In(ventos): pistas de uma cartografia climática para uma geografia de afetos


Diana Kolker Carneiro da Cunha[1]

 

 

Pistas para uma cartografia climática

Brisa, rajada, tufão, ciclone, tornado, minuano, ar-condicionado e ventilador. Desejo de in(ventar) com sopros de muitos corpos. Desejo de afetar e ser afetada. O presente artigo, onde apresento parte do meu estudo em desenvolvimento no programa de pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes (PPGCA-UFF)[2], se movimenta entre diferentes territórios e camadas de um evento público, a Bienal do Mercosul, do qual participei como colaboradora do projeto pedagógico.[3] No âmbito desta pesquisa pretendo abordar as tendências para a desmaterialização do objeto de narrativas fixas, tomando o vocabulário da climatologia como método e metáfora para estudar, sob uma nova ordem, as tendências ambientais que emergem da territorialização dos fluxos da arte contemporânea, transformando estruturas de percepções e políticas institucionais. Poderia a metáfora climática oferecer novas perspectivas para os estudos curatoriais nos interfluxos entre arte e sociedade? Experimentaremos para tanto a invenção de um método: uma cartografia climática nesta geografia de afetos.

Entre 2005 e 2007 pesquisadores e professores do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense e do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro passaram a se reunir sistematicamente em grupos de estudos a fim de elaborar pistas para um método da cartografia, que resultaram numa publicação com este mesmo título, organizadas por Eduardo Passos, Virgínia Kastrup e Liliana da Escócia. Esse processo coletivo se desdobrou na organização de seminários mensais envolvendo pesquisadores vinculados a outras universidades e gerou um segundo volume desta publicação. Cometo a ousadia de me infiltrar neste movimento, ensaiando de forma ainda preliminar a elaboração de pistas para uma cartografia climática, através do encontro entre os meus estudos envolvendo as duas publicações mencionadas com os estudos sobre o pensamento de Benedictus de Spinoza, mediados pelas aulas da professora Cristina Rautter, no curso de Estudos da Subjetividade, realizadas no programa de pós-graduação em Psicologia da UFF.

E considerarei as ações e apetites humanos exatamente como se fossem uma questão de linhas, superfícies ou de corpos. (SPINOZA, 2009, p. 98).

Num livro, como em qualquer coisa, há linhas de articulação ou segmentaridade, estratos, territorialidades, mas também linhas de fuga, movimentos de desterritorialização e desestratificação. As velocidades comparadas de escoamento, conforme estas linhas, acarretam fenômenos de retardamento relativo, de viscosidade ou, ao contrário, de precipitação e de ruptura. Tudo isto, as linhas e as velocidades mensuráveis, constitui um agenciamento (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 11).

A palavra cartografia designa um processo gráfico, a elaboração de cartas que apresentem o traçado de uma geografia. Sua conceituação vincula-se ao conceito de rizoma, formulado por Gilles Deleuze e Félix Guattari na introdução de Mil Platôs (1995), como um princípio que se difere da imagem de um livro-árvore (linear e verticalizado) ou de um mapa decalcado, por se fazer em simultaneidade com os movimentos de transformação das paisagens psicossociais. A cartografia como método não busca revelar, decalcar, investigar, explicar ou representar um objeto preexistente, mas acompanhar processos, dissolvendo as separações entre cognição e criação, promovendo encontros entre linguagens e matérias que favoreçam a expressão de certas intensidades, estabelecendo conexões infinitas e indetermináveis, com múltiplas entradas e saídas. Cartografar é inventar as trilhas no mesmo passo da caminhada. E não há trilhas que essa caminhada não possa inventar, não há caminhos que não possam se cruzar. Não existe um objeto dado, mas um plano coletivo de forças a ser experimentado, pensado, ativado, rearranjado sob novas formas e agrupamentos. A cartografia se dá, segundo Suely Rolnik, numa geografia de afetos, de paisagens psicossociais, de desejos que não param de mover, conectar e transformar (ROLNIK, 1989, p. 15). É, portanto, a própria geometria de afetos, “uma questão de linhas, superfícies e corpos”, como escreveu Spinoza, um processo gráfico que se faz através de procedimentos tão éticos quanto estéticos, inventados pelas pessoas que cartografam através dos seus encontros no ato de cartografar.

A cartografia como método de pesquisa não se inscreve nos modelos da ciência ocidental moderna, que pressupõem regras previamente estabelecidas e universais, aplicadas por um sujeito neutro sobre um objeto de estudo para alcançar um determinado fim. Spinoza escreveu, no Apêndice de Ética I, que todos os preconceitos que impedem a compreensão de seu pensamento dependem exclusivamente de um único: “que os homens pressupõem, em geral, que todas as coisas naturais agem, tal como eles próprios, em função de um fim” (2009, p. 41). Nesse sentido, a cartografia como método demanda um estado de atenção aos afetos e efeitos da experiência, dos encontros no objeto pesquisado e na(s) pessoa(s) que pesquisam, visto que “não existe nada de cuja natureza não se siga um efeito” (SPINOZA, 2009, p. 41). Não há um fim, há múltiplas possibilidades de composições, entradas, saídas, perspectivas. A cognição não corresponde a um procedimento de representação ou reconhecimento de um real precedente, mas a uma relação coengendrante entre o real e o conhecimento num plano de criação indiscernível. Ainda no Apêndice de Ética I, Spinoza afirma: “cada um julga as coisas de acordo com a disposição de seu cérebro, ou melhor, toma as afecções de sua imaginação pelas próprias coisas” (2009, p. 43). Ou seja, não há uma verdade transcendente e universal a ser acessada e representada, existem multiplicidades de encontros, afetos e efeitos, que se manifestam na experiência, nem mais nem menos verdadeiras. Nas palavras de Eduardo Passos e Regina Benevides: “a cartografia como método de pesquisa é o traçado desse plano da experiência, acompanhando os efeitos (sobre o objeto, o pesquisador e a produção do conhecimento) do próprio percurso da investigação” (2009, p. 18).

A composição com outros corpos, formando um corpo de múltiplos corpos, através do poder de contágio dos afetos é apontada por Spinoza como o mais útil princípio para a conservação do ser. Nada aumenta mais a potência de agir de uma pessoa do que um encontro que amplie a capacidade de ser afetada e afetar os corpos exteriores de muitas maneiras. (SPINOZA, 2009, p. 182). Da mesma maneira, na prática cartográfica, é útil tudo que aumenta as possibilidades de composições, que transforma o objeto e a si aumentando sua potência de conhecer/criar. Na pesquisa cartográfica o objeto não é isolado de sua trama de relações e articulações. Atenção às conexões e aos fluxos de forças que atravessam os objetos são fundamentais.

Mas o que significa propor uma cartografia climática? De que maneira podemos nos apropriar do vocabulário climatológico na presente pesquisa? No artigo Sobre a noção de diagrama: matemática, semiótica e as lutas minoritárias, Tatiana Roque aproxima a diagramática à noção de clima, apontando sua relevância como algo além do plano de fundo em que os acontecimentos se dão, mas como algo que participa de forma constitutiva de um evento.

A diagramática apresenta graus de intensidade, de resistência, de condutibilidade, de aquecimento, de velocidade. É uma condição climática, se entendemos o clima como aquilo que produz o sentido de uma ação, e não como um ambiente dentro do qual a ação se dá. (ROQUE, 2015, p. 100).

Dessa forma, na presente pesquisa me aproprio livremente dos instrumentos da meteorologia com a intenção de inventar ferramentas de observação das condições climáticas dos acontecimentos.

A palavra clima indica a média de variação das condições do tempo em uma região específica, através de fenômenos atmosféricos como ciclones, anticiclones, deslocamentos de massas de ar, pressão atmosférica, condições de temperatura, umidade, radiação, velocidade e direção do vento, precipitação. As características climáticas e as variações no tempo de cada região do planeta são afetadas pelos sistemas de circulação atmosférica. As diferenças de radiação solar em cada ponto do globo são equilibradas pelo movimento das porções de ar atmosférico. Quando estacionadas sobre uma superfície homogênea, as massas de ar adquirem suas características relativas à temperatura e umidade e, ao se deslocarem, levam essas características consigo. Tais qualidades não são fixas, são fluxos, em constante movimento e interação. Porque neste mover constante, mediante trocas de energia e encontros com eventos diversos, os elementos naturais estão sempre em relação e em processo de diferenciação.

Em regiões de baixas temperaturas, as moléculas de ar se aproximam, aumentando sua densidade. Como tudo que possui massa sofre ação da gravidade, as massas de ar mais densas apresentam maior pressão atmosférica e realizam um movimento descendente. Portanto, sua tendência é dispersar ventos para fora de si, em um movimento divergente. Em regiões com temperaturas mais altas, as moléculas de ar se afastam, tornam-se mais leves e realizam um movimento ascendente. Tais moléculas, por apresentarem baixa pressão, tendem a atrair os ventos para seu interior em um movimento convergente. Conforme o ar quente sobe, entra em contato com temperaturas mais baixas e esfria novamente. Da mesma maneira, quando o ar frio desce, entra em contato com temperaturas mais altas e esfria.

As zonas de convergência, em meteorologia, são áreas onde massas de ar heterogêneas se encontram, produzindo efeitos nas condições climáticas da região, como enchentes e estiagem. A Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), por exemplo, se forma pelo encontro entre a massa de ar equatorial continental, quente e úmida por formar-se na região amazônica, com uma frente fria, oriunda de latitudes mais altas, criando uma faixa de nebulosidade entre a região amazônica e o estado de São Paulo. Nas zonas de divergência, as massas de ar secas se movem em direções, níveis e velocidades diferentes, geralmente associadas à interação de massas de ar de alta pressão com ciclones de baixa pressão. Também encontramos estes termos na geologia, para a qual as zonas de convergência correspondem às áreas de encontros entre placas tectônicas, que além de terremotos e erupções vulcânicas, podem gerar o afundamento de uma placa sob a outra ou o soerguimento de cadeias montanhosas. As zonas de divergência, por sua vez, correspondem ao afastamento das placas, produzindo abalos sísmicos, tsunamis e também a formação de relevos. Podemos extrair dessas definições que os movimentos divergentes e convergentes de forças são potencialmente criadores de acontecimentos e formas.

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Figura 1: Estudos em climatologia. Diana Kolker.

Quando falamos em força, falamos em fluxo, vetor, energia, intensidade. Na física, a força é uma ação que interfere no estado dos objetos, em repouso ou movimento, podendo alterar sua aceleração, velocidade, direção ou sentido e lhes modelar, produzir trans-form(a)ções. Quando falamos em formas, referimo-nos às coisas, aos objetos, ao que está fixo, ao que conferimos contornos, ao que se apresenta através de uma dada configuração, ao que compõe aquilo que organizamos sob o nome de mundo real. De acordo com o geógrafo Milton Santos (2006), em cada período histórico um novo arranjo de objetos (formas) e ações (forças) a eles relacionadas se configura, assim como a atmosfera que está em relação de formação e transformação recíproca e ressonante com a superfície do planeta. Ainda que o objeto em questão seja materialmente o mesmo, quando as forças sociais transformam suas teias de relação com o objeto, ele se transforma.

Com as ferramentas conceituais que nos oferece o filósofo Gilbert Simondon, podemos desfazer o entendimento de realidade como um conjunto de formas fixas para concebê-la também como fluxos em relação às forças. Ou seja, podemos pensar uma genealogia das formas em relação de coengendramento com os planos de forças (ESCÓCIA; TEDESCO, 2009, p. 92). O que significa falar que as formas estão igualmente sujeitas às relações de velocidade ou lentidão, intensificações, acelerações, mudanças de direção e sentido e reconfigurações em sua estrutura. Essas forças sopram potências, possibilidades, que no encontro com as formas produzem uma multiplicidade de acontecimentos. E acontecimentos, assim como os fenômenos meteorológicos, vivem escapando de nossos esforços para prevê-los. Gilles Deleuze usa o conceito de hecceidade para pensar algo muito semelhante ao que aqui se apresenta: “as hecceidades são apenas graus de potência que se compõem, às quais correspondem um poder de afetar e ser afetado, afetos ativos e passivos, intensidades.” (DELEUZE; PARNET, 1996, p. 108). A cada acontecimento ocorre trans-form(a)ção. Isto porque para que o acontecimento se efetue, as forças se encontram com as formas existentes operando metamorfoses na sua significação, alterando a distribuição dos regimes de sensibilidade, regeografizando os afetos.

Além do uso meteorológico, a palavra clima é coloquialmente empregada para referir-se às condições afetivas ou mesmo políticas de um espaço-tempo. Se eu expresso “o clima daquele lugar não me agrada”, posso estar me referindo às suas condições atmosféricas ou afetivas. Spinoza, em seu Tratado Político, aproxima os afetos humanos, tais como amor, ódio, cólera, soberba e piedade, aos eventos meteorológicos e atmosféricos como o calor, o frio, a tempestade, a trovoada. Ambos guardam em comum sua imprevisibilidade e oscilação. Segundo Cristina Rautter (2013, p. 153), tal variação foi tomada por Hobbes e Descartes, pensadores fundamentais para episteme ocidental, como um fator negativo. Conforme a tradição cartesiana, a atividade racional e cognitiva deve estar separada da experiência afetiva. Para Hobbes as coletividades humanas necessitam de uma organização superior, que as protejam das oscilações afetivas e regulem seus efeitos. Spinoza, ao contrário, marca a relevância das experiências afetivas humanas para o conhecimento e para a política. Para o filósofo, os afetos possuem causas e propriedades precisas, que podem ser por nós conhecidas e têm a mesma relevância que o estudo de outros fenômenos da natureza:

Seja qual for a perturbação que possam ter para nós estas intempéries, elas são necessárias, pois têm causas determinadas de que nos preocupamos em conhecer a natureza, e quando a alma possui o verdadeiro conhecimento destas coisas, usufrui dele tal como do conhecimento do que dá prazer aos nossos sentidos. (SPINOZA, 1997, p. 440).

Os novos arranjos de forças ou os novos conjuntos formados pelos sistemas de objetos e ações, também implicam uma reorganização dos modos de ler, pensar, problematizar o que se passou, o que se passa, e projetar o que virá. Isto porque uma pesquisa cartográfica também é vulnerável aos climas e afetos, ela não se pretende neutra, nem se inscreve na tradição cientificista que separa o sujeito que investiga de um dado objeto exterior investigado. Ao longo de uma pesquisa as urgências do presente e os encontros que se tecem pressionaram a pôr em cheque a pertinência das questões, ainda que elaboradas em um intervalo de tempo diminuto, levando a transformar a perspectiva com que olhamos para elas.

No âmbito desta pesquisa aproprio-me livremente de tais definições do campo da climatologia a fim de pensar as práticas artísticas, curatoriais e educativas como massas de ar ou como forças que se movem e atravessam territórios, ora convergindo, ora divergindo. As formas podem ser relacionadas às materializações das práticas artísticas através das escolhas curatoriais em um dado território, neste caso as edições da Bienal do Mercosul realizadas entre 2007 e 2013. Falar em “práticas artísticas, curatoriais e educativas” e não em “curadoria”, “arte” e “educação”, implica a compreensão de que não estamos lidando com disciplinas fechadas em si mesmas, mas com forças que se movimentam em diferentes direções e velocidades. Significa compreender que cada uma dessas práticas possui seus trânsitos, velocidades, densidades, temperaturas, genealogias e atualizações, mas que não são isoladas, universais, estanques. Arriscaria ainda afirmar que sequer existem a priori, mas que vão se moldando e atuando no mundo, produzindo efeitos diversos nas contingências que atravessam, e sendo por elas afetadas. Tais práticas atuam através da invenção de novos modos de organização, transformando as instituições da arte, mas também os modos como as práticas artísticas se inter-relacionam com a sociedade, ganhando maior autonomia das instituições ou, pelo menos, transformando categorias tradicionalmente hierarquizadas em relações de contágios mais tranversalizadas. Em um subcapítulo do livro Além da Pureza Visual, denominado “Convergências”, o artista Ricardo Basbaum versa sobre a relação entre a produção de arte e pensamento, nos concedendo um modelo que permite inter-relacionar os campos sem suprimir das partes suas diferenças:

[…] qualquer possibilidade produtiva reunindo estas duas matérias deverá considerar as regiões de contato, as membranas e interfaces, tudo que é entretecido na região exterior comum aos dois campos. A intensificação do trânsito exterior às matérias indica a construção de uma espacialidade própria, a abertura para uma região de fluxos em permanente mutabilidade, onde percursos são instáveis, embora intensos. (BASBAUM, 2007, p. 59).

Desta imagem emerge um bloco de questões: o que impulsiona o movimento dessas forças para esta ou aquela direção? Como se relacionam os fluxos de coengendramento entre formas e forças, ou entre as edições da Bienal do Mercosul e as práticas artísticas, educativas e curatoriais? Como se manifestam os processos de produção e interação social com a arte quando as práticas curatoriais, educativas e artísticas se encontram? Elas se misturam? Preservam suas especificidades? Criam pontos de intersecção? Sobrepõem-se? Contagiam-se? Atritam-se? Dissolvem-se? E quando tais práticas se movem em direções divergentes? Elas se rompem? Desprendem-se? Separam-se? Autonomizam-se?

Tomamos a Bienal Mercosul como o espaço do acontecer que se entretece aos fluxos da história através de suas diferentes edições. Não há a intenção de transpor os significados dos instrumentos meteorológicos para este estudo, nem colocá-los em equivalência, mas pensar com eles, perceber suas afinidades e transformá-los de forma poética. Mais do que a experimentação de um instrumento dado, trata-se da experimentação da invenção deste instrumento, que será co-criado com aqueles que participarem do processo. A atenção desta pesquisa se move no estudo das forças que se encontram, se desencontram e se atravessam, produzindo novos paradigmas para a arte, educação e curadoria, dentro de suas microgeografias, mas também em suas ressonâncias para uma escala ampliada no tempo e no espaço. Sua dimensão experimental é potencializada pela criação de um método situado, implicado, sensível aos afetos e climas, que não se faz em função de um fim, mas de seu próprio acontecer. A pesquisa atualiza ainda os princípios da ética dos encontros de Spinoza em articulação entre zonas de alegria e tristeza, como geradoras de potência de agir e inibir, zonas de aquecimentos e esfriamentos da participação social da arte em um ecossistema geopoético.

Para tanto, lanço-me ao encontro com diferentes envolvidos nos processos de criação e interação social com a arte nas edições da Bienal do Mercosul a fim de desenhar com palavras e cores uma cartografia climática dessas experiências. Experimento a invenção de uma topologia das territorializações/temporalizações das práticas artísticas, pedagógicas e curatoriais, justapondo sobre as plantas, mapas da cidade e espaços expositivos das instituições a metáfora dos fluxos de ventos, zonas de encontros e contatos entre diferentes correntes de ar frio/quente, suas convergências e divergências, seus movimentos de atração e repulsão, suas trocas de calor. A invenção dos procedimentos topológico-cartográficos são experimentados no cartografar, com permissão para errar, no duplo sentido da palavra, na intenção de permitir que a pesquisa e a escrita se encontrem uma na outra, se engendrem mutuamente e alcancem suas potências através dos encontros que ela experimenta.

O e(vento) Bienal do Mercosul: territórios e territorializações

Se considerarmos o mundo como um conjunto de possibilidades, o evento é um veículo de uma ou algumas dessas possibilidades existentes no mundo. Mas o evento também pode ser o vetor das possibilidades existentes numa formação social, isto é, num país, ou numa região, ou num lugar, considerados esse país, essa região, esse lugar como um conjunto circunscrito e mais limitado que o mundo. O lugar é o depositário final, obrigatório, do evento. (SANTOS, 2006, p 93).

Para o geógrafo Milton Santos os eventos são simultaneamente a matriz do tempo e do espaço. O evento é presente sempre. Ainda que pensemos em um evento passado, invocamos um presente em determinado ponto do espaço-tempo. Pensamos esse passado atravessado pelos fluxos do ponto tempo-espaço pelo qual passamos. Quando projetamos o futuro, esticamos os fluxos do nosso presente para alcançarmos este presente vindouro. Mas os presentes jamais se repetem porque eles são feitos de fluxos, movimentos e encontros. Os eventos não estão isolados, se dão dentro de um conjunto sistêmico, objetos de uma organização com funcionamentos, escalas, intensidades e durações específicas. Eles são afetados e afetam outros eventos simultaneamente, convergem e divergem. Eles são, nas palavras de Milton Santos, acontecimentos solidários a outros eventos (SANTOS, 2006). São inter-relacionados e interdependentes. Dessa forma, este trabalho se insere menos em uma história da arte e mais em uma geografia da arte. Analiso as dinâmicas de fluxos globais e locais percebendo a materialização do evento Bienal do Mercosul como um acontecimento geográfico local e como espaço de ressonâncias dentro do circuito internacional das Bienais.

A Bienal do Mercosul é um evento promovido pela Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, criada em 1996 através de uma convergência de interesses públicos e privados locais, com o objetivo de projetar a arte contemporânea latino-americana no globo. Suas exposições são compostas por produções contemporâneas, com ênfase na arte latino-americana pós década de 1960, incluindo projetos comissionados especificamente para a mostra. Em vinte anos de existência a Fundação Bienal do Mercosul realizou dez edições. Todavia, foi a sua dimensão pedagógica, sobretudo entre a 6a e a 9a edição, que a singularizou entre as Bienais internacionais. Os números divulgados pela instituição, somando 5.435.341 visitas com acesso gratuito, 1.262.658 agendamentos escolares, formação de 1.832 jovens como mediadores[4], são muito expressivos para pensarmos o conjunto de forças no plano político, econômico e cultural que favoreceram a emergência desse acontecimento.

A instituição tomou para si o nome do bloco econômico formado em 1991 através do Tratado de Assunção, que reuniu originalmente Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai em um acordo comum de mercado, coordenando suas políticas macroeconômicas e afinando as legislações internas.[5] A associação entre países para formação de blocos econômicos se acentuou com a mundialização econômica pós-guerra fria, cujos principais objetivos eram ampliar as relações comerciais entre os países integrantes de cada bloco, os fortalecer em suas relações externas e promover a integração política, econômica e social. Embora não se encontre nenhuma agenda expressiva para o campo da cultura entre as diretrizes do Mercosul, o tratado favoreceu a constituição de um clima geopolítico para a fundação de artes que toma seu nome.[6] Para constituição deste clima favorável soma-se a inclusão do artigo 215 da Constituição Federal de 1988, que determina como dever do Estado brasileiro garantir a todos cidadãos e cidadãs o pleno acesso à cultura, através do apoio, incentivo, difusão e valorização das manifestações e produções culturais. O artigo abriu caminho para a criação da Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet, e para a Lei de Incentivo à Cultura do Rio Grande do Sul, que entraram em vigor respectivamente em 1991 e 1996. Tais leis funcionam através da aplicação direta do imposto de renda de empresas em projetos culturais aprovados pelas instâncias governamentais correspondentes e foram decisivas para viabilizar a existência da Fundação.

Se as condições que favoreceram a criação da Fundação Bienal do Mercosul vinculam-se, por um lado, a esta convergência de interesses e mecanismos público-privados, articuladas com grandes empresas e multinacionais, por outro lado, outras forças compõem essa geografia. Em 2001, 2002, 2003, 2005 e 2012 a cidade de Porto Alegre sediou o Fórum Social Mundial (FSM), evento que compartilhou tempo/espaço e sujeitos com a Bienal do Mercosul. Muitas pessoas que atuaram na Bienal do Mercosul participaram do FSM como organizadoras e como público. “Um outro mundo é possível”, slogan do FSM, fazia oposição direta ao Fórum Econômico Mundial, realizado anualmente desde 1974, em Davos (Suíça), com o objetivo de preservar, renovar e expandir o neoliberalismo no mundo. Se Davos assistiu a articulação entre as maiores multinacionais do globo, Porto Alegre foi o solo da articulação entre movimentos sociais, ONGs e comunidade civil com o objetivo de debater e criar outras possibilidades de vida, novas subjetividades, novas relações políticas e econômicas que se opõem aos efeitos do neoliberalismo e às desigualdades sociais provocadas pela globalização. Uma cidade habitada por cerca de 1 milhão e meio de habitantes enviou convites para a população do planeta com o fim de inventar um novo mundo. Como esses eventos se avizinham e estabelecem relações de solidariedade entre eles? Como acontecem na escala micro, molecular? De que maneira afetam seus agentes, seus participantes e criam novos sujeitos, novas instituições? De que maneira afeta e ressignifica as maneiras de ser público? Segundo Lazzarato (2007, p. 12) um acontecimento, ou événement, cria um novo campo de possíveis e esse novo conjunto de possibilidades inaugura uma transformação nas subjetividades, um processo de experimentação e criação:

É preciso experimentar aquilo que a transformação da subjetividade implica e criar agenciamentos, dispositivos, instituições capazes de se utilizar dessas novas possibilidades de vida, acolhendo valores que uma geração (que cresceu após a queda do Muro, no curso da fase de expansão norte-americana e com o nascimento da nova economia) soube criar: novas relações com a economia e com a política-mundo, uma maneira diferente de viver o tempo, o corpo, o trabalho, a comunicação, outras formas de estar junto, de entrar em conflito etc. (LAZZARATO, 2007, p. 12)

Uma geração de artistas, educadores, produtores, curadores se formou diretamente através da experiência pública na Bienal do Mercosul. Pessoas atuantes (ou não) no campo artístico e educativo da região viveram a experiência como mediadoras na instituição e a partir dessa experiência pública exerceram diferentes atividades nos quadros institucionais (mediação, supervisão, produção, comunicação, acervo, montagem, coordenação, curadoria etc.). Uma porcentagem expressiva desses participantes, especialmente a partir da sua 5ª edição, não possuía formação acadêmica em artes.[7] Nesse ambiente de formação extra-acadêmico a mediação da arte misturou-se, portanto, com a produção de sentidos e significados públicos sobre o que a arte é ou pode ser, visto que, para essas pessoas, tais sentidos e significados foram criados na interface entre a instituição e sociedade. Se a arte é – como indica o título da obra de Frederico Morais, curador da primeira edição da mostra – “o que eu e você chamamos arte”[8], como o evento afeta os modos de subjetivação e se insere numa genealogia da arte, da educação e da curadoria? Esse acontecimento nos possibilita pensar uma ontologia da arte baseada no sítio, nos encontros ao rés do chão?

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Figura 2: Zonas de Calor. Exposições da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre. Diana Kolker,2017.

Uma vez que a Bienal do Mercosul não possui sede própria, as exposições se distribuem pelos patrimônios arquitetônicos de Porto Alegre (como o cais do porto, a Usina do Gasômetro, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul, o Memorial do Rio Grande do Sul, etc.), no espaço público da região central da capital e, a partir da 7ª edição, de algumas cidades no interior do estado, ocupando esses lugares e tornando ainda mais agudas as suas conexões com a dimensão ambiental e geográfica. Dessa forma, acompanhando as transformações ao longo das edições do evento, verifica-se que para além de uma exposição de objetos de arte, a abertura de cada edição da Bienal marca a entrada em um tempo-espaço para arte, que pode se materializar através de trabalhos expostos em contextos que servem tradicionalmente para este fim ou não, mas sobretudo através de programas, acontecimentos, ativações, relacionadas aos lugares e às pessoas que o habitam. Seria impreciso pensar a Bienal do Mercosul sem pensar os processos de desmaterialização da arte nos últimos cinquenta anos, que transbordam o sentido das obras centradas em objetos para habitar o plano do acontecimento coletivo e ambiental, bem como a noção de site especifc no sentido que nos apresenta Miwon Kwon em seu texto Um lugar após o outro: anotações sobre site-specificity.

Segundo a autora, este conceito se transformou na produção de muitos artistas pós-minimalistas, transbordando a simples relação física entre objeto e lugar, para compreendê-lo na trama de relações políticas, culturais, institucionais e socioeconômicas, conduzindo a um processo de desmaterialização do trabalho de arte, ocupando espaços fora dos seus loci tradicionais, integrando a arte a uma condição de geografia ou acontecimento geográfico diretamente vinculado às interações sociais e borrando as fronteiras entre arte e não-arte. O conceito de site (lugar) também se desmaterializou, podendo ser aplicado a uma questão política ou social, um ambiente virtual, uma comunidade, um grupo étnico, um evento, uma narrativa histórica, etc. O conceito invoca interações desde o nível da produção de subjetividades, das mobilidades e estranhamentos das classes sociais e políticas de saberes e poderes. Em suas palavras:

Concomitante a esse movimento na direção da desmaterialização do site é a progressiva desestetização (por exemplo, recuo do prazer visual) e a desmaterialização do trabalho de arte. Indo contra o menor sentido dos hábitos e desejos institucionais, e continuando a resistir à mercantilização da arte no/para o mercado de arte, a arte site-specific adota estratégias que são ou agressivamente antivisuais – informativas, textuais, expositivas, didáticas –, ou imateriais como um todo – gestos, eventos, performances limitadas pelo tempo. O “trabalho” não quer mais ser um substantivo/objeto, mas um verbo/processo, provocando a acuidade crítica (não somente física) do espectador no que concerne às condições ideológicas dessa experiência. Nesse contexto, a garantia de uma relação específica entre um trabalho de arte e o seu “site” não está baseada na permanência física dessa relação (conforme exigia Serra, por exemplo), mas antes no reconhecimento da sua impermanência móvel, para ser experimentada como uma situação irrepetível e evanescente. (KWON, 2008, p. 170).

Todavia, se inicialmente essas transformações apontadas pela autora se movimentaram em uma direção divergente às práticas institucionais, recentemente, nas instituições de arte e seus grandes eventos – como as bienais internacionais –, elas foram incorporadas, transformando também as práticas curatoriais. Os paradoxos relacionados ao sistema de financiamento dos grandes eventos culturais e o lugar ocupado pelos projetos a eles associados são problemas micropolíticos inerentes aos empreendimentos culturais. Nas palavras de Guilherme Vergara, “podemos reconhecer a resistência poética da arte convivendo com a sua institucionalização ou espetacularização, a macro com uma microgeografia de acontecimentos solidários” (2013, p. 67)[9]. O lugar paradoxal e suspenso da arte é ativador de suas próprias condições, provocando o conceito de reversibilidade contemporânea pela justaposição desses sentidos aparentemente opostos.

Por sua vez, as ações realizadas pelo projeto pedagógico nas diversas edições da Bienal do Mercosul também se transformaram. Inicialmente o papel do educativo consistia, fundamentalmente, em prover informações sobre as obras e exposições de acordo com o discurso curatorial e legitimá-las diante de um público passivo. A partir da inserção do conceito de mediação, no lugar de monitoria, na quarta edição pudemos perceber a aceleração do movimento em direção a uma virada pedagógica. Através de uma perspectiva crítica, muito influenciada pelo pensamento do pedagogo Paulo Freire, o papel educativo rompeu com a concepção bancária de educação[10] e os mediadores passaram a convidar os visitantes ao diálogo e à participação no processo de construção de sentidos e relações sobre/com as obras e lugares que as abrigam. Diante das experiências com mediação, o público deixou de ser visto como uma abstração generalizada e homogênea e passou a ser percebido em sua multiplicidade, como sujeitos de acontecimentos. Ao mediador coube – através de perguntas, ações, relações – abrir caminhos para que cada visitante produzisse sentidos sobre os trabalhos de arte a partir das conexões entre as obras e seus pontos de vista, suas perspectivas, seus lugares no mundo. A experiência do público com a obra de arte também passou a ser compreendida como uma experiência situada, geográfica, local, específica. Uma pedagogia ambiental, uma pedagogia site specific. A desmaterialização do objeto da arte é acompanhada pela materialização de uma geografia de ações (SANTOS, 2006) políticas, estéticas, éticas, sociais, que cruzam a complexidade do território de mediações. A mediação, portanto, não está centrada em um sujeito, ela é um espaço de trocas, zona de contato. Este território de mediações está sujeito a vendavais, aquecimentos e esfriamentos, atração e repulsão, aumento e diminuição da pressão, choques, trocas térmicas. Este é justamente o ponto de partida para se explorar a trajetória da Bienal através do cruzamento cartográfico entre geografia de afetos e metáforas da meteorologia.

A partir da 6a edição do evento, curada por Gabriel Perez Barreiro, a dimensão pedagógica e sua convergência com as práticas curatoriais ganharam ainda mais força através da inserção da figura de um curador pedagógico, inaugurada pelo artista e crítico Luis Camnitzer. De acordo com Camnitzer (2009), a Bienal é uma instituição contínua, dedicada à educação e à arte, cuja mostra é parte de uma pesquisa pedagógica. Esta percepção implicou uma transformação paradigmática[11] na instituição, fenômeno que pode ser pensado nos termos da educational turn, estudada por Paul O’Neill e Mick Wilson, e tomado pela pesquisadora e curadora Mônica Hoff (2014) em sua pesquisa de mestrado, a fim de discutir as relações e tensionamentos do fenômeno no contexto de arte brasileiro, adotando como um dos estudos de caso a Bienal do Mercosul. A 6ª Bienal do Mercosul, portanto, pode ser vista como um marco (ponto angular) de uma virada e configura uma passagem fundamental para esta pesquisa no intuito de abordar uma intensificação dos fluxos locais e globais que interferem ou contaminam as práticas artísticas, educativas e curatoriais. Neste sentido propõe-se aqui pensá-la como parte de um ecossistema de relações locais, nacionais e internacionais que afetam e são afetadas pela territorialização geopolítica da arte e suas instituições.

Se por um lado, desde a década de 1960, podemos perceber nas práticas artísticas um processo de desmaterialização da obra de arte para habitar o plano da experiência e do acontecimento, aproximando suas práticas ao campo da educação, também verificamos, nas ações criadas pelos mediadores atuantes nas diversas edições da Bienal do Mercosul, a adoção de processos artísticos, críticos e experimentais. Pedagogias poéticas do encontro, microgeografias de afeto. A convergência entre as práticas artísticas, educativas e curatoriais, acompanhou um processo de ampliação das potências éticas da mediação, afastando seus agentes de uma condição de serviço e subalternização, para atuar enquanto mobilizadores de forças afetivas e criadoras numa esfera política e coletiva. Todavia, nem sempre o projeto pedagógico que orientou as ações do programa estavam afinados com os objetivos e interesses de outros setores que compõem a instituição. Analisar esses processos, portanto, não corresponde necessariamente a um estudo de causa e efeito, de espelhamento, de linearidade, mas de múltiplas forças, de tensões, encontros, desencontros, disputas, fissuras, rupturas e continuidades.

Na 8a edição da Bienal do Mercosul, Ensaios de Geopoéticas, com curadoria geral de José Roca e curadoria pedagógica de Pablo Helguera, as práticas curatoriais e educativas convergiram de forma mais significativa. Contrariando o modelo tradicional de Bienais e grandes exposições de arte no qual os projetos pedagógicos são produzidos a posteriori, como uma derivação do projeto curatorial, na 8a Bienal do Mercosul o projeto pedagógico foi intrínseco ao projeto curatorial. O título da 8a edição se referiu às diversas formas que os artistas propõem para definir o território, a partir das perspectivas geográfica, política e cultural, provocando o pensamento a respeito dos mecanismos de construção e legitimação de nações, Estados, fronteiras, identidades, narrativas históricas etc. Também fez alusão à proposta de ativação e descoberta da cidade através da arte e seus agentes. Foi composta por um conjunto de cinco exposições que se distribuíam por diversos espaços da cidade de Porto Alegre: Cidade Não Vista, cujas obras se espalharam por nove locais públicos no centro da cidade; Além Fronteiras, no MARGS (Museu de Artes do Rio Grande do Sul); uma exposição monográfica do artista homenageado, Eugênio Dittborn, no Santander Cultural e as mostras Cadernos de Viagem e Geopoéticas, distribuídas em quatro armazéns do Cais do Porto, espaço que costuma ficar fechado à circulação pública. Cada armazém do cais configurava um roteiro com equipes distintas cujos mediadores deveriam atuar somente no espaço ao qual estavam designados. Motivados pelos questionamentos que a própria edição suscitou, mediadores de diferentes equipes entenderam que sua imobilidade para além das fronteiras dos seus roteiros era uma convenção institucional que impunha uma limitação ao potencial educativo que a própria mostra poderia ativar. Assim criaram o manifesto da Mediação Nômade e propuseram a criação de novos percursos, a partir de relações conceituais criadas por eles – Um movimento que fez convergir as práticas educativas e curatoriais, visto que seu processo consistia na invenção de pequenas curadorias temporárias. A proposta foi bem recebida pela curadoria e incorporada com entusiasmo pela coordenação pedagógica da instituição. A seguir, o manifesto elaborado pelos mediadores nômades, que consta no relatório por mim organizado na ocasião:

Nós, os mediadores nômades, encontramos um no outro uma necessidade de transformação. Nosso coro não se queixa, reivindica. Não queremos bandeiras, marcos, nem mesmo uma faca para dizer que o território é nosso. Queremos a liberdade de atravessar fronteiras sem passaporte nem carimbos. Nós não enxergamos esta Bienal como um tecido já costurado, mas como um tear em constante atividade, e sentimos necessidade de sermos livres para cruzar essa malha mutante, escolhendo e sendo escolhidos na trajetória dos fios, seus nós e entrelaçamentos. Realizar viagens interarmazéns para absorver outras linguagens e olhares, proporcionando ao público um gole de cada rum, cachaça ou cerveja do caminho. Queremos, assim, dinamizar a interação público-obra sem repetir palavras por repetir, mas no intuito de construir nossas almas e consequentemente a do público de forma mais universal. Por isso, nos permitimos questionar até que ponto o projeto pedagógico pode ou deve ser pensado a partir da expografia? Sabemos que o espaço em si é um delimitador para a curadoria, pois existem algumas obras que poderiam estar na mesma mostra, mas encontram-se geograficamente distantes, e o diálogo que poderia surgir entre elas morre em silêncio. Queremos, enfim, ativar diálogos entre obras de diferentes armazéns e colocá-las em um mesmo fio mediador, mas não necessariamente condutor, que possa percorrer todo o cais autonomamente. (KOLKER, 2011, p.2).

Através dos nomadismos, mediadores arquitetaram outro cais, outras curadorias. Como podemos perceber no relato produzido pela pesquisadora e professora Helena Moschoutis, uma das propositoras desse movimento: “Nômades como o vento que não tem território fixo, mas modifica constantemente a paisagem por onde passa. Nosso trabalho mais bonito foi de modificar a paisagem visível e imagética dessa edição da Bienal” (apud KOLKER, 2011, p.10). Somando as plantas da exposição, os relatórios produzidos na época e as nossas memórias afetivas, convidei Helena Moschoutis a produzir comigo os procedimentos para uma cartografia climática dessa experiência. Criamos uma heliografia afetiva, um desenho dos ventos, explorando os elementos éticos e estéticos deste fazer cartográfico. Pudemos observar os momentos de aquecimento e esfriamento da visita, os momentos em que os fluxos de conversas foram ativados, em que a mediadora ocupou um lugar de atração e centralização dos ventos, os momentos onde a voz circulava entre o grupo. Helena indicou como os momentos mais aquecidos, aqueles em que as conversas intensificaram e o fluxo de pensamento e conexões se ampliaram e aceleraram. “Essas obras que eu te falei eu acho que foram mais vermelhas, mais aquecidas, que houve um fluxo bem forte.” Em nossa conversa, Helena recordou (2017):

[12][…] Era um dia extremamente quente, desses dias que tu fica cozinhando, sabe? De muita pressão atmosférica, aquele peso… Estava muito calor em baixo daquele uniforme. Eu lembro de ir caminhando para o [armazém] 4, ali pela beira do rio, pensando que não tinha dia pior para eu começar as mediações nômades. E no fim a mediação foi muito boa pra mim, foi um dia legal de lembrar. E eu lembro de pensar que a mediação tinha ressignificado todo aquele dia de trabalho difícil, árduo. Essa coisa de ficar em pé muito tempo que é… ócios do ofício, ainda mais um ofício institucionalizado[…] E aquele dia tudo se modificou por causa da mediação. Realmente era um dia muito pesado, nublado, que ia chover a qualquer momento e as coisas mudaram depois, ficou tudo bom. […] Isso acontecia muito comigo, com frequência, nas mediações. Eu ficava muito bem quando acabava. Com uma sensação… uma coisa assim… Eu tenho isso quando dou aula também. Não todos os dias, claro… Uma felicidade… que eu acho que é uma coisa do encontro, uma coisa que acontece quando a gente conversa com uma pessoa, quando a gente troca uma ideia, as coisas que nos são devolvidas no que a gente consegue despertar. (MOSCHOUTIS, 2017. Informação verbal.)

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Figura 3: Cartografia Climática Mediação Nômade, com Helena Moschoutis. Diana Kolker, 2017.

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Figura 4: Cartografia Climática Mediação Nômade, com Helena Moschoutis. Diana Kolker, 2017.

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Figura 5: Cartografia Climática Mediação Nômade, com Helena Moschoutis. Diana Kolker, 2017.

Na 9a Bienal do Mercosul, a noção de clima foi o mote principal de todo o projeto curatorial. O título “Se o clima for favorável” nos apontava como os diferentes climas – político, emocional, meteorológico – nos afetam individual e coletivamente. “Assim, não resta dúvidas de que o clima é tanto parte da natureza quanto um fenômeno cultural”, escreveu a curadora geral Sofia Hernandez Chong Cuy, no texto que abre o catálogo da mostra (CHONG CUY, 2013, p.34). O projeto se estruturou a partir de três programas públicos principais: A exposição Portais, Previsões e Arquipélagos; a série Encontros na Ilha e o Programa Pedagógico Redes de Formação, no qual atuei como supervisora de formação do núcleo de mediação. No Programa Redes de Formação, a experimentação de estratégias e procedimentos artísticos nas atividades de formação alcançou tamanha radicalidade que já não se ocupavam de instrumentalizar os mediadores, professores e o público para uma experiência posterior na mostra. Promovemos um abandono da lógica finalista (segundo o modelo em que o mediador é capacitado com o fim pedagógico de informar um público genérico) para uma afirmação da experiência, da singularidade dos encontros, da partilha de saberes, da multiplicidade, com ressonâncias nos aspectos mais fundamentais do pensamento do filósofo Benedictus de Spinoza, para quem as coisas não são meios para se alcançar um fim, elas possuem seus próprios valores, que não podem ser categorizados essencialmente como bem ou mal, belo ou feio, positivo ou negativo, mas que podem ser conhecidas através dos afetos que provocam no encontro, geradores de potência de agir.

A formação de mediadores foi composta por um conjunto de programas cujas atividades eram abertas, não se restringindo àqueles que atuariam como mediadores na exposição. Os Labs de Mediação eram encontros experimentais que articulavam a mediação da arte através de práticas pedagógicas à vivência/criação de práticas poéticas. Realizados semanalmente em diferentes espaços da cidade de Porto Alegre e arredores, eram concebidos com convidados a partir de textos ativadores, relacionando as práticas artísticas e educativas aos temas presentes na proposta curatorial da 9ª Bienal do Mercosul. A seguir, o texto que motivou o lab El Niño/La Niña: Os fenômenos atmosféricos e as condições climáticas no contexto da mediação, coordenado pela curadora/educadora Valquíria Prates:

El Niño e La Niña são fenômenos atmosféricos opostos. Se o primeiro é ocasionado pelo aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico, o segundo se deve ao processo contrário, o resfriamento anormal. A chegada de ambos não acarreta alterações e efeitos em uma única região do planeta, mas em todo ele, de distintas formas e simultaneamente, muitas vezes. As mudanças climáticas e os fenômenos atmosféricos são trazidos nesse lab como metáfora para discutirmos o campo das imprevisibilidades no que concerne à relação entre a educação e a arte através da mediação. Interessa-nos dialogar sobre aquilo que não está posto no discurso da mediação, o imprevisto possível e o previsto improvável, sobre o que acontece quando massas de ar diametralmente opostas (escola/museu; metodologias educacionais e artísticas) se encontram, que choques geram e como se comportam e dialogam. (KOLKER; PEPPL, 2013, p. 19)

O laboratório proposto por Valquíria Prates foi desenvolvido no centro da cidade de Porto Alegre. Os participantes realizaram obras instrucionais das artistas Yoko Ono e Marjetica Potrč, convidando as pessoas que transitavam nos espaços públicos a se envolverem na proposta. Após a atividade os grupos reuniram-se para conversar sobre as questões que emergiram na experiência, mediados por Valquíria. O contato direto com o público, o desafio de convidar as pessoas a participarem de uma proposição artística, a convergência entre práticas artísticas e educativas, as diferenças entre o planejamento da ação e o seu acontecimento, a imprevisibilidade das experiências, a interferência do clima, a relatividade do certo e do errado, foram algumