? Pode acontecer de serem perguntas demais? Demais?

É impossível dissociar conteúdo e forma? É impossível, portanto, escrever sem metalinguagem? Por ora, apenas a forma foi apresentada? Impossível? Passaremos a seguir ao que pode ser pura falta de coesão?

As interrogações, os conteúdos, as formas, a coesão, o coração, as pulsões, o corpo, a humanidade, o universo e tudo mais? Tudo metáforas?

Não há palavra cujo destino não seja metáfora? Não há palavra que não seja metáfora? Não há uma palavra que designe literalmente aquilo a que se refere? 

A teoria – A psicanalítica, ao menos? – diz que criamos metáforas para expandir os sentidos?

Eu contrario e proponho que as metáforas estão todas dadas e o sentido é percebê-las? Isso traria vantagens? Seria uma abordagem mais oriental? Olhar o mundo como um apanhador de borboletas? Tentando reter em nossas redes o máximo de similaridades possível? Ganha-se com isso? 

Seja como for, independentemente de terem sido dois ovos ou um galo e uma galinha, podemos olhar para uma classe de metáforas de apreço científico recente? E seus ganhos e limitações? podemos, depois, captar metáforas de difícil implementação? Ou conceber meta-metáforas a serem desdobradas em miríades de níveis, variando em escala? Átomos, moléculas, células, corpos, planetas, sempre podem ser concebidos como partículas a compor corpos a depender da distância? Saltar entre dimensões fractais? Metaforicamente?

Mas, primeiro, a classe de metáforas de apreço científico recente? Algumas engenharias e aplicações da matemática têm recriado, sem se dar conta, um inconsciente – o que está à superfície, é óbvio? – a fim de resolver problemas cujas soluções nos escapam conscientemente, via análise conceitual e modelos determinísticos? Resvalam no estocástico cuja imprevisibilidade busca mimetizar a vida? Sim? Tenho vontade de fazer uma afirmação? O período anterior não devia estar aqui? Começo a perverter a lógica da proposta? Pelo contrário, mergulho nela?

Falo, por exemplo, da classe dos algoritmos genéticos? Uma horda de não-seres-vivos pré-programados para mimetizar processos tacitamente performados por seres vivos? Com vistas a determinar soluções ótimas para problemas muito complexos concebidos pela humanidade? Que escondem dentro de si funções objetivo a serem otimizadas, o que Darwin primeiro chamou de causa da seleção natural? Natural? A aplicabilidade do termo natural para humanos pode ser amplamente discutida? O capitalismo visa a manter uma seleção? Artificial? E desnecessária?

Alguém se inspirou num processo biológico, modelado por humanos, para criar um método para resolver problemas criados por humanos, e acabou por perder de vista a influência humana no processo? Seja no processo que inspirou o modelo, seja na modelagem, seja nas aplicações que se faz dela? E em como ela está fadada a confirmar as hipóteses iniciais? Pensar filosoficamente modelos nunca implementáveis, apenas pelo exercício ético do pensamento pode ser mais proveitoso?

Façamos um experimento mental? Imaginemos uma população de cores? Uma matriz inicializada com uma população de cores? Em que cada elemento carrega genes RGB? E em que vão se parear e reproduzir, dentro de uma vizinhança quadrada, aquelas cores de maior afinidade? Afinidade dada por uma métrica que determina quais cores são mais próximas? Uma ideia que pode ter surgido quando alguém contemplava a existência dentro de uma piscina pequena? Em que nunca uma função objetivo acaba por ser colocada? Melhor dizer: por se colocar? Impossível determinar o objetivo de uma população de cores a se reproduzir? Essa modificação fundamental e, a princípio, equivocada pode lançar uma questão filosófica? A partir da própria ideia? A partir do resultado obtido? Seria de se esperar que a população convergisse para uma única cor? O que acontece é que, livre de pressão externa, essa população artificial se põe a variar livremente? O vídeo das gerações se sucedendo remete ao movimento de uma nebulosa em belos tons? A não competição e a multiplicação por afinidade, diante de olhos pasmos, preserva a variedade e produz beleza? Sem função objetivo a ser otimizada, subsiste a riqueza e a variedade genética? Não há melhor ou pior? Mais ou menos adaptado? Existe reunião por afinidade e há espaço para todas as cores a cada geração? Utopia? Ou melhor, heterotopias? Alguém já realizou esse experimento? Um experimento ético-estético-político-matemático-artístico que dá indício simbólico da (ausência da) regra que viabiliza o rizoma?

