Meu tupi exílio | Davi de Codes | ClimaCom


Meu tupi exílio | Davi de Codes

Título | Meu tupi exílio

Texto, imagem e montagem de Davi de Codes
Financiamento da CNPq
Ano 2022


Davi de Codes (Davi Henrique Correia de Codes)
Unicamp
davidecodes@gmail.com
48998147226

Meu tupi exílio

Escrevi no vazio, ao ver as curvas das nuvens no enlace com os raios de sol:

– Ybyrá, será que alguém se acostuma
com as cores repetidas de um campo
deserto?

Já vi. Há mais vermelho da terra que azul do céu, e o verde entre cá e lá anuncia quase tornar- se um amarelo. Mas nem tudo é deserto na paisagem, por vezes se vê máquinas que atropelam tudo, mas ainda carregam no íntimo essa vontade de viver. Enquanto seguia caminho, cortando a estrada poeirenta, ladeando bordas de barrancos que antecedem o porvir plantio, notei empobrecidas nuvens fazendo pouso quase estático sobre esse chão avermelhado.

– Ybyrá, o que tem nessa terra?

Já vi. Ali há um casebre de madeira onde vive, passo a crer, aquele que apenas observa o passar do vento. Da estrada, a quase-sombra destoava do calor que fazia. Do caminho, somente caminhões cruzavam o ar com velocidade, como num incessante piscar de olhos. Pausas de passagens. Passagens de pausas. Sonoros intervalos que evocavam ainda mais silencio a cada acontecer. Ritmos de um dia pacato, carregado de passado, receoso de futuro. Caminhos que cortam, mas ligam lugares. Por vezes, quase-sombra. Quase sempre, para encontrar a sombra inteira, deve-se procurar um corpo para ter consigo. Pensamentos não fazem sombra, ou será que fazem? Do resto da floresta, ali naquele deserto, se chegar bem perto dos finos troncos, achará alguma sombra. Quanto mais perto, mais sombra.

– Ybyrá, o que te traz a essa terra?

Já vi. Havia ali uma árvore solitária. Talvez daqui mesmo, talvez vinda de outro lugar. Refugiada entre o céu e a terra. Viajou enquanto semente e hoje reside ali, ou está apenas de passagem. Parada e única diante de mim, era quase certo estar condenada à solidão. Aproximei-me bem de perto para ter com ela alguma sombra, e ao pé do meu ouvido a escutei falar:

– Sou árvore e mais, sou pau,
pedaço e todo, sou cerca e
proteção, refúgio contra perigos e
inimigos. Se quiser, deixo-te
aprender comigo.


CODES, Davi. Meu tupí exílio. ClimaCom – Esse lugar que não é meu? [online], Campinas,  ano 9, n. 22. maio 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/meu-tupi/


 

SEÇÃO ARTE | ESSE LUGAR, QUE NÃO É MEU? | Ano 9, n. 22, 2022

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