Investigando relações entre doenças e mudanças climáticas

Eventos extremos como secas e enchentes podem agravar problemas de saúde pública

Mais do uma curiosidade científica, as variações sazonais e regionais de doenças são objeto de atenção do poder público, que demanda estudos para entender como elas se espalham e que ações podem ser desencadeadas para saná-las.

Tendo isso em vista, o principal objeto de pesquisa da sub-rede Saúde, da Rede Clima, são doenças que podem surgir ou se agravar com os efeitos das mudanças climáticas. “Hoje em dia, há dezenas de doenças que estamos acompanhando por meio de estudos específicos sobre o que pode acontecer e qual a relação delas com o clima”, conta Christovam Barcellos, um dos coordenadores da sub-rede e pesquisador do Centro de Informação Científica e Tecnológica do Departamento de Informação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele diz que “é fácil apontar que certas doenças podem se agravar em decorrência das mudanças climáticas, mas nem sempre é simples determinar o como, o quando e o porquê dessa relação, o que demanda a construção de modelos específicos”.

Por isso, os pesquisadores da sub-rede Saúde atuam em quatro grandes frentes: a primeira abarca as doenças transmitidas por vetores (mosquitos, ratos, carrapatos e pulgas). Dengue, malária, chikungunya, febre amarela e doença de Chagas se enquadram nessa categoria. “Os vetores que transmitem essas doenças podem mudar suas áreas de reprodução, dependendo das variações climáticas em longo prazo”, observa Barcellos. Isso explicaria em parte a expansão da dengue em direção ao sul, com o grande surto sofrido por São Paulo e alguns surtos isolados no Rio Grande do Sul em tempos recentes.

Rio Tietê: poesia do descuido, de Waldirene de Jesus e Antônio Almeida da Silva, 2015. A instalação urbana fez parte da exposição Aparições realizada no MIS-Campinas em maio de 2015. Veja esta notícia também no link: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=1900

Rio Tietê: poesia do descuido, de Waldirene de Jesus e Antônio Almeida da Silva, 2015. A instalação urbana fez parte da exposição Aparições realizada no MIS-Campinas em maio de 2015. Veja esta notícia também no link: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=1900

A outra frente são as doenças relacionadas à água. “Com a crise de abastecimento, podemos ter a volta de diversas doenças que estavam sob controle, como a cólera, ou a intensificação da transmissão de hepatite A, rotavírus, esquistossomose” – principalmente por causa da conjunção entre problemas estruturais de falta de saneamento básico, que ainda marca muitos lugares, e a contaminação ou esgotamento de mananciais. “A escassez de água somada à poluição formam um cenário triste, mas cada vez mais possível com as mudanças climáticas”.

O terceiro grupo são as doenças respiratórias e do aparelho circulatório. A possibilidade de conjunção entre períodos muito secos e poluição atmosférica pode trazer consequências ruins para a saúde das populações nas cidades. Isso já está acontecendo em Brasília, em alguns invernos recentes. E não se trata de risco que se resume aos grandes centros urbanos do Sudeste do país. “Em Rondônia, Mato Grosso e Acre, o período de maior seca é também quando se tem mais queimadas, que, por sua vez, são mais intensas em períodos de seca prolongada”.

No último grupo estão as doenças causadas por grandes desastres, que, no Brasil, estão principalmente ligadas a enchentes, chuvas e secas. “Já que não temos vulcões nem terremotos, os desastres naturais por aqui são, na sua maioria, provocados por eventos climáticos”, reitera o pesquisador.

Ele explica que por ser muito complicado definir quem está e quem não está vulnerável a determinado tipo de risco, usam-se grandes séries de tempo para estudar as doenças e entender seus padrões habituais, sua distribuição no espaço, as sazonalidades e regiões mais afetadas. Dados de anos passados também são utilizados para entender o comportamento de doenças, transformando-se em modelos capazes de apontar tendências. “Podemos identificar qual é o peso de cada variável climática na distribuição dessas doenças e riscos, a fim de poder prever cenários futuros. Recuperamos os dados em bancos do SUS, de onde vem boa parte da demanda dos estudos que realizamos, combinados com os dados de clima produzidos por agências brasileiras”, assevera Barcellos.

[Esta matéria integra a série dedicada às pesquisas desenvolvidas pelas sub-redes da Rede Clima]