Quando se cria uma população e se lhe atribui uma função objetivo e um grau de fitness, como uma nação e o capital, ou a religião, determina-se-lhe o futuro? Esquece-se de só brincar e brinca-se de deus: a função objetivo sobredetermina os resultados, tolhe a liberdade, cria viés, é maniqueísta? Prefere guiar-se por apenas duas possibilidades, o acima e o abaixo, ao invés de infinitas variações? O destino está selado? 

Uma perversão do que pode ter começado como aceitação da, e confiança na, impossibilidade de conhecimento global? Dito de outro modo, do que pode ter começado como aceitação do, e  confiança no, desconhecido? Há de haver um destino? Uma destinação? Um objetivo? Um? Apenas um para cada um? E mais: apenas um para todos? o destino está selado? Resta a possibilidade de se fiar na iminência de mutações?

Alguém um dia segue atônito em meio aos caminhos subterrâneos do metrô? Pensa na grandiosidade enterrada daquelas produções de sua espécie? Como se sua espécie fosse um tipo de cupim? Alguns vírus acabam por destruir o corpo em que vivem antes que possam migrar e se auto-destroem? 

Essa pessoa compara ruas, avenidas, vielas, escadarias, elevadores, trilhos e rotas a um sistema circulatório? Não é a primeira a fazer isso? As metáforas vêm a priori? O coração? A pulsação? O ritmo circadiano? Colapso do sistema circulatório? Colapso de células caducas que transitam seguindo um fluxo que lhes é imposto externamente? Destino? Função objetivo? Bater do coração? Vida? Vida sem qualidade de vida? Pulmões sobrecarregados por gases emitidos pelo sistema circulatório? A única alternativa é abrir novas v(e)ias? Devastar mais e mais o pulmão? Devastar em nome de viver? Como os vírus? Cavar abismos com os próprios pés?

E, então, as pessoas poderiam ser divididas em duas grandes categorias como as células sanguíneas? Vermelhas ou brancas? Esse branco não tem a ver com paz? Talvez com uma paz forçada? Paz forçada? Já o vermelho talvez tenha a ver com comunismo não-degradado? Leucócitos e hemácias? Leucócitos fazedores da lei e executores de seu cumprimento? Hemácias nutrem e oxigenam? Em um corpo saudável temos muito mais hemácias do que leucócitos? Às vezes, os leucócitos saem de controle? Um erro da evolução?  Ou mutação?

É necessária uma estratégia caso os leucócitos tenham perdido de vez o bom senso? Combater leucócitos com lentívirus? Olho por olho dente por dente? Organismo cego e desdentado? E morto?

Uma metáfora pode ser exaurida? Recolher nova borboleta da rede? Lembrar de manter as borboletas vivas e livres, no entanto? Não há captura em se tratando de metáfora? 

Às vezes, pode ser preciso tornar-se barata? Para sobreviver a hecatombes? Pretender-se o mais sujo, abjeto e insignificante, recorrer aos dejetos e aos trajetos mais desprezados à espera de que seja possível respirar ar puro novamente? Degrad’ação? Sobrevivência? Procurar por, ou melhor, criar linhas de fuga? Sobreviver é uma forma de resistir? Sobreviver é um ato político, Quando viver não é possível? Por vezes não é favorável atravessar grandes rios?

A nossa espécie é a humanidade? sabemos de cor nossa função objetivo? ela se nos foi atribuída por um alienígena chamado deus ou verdade ou capital? Cada pátria tem uma função objetivo diferente que envolve exterminar as demais? Então a nossa espécie é a nossa pátria? A nossa espécie é a nossa classe social? Há subgrupos em nossa espécie que adoram um deus bom e capitalista? Um deus mau? Criado À nossa imagem e semelhança? 

À nossa espécie foi dada a possibilidade de tecer narrativas? E, como efeito colateral, nos vemos enredados nas histórias que tecemos? Desejamos esquecer nossa liberdade criativa tão logo se nos apresenta(m) uma narrativa? Monogamia narrativa? Monocultura narrativa? O gasto psíquico de confiar que o desconhecido guarda incontáveis possibilidades é maior do que a prisão em uma única versão inquestionável? A-versão?

Uma outra função objetivo para a vida pode ser minimizar o tédio e a solidão? Minimizar a falta que de outro modo se nos moveria a questionar acerca dos possíveis sentidos da vida? Gastamos demais em tempo e recursos com a tecnologia? A tecnologia por si só não é um monstro mau? Remédio ou veneno a depender da dose? E mais: a depender do uso? Queremos mais remédios para nossas mazelas? E queremos mais gadgets? Bem, se tivermos de escolher entre um gadget ou um remédio para um outro que desconhecemos, podemos preferir o gadget? Para encurtar distâncias? Ou maquiar distâncias para que, ainda que se tornem abismos, não nos incomodem? Somos pessoas de bem, trabalhamos massacrada e cotidianamente, merecemos nosso ópio lícito, comprado com o suor de nosso trabalho? Mesmo que isso leve a mais devastação dos pulmões? Mesmo que isso leve a estados febris? Delirantes? 

É simples usar a tecnologia que advém da ciência e simultaneamente negar resultados científicos? É difícil refletir sobre o que o corpo sente? Sobre o que incide no corpo, Quando se é apenas uma célula? O que os olhos não veem, o coração não sente? Não posso sentir, uma vez que eu também não possa pensar, ver com olhos de dentro? Posso dispor de palavras e ser incapaz de pensar? Meia entrada no simbólico? Uso funcional das terminologias? Perder as metáforas de vista: há apenas um sentido e ele é literal? O pior cego é aquele que não quer ver? E o melhor cego é aquele que carrega a possibilidade de sonhar? 

O importante é que já estamos a distância segura da idade média, para além de alguma noção cronológica de tempo? Na idade média serviamos a um senhor? O fato de ele ter perdido seu caráter físico implica que ele não existe? Tudo o que pode ser pensado existe? Podemos nomear esse(s) novo(s) senhor(es), caso ele(s) exista(m) sub-repticiamente?

Sempre vem o afã de responder as questões? De silenciar o reverberar das questões com respostas exatas? É muito difícil não saber? Não saber a resposta exata? Sustentar que apenas um conjunto ínfimo de divisões resulte sem restos? Muito difícil sustentar que os casos de maior interesse são os que sempre deixam restos? Mesmo que seja justamente graças a esses restos que possamos refinar a aproximação?  É necessário explicar o uso metafórico de “divisões” com o uso de palavras? E isso também é impossível sem restos? Concluir pode não ser sinônimo de terminar? Interessa-nos o uso do concluir que dividido por terminar deixe resto?

E, antes de concluir, há ainda que se olhar para a palavra-metáfora-corpo? Muito pouco suscitada como um todo no corpo deste texto? Abrangente demais? Podem conviver nela, em razoável equilíbrio não estático, instâncias díspares? Um todo maior do que a soma das partes? Corpo gerador? Matriz a partir da qual é possível que derivem míriades de variações? 

Seria bom compreender mais profundamente os pontos de equilíbrio, e respectivas implicações, do sistema dinâmico de forças tão fortemente antagônicas? Digo dos corpos? Com-pulsões? Do expandir e contrair? Do coração? Da dialética da alienação-autonomia? Do um em relação aos outros? E vice-versa? Da política? Posição depressiva vs. esquizo-paranóide? Das sociedades?

Assim, seria possível determinar o espectro ótimo de intervenção das hemoglobinas por amor à vida? Veganismo, inanição, dar a outra face, entregar o corpo à espera do entendimento do algoz? 

E, ainda, determinar o espectro ótimo de intervenção dos leucócitos? Odiar e se salvar? Ódio por amor à vida?

A otimalidade é ir até a morte? A depender do caminho? Os indivíduos – Indivíduos? – até hoje, estiveram fadados a morrer? A coletividade, o corpo dos corpos, não? 

Mas esse recorte – apenas recortes são possíveis, enquanto célula? – é restrito demais? Assim como é restrito demais separar corpo e mente? Uma proposta de corpo, neste caso, com certeza chegaria ao nível corpo-planeta? O menor sistema fechado que se nos engloba? Delirante e febril? E os tais pulmões: florestas e oceanos? E as outras espécies, outros sistemas do nosso corpo?

Numa concepção fractal, o maior corpo conhecido é o universo? Tendo como células os planetas e estrelas? Para não esbarrar nos buracos negros? O universo que não se sabe a que veio, de onde veio, para onde vai? Universo que talvez se expanda e se contraia como um coração? Como um pulmão? Como a maré?

Tudo muda se omitimos os pontos de interrogação?

Recebido em: 30/06/2019

Aceito em: 30/07/2019


[1] Psicanalista, licencianda em artes visuais pela UFRN e doutora em matemática aplicada à biologia (Unicamp, 2014). E-mail: jumarta@gmail.com

Roteiro com boas perguntas cujas respostas (não) levariam a um excelente artigo científico? 

 

RESUMO: Perdemos o chão sem a possibilidade de fazer afirmações? É impossível dissociar conteúdo e forma? Interrogações, conteúdos, formas, coração, corpo, humanidade, universo e tudo mais, tudo metáforas? Olhemos para os Algoritmos genéticos, uma classe de metáforas de apreço científico recente? com funções objetivo a serem otimizadas? Quando se cria uma população e se lhe atribui uma função objetivo e um grau de fitness determina-se-lhe o futuro? A nossa espécie é a humanidade? uma função objetivo para a humanidade pode ser minimizar a falta? gastamos demais com tecnologia? usamos a tecnologia que advém da ciência e simultaneamente negamos resultados científicos? As vias abertas pela humanidade, um sistema circulatório? pessoas podem ser divididas em duas categorias como células sanguíneas? É possível refletir Sobre o que incide no corpo, Quando se é apenas uma célula? Seria bom Compreender mais profundamente as implicações dos pontos de equilíbrio de sistemas dinâmicos de forças fortemente antagônicas? À humanidade foi dada a possibilidade de tecer narrativas e nos vemos enredados nas histórias que tecemos? pode ser preciso tornar-se barata? Os indivíduos sempre estiveram fadados a morrer? A coletividade, não? É possível prescindir de função objetivo? Concluir sem terminar? A ordem dos fatores não altera o produto? 

PALAVRAS-CHAVE: questõesmetáforascorpos


Script with good questions whose answers would (not) lead to an excellent scientific article?

 

ABSTRACT: Tloose ground without the possibility of making assertions? to dissociate content and form? to translate form? interrogations, contents, forms, heart, body, humankind, universe and everything, all metaphors? let’s look at genetic algorithms, to a class of metaphors of recent scientific appreciation? with objective functions to be optimized? to determine the future of a population when you create it and assign to it an objective function and a fitness degree? species humankind? an objective function for humankind can be to minimize the lack? to spend too much on technology? to use technology that comes from science and simultaneously deny scientific results? pathways opened by humankind, a circulatory system? to divide people into two categories like blood cells? to think of what affects the body, when you are just a cell? to understand more deeply the implications of the equilibrium points of dynamic systems of strongly antagonistic forces? to weave narratives onlyto find ourselves entangled in the stories we weave? when to become a cockroach? to die is the future of all individuals?the future of collectiveness? to do without the objective function? to conclude without finishing? the order of the factors does not change the product?

KEYWORDS: questions. metaphors. bodies.

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MARTA, Juliana. Roteiro de boas perguntas cujas respostas (não) levariam a um excelente artigo científico? . ClimaCom – A Linguagem da Contingência [Online], Campinas, ano 6,  n. 15,  set.  2019 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/roteiro-de-boa…igo-cientifico/