Rio Jequitinhonha: o grande xapiri | Déa Trancoso

Alcidéia Margareth Rocha Trancoso (Déa Trancoso) é mestre em Estudos Rurais pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e doutoranda em Educação pela Unicamp.

Déa Trancoso [1]

Nascente do Rio Jequitinhonha, estrada do Serro, durante viagem para produção do CD “Tum tum tum”, que viajou por 30 dias, de Diamantina, Alto Jequitinhonha, até Almenara, Baixo Jequitinhonha. Foto: Marcelo Oliveira (2000).

 

Eu e o Rio Jequitinhonha escrevemos, desde cedo, uma história de amor
e sedução. Nasci a duzentos metros dele. Fui menina de sua beira. Do
lado de cá da ponte, era o encontro com o rio diurno, quase
compreensível. Do lado de lá, casos de salvamentos aflitos, trampolins
[perdição dos meninos do ginásio], jiboias hipnotizantes, Ilha do Pão,
Sete Voltas, Água Bela, redemoinho. O mistério líquido do rio
incompreensível corria por dentro de mim. Debaixo da ponte, volume
grande na enchente, pedras na seca. Em cima da ponte, a vida ao vento
dos caminhantes no perigo do meio-fio.

 

O Jequitinhonha é quente, artístico, doméstico e cotidiano, com suas ruralidades impregnadas de memórias ativadas pelo “sol na moleira”, como dizemos por lá. Ruralidades tantas vezes rechaçadas pela cidade grande cheia simetrias urbanas padronizadas. A poeira vermelha, a falta de compromisso político de muitos, os jagunços, os coronéis, a séria dedicação e a ação concreta de outros, a ausência, o esturricamento, a riqueza, a pobreza, a fala musical do povo e a venda guimaraniana de Lidirico e Iaiá, em Araçuaí.

 

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[1] Texto produzido para o jornal Estado de Minas, a partir de viagem que começou no Serro/MG, nascente do Rio Jequitinhonha, e terminou em Belmonte/BA, sua foz, num exercício proposto pelo Exu Zambarado, em 1997, de quem ouvi, pela primeira vez, a palavra xapiri e que eu “nunca me esquecesse do mestre dos espelhos”, se referindo ao rio e ao Capitão João do Lino Mar, que, em 2016, se tornou o sujeito dos meus estudos de mestrado.