Mais precariedades por vir: plantas de cana-de-açúcar dentro de uma tempestade de poeira e progresso | Alberto Luiz de Andrade Neto


Alberto Luiz de Andrade Neto[1]

 

Se alguém, alguma coisa, no Céu,

tivera piedade do monstro que fora e que era,

revelava-o sob a forma de flores e frutos,

mostrando-se como uma graça que só ao capitão cabia regar.

Djaimilia Pereira de Almeida (2021[2019]).

 

Rompante empoeirado: o inferno é bem aqui!

Poucos dias antes de o Brasil atingir a marca oficial de seiscentas mil vidas perdidas por complicações decorrentes da Covid-19, populações de cidades do estado de São Paulo – especificamente, Barretos, Franca e Ribeirão Preto – foram atingidas por uma imensa tempestade de poeira.

O longo e sistemático uso da terra para as plantações monocultoras, sendo a cana-de-açúcar uma das principais plantas cultivadas pelo agronegócio local, somado à duradoura época de estiagem, fez com que, na formação de chuvas com ventos fortes, poeira, restos de queimada, vegetações secas e terra vermelha fossem elevados do chão e formassem um gigantesco paredão de sedimentos amarronzados (Fellet, 2021). Na ocasião, a terra completamente exposta se manifestou no ar vivamente em volume, aspereza e cor (ver Figuras 1 e 2).

É preciso dizer que, nas décadas de 1970 e 1980, com o interesse de produzir etanol em larga escala, a partir da “modernização” e da “inovação” no campo, o Nordeste e o Noroeste paulista — regiões atingidas pelo nevoeiro de poeira — foram tomados pelo “sonho do progresso” (Dawsey, 2013).

A partir do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), do Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar (Planalsucar) e do Programa de Expansão da Canavicultura para a Produção de Combustível do Estado de São Paulo (Procana), os quais propunham tornar a nação brasileira o “país do futuro”, à semelhança com que fez os campos de petróleo para os xeiques árabes, tais projetos transformaram roçados e sítios de cidades paulistas em grandes plantações de cana-de-açúcar em prol da “energia renovável” derivada do álcool (Dawsey, 2013, p. 274; Rodrigues et al., 2012). (Leia o artigo completo em PDF).

 

Recebido em: 15/09/2022

Aceito em: 15/10/2022

 

[1] Doutorando em Antropologia Social pelo Programa de Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGAS/UFSC). Bolsista de Doutorado do CNPq. Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/UFSC. Bacharel em Museologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: alberto_andrade_neto@hotmail.com

 

 

 

 

Mais precariedades por vir: plantas de cana-de-açúcar dentro de uma tempestade de poeira e progresso

 

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar possibilidades de entendimento sobre a tempestade de poeira que se formou em cidades do estado de São Paulo, no domingo de 26 de setembro de 2021. As análises têm suas bases nas histórias de implementação de canaviais nessa região paulista, assim como nas discussões a respeito das mudanças climáticas, técnicas de cultivo e nos interesses econômicos. Algumas histórias de plantas de cana-de-açúcar são centrais para o argumento, pois com elas é possível descortinar contextos de explorações coloniais nas Américas e tratar do avanço do agronegócio brasileiro. Como contraponto, lanço também histórias de resistência negra e indígena frente à centralidade das plantations. Por fim, tento examinar as relações entre a cana-de-açúcar e os monocultores e reanimar modos distintos de relação com as plantas cultivadas com vistas à projeção de alternativas de futuro.

PALAVRAS-CHAVE: Antropoceno. Plantas de cana-de-açúcar. Tempestade de poeira.

 


More precariousness to come: sugarcane plants inside a dust storm and progress

 

ABSTRACT: This article aims to present possibilities for understanding the dust storm that formed in cities in the state of São Paulo, on Sunday, September 26, 2021. The analyzes are based on the stories of implementation of sugarcane plantations in this region of São Paulo as well as as in discussions about climate change, cultivation techniques and economic interests. Some histories of sugarcane plants are central to the argument, because with them it is possible to reveal contexts of colonial explorations in the Americas and to deal with the advance of brazilian agribusiness. As a counterpoint, I also launch stories of black and indigenous resistance against the centrality of  plantations. Finally, I try to examine the relationship between sugarcane and monoculture farmers and reanimate different ways of relating to cultivated plants with a view to projecting alternatives for the future.

KEYWORDS: Anthropocene. Sugarcane plants. Dust storm.


ANDRADE NETO, Alberto Luiz de. Mais precariedades por vir: plantas de cana-de-açúcar dentro de uma tempestade de poeira e progresso. ClimaCom – Políticas vegetais [Online], Campinas, ano 9,  n. 23,  dez. 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/mais-precariedades-por-vir/