Sobre a culpa dos macacos: febre amarela, epidemia e intrusão | Cassandra Moira Costa Moura


Cassandra Moira Costa Moura [1]

“…A prova é de história da humanidade.

Gaguejo e tropeço.

Um macaco, olhos fixos em mim, ouve com ironia,

o outro parece cochilar –

mas quando à pergunta se segue o silêncio,

me sopra

com um suave tilintar de correntes.”

(Wisława Szymborska, Dois Macacos de Bruegel, 1957)

Este artigo é resultado de uma pesquisa prévia intitulada “O surto de febre amarela e suas controvérsias sociotécnicas: ciência, sociedade, humanos e não humanos em debate”[2]. Tal como a pesquisa que lhe deu origem, se move de maneira ensaística, admitindo variações entre o filosófico, o literário e o científico. Para além disso, o texto parte de um exercício inicial que visava perseguir um idioma “latouriano” (principalmente os textos referentes às décadas de 1990/2000), seguindo uma controvérsia específica. Todavia, conforme a pesquisa foi avançando, acabou por ganhar contornos cosmopolíticos, por assim dizer, por dialogar com a obra de Isabelle Stengers. Passando a adotar também referências literárias, a fim de evidenciar um exercício crescente de comparação e construção de pontes entre mundos que obedecem a diferentes ontologias e seres.

“A ficção (a comparação) não designa a falsidade, mas o encontro ontológico entre modos – entre atual e possível, existente e inexistente – em que estes se redefinem reciprocamente” (NODARI, 2014, p. 82).

AS COISAS, OS ANIMAIS, OS ARTEFATOS, VOLTARAM PARA SEUS DEVIDOS LUGARES

O frisson já passou, ninguém mais fala sobre febre amarela, surtos e endemias. Tampouco se fala sobre PNH’s (primatas não humanos) sendo assassinados (TOMAZELA, 2017) por aí. Em setembro de 2017, o surto de febre amarela teve seu fim, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2018a), o último caso registrado da doença foi no mês de junho em Espírito Santo. No entanto, o Brasil é um país endêmico (BRASIL, 2018b) para a febre amarela silvestre, sendo assim a contaminação pelo vírus amarílico não apresenta fim ou solução, obedecendo aos ciclos sazonais da doença.

Os macacos pouco a pouco pararam de morrer, talvez por restarem poucos para matar (leia o artigo completo em pdf).

 

Recebido em 08/09/2020

Aceito em 25/11/2020

 

[1] Mestranda no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). E-mail: cassandra.moira@outlook.com

[2] Agradeço ao apoio da FAPESP – 2018/2019, processo n° 208/00580-0. E também ao PIBIC (CNPQ) – no período de agosto/2017 a abril/2018.

 

Sobre a culpa dos macacos:

febre amarela, epidemia e intrusão

RESUMO: O presente artigo dedica-se ao estudo antropológico de eventos e debates que podem ser pensados como uma “controvérsia”, envolvendo o surto de febre amarela que ocorreu no Brasil (2017) e suas diversas implicações. Voltando a atenção para a relação entre o extermínio de primatas, a ação humana e o surto da doença, e a análise destes acontecimentos por parte da mídia, governo e produção acadêmica. Procurando assim compreender a relação justaposta entre o surto e o extermínio de primatas em diversas regiões do Brasil (tendo como foco principal a região sudeste), à luz das noções “latourianas” de controvérsia, práticas de tradução e hibridização na elaboração científica, e de que modo isso afeta o ambiente e as muitas formas de vida (humanos, não-humanos, plantas, rios, etc.). Mas sem desconsiderar que a doença perpassa as fronteiras do ocidente, não deixando de lado suas implicações cosmopolíticas e ontológicas, produzindo assim um estudo antropológico que consiga pôr em perspectiva o fenômeno e suas implicações, sobretudo em relação à vida e morte de bugios (primatas do gênero Alouatta) na Mata Atlântica.

PALAVRAS-CHAVE: Estudos da ciência e tecnologia. Primatas não-humanos. Febre amarela.


About the guilt of the monkeys:

yellow fever, epidemic and intrusion

ABSTRACT: This article is dedicated to the anthropological study of events and debates that can be thought of as a “controversy”, involving the outbreak of yellow fever that occurred in Brazil (2017) and it implications. Turning attention to the relationship between the extermination of primates, human action and the outbreak of the disease, and the analysis of these events by the media, government and academic production. Thus seeking to understand the juxtaposed relationship between the outbreak and the extermination of primates in different regions of Brazil (with the main focus on the southeastern region), in light of the “Latourian” notions of controversy, translation practices and hybridization in scientific elaboration, and of how this affects the environment and the many forms of life (humans, nonhumans, plants, rivers, etc.) But without disregarding the fact that the disease crosses the borders of the West, not neglecting its cosmopolitical and ontological implications. Thus producing an anthropological study that manages to put in perspective the phenomenon and its implications, especially in relation to the life and death of howler monkeys (primates of the genus Alouatta) in the Atlantic Forest.

KEYWORDS: Science and technology studies. Nonhuman primates. Yellow fever.

 

BAIXAR O ARTIGO EM PDF

 


MOURA, Cassandra Moira Costa. Sobre a culpa dos macacos: febre amarela, epidemia e intrusão. ClimaCom – Epidemiologias [Online], Campinas, ano 7,  n. 19,  Dez.  2020. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/macacos-febre-amarela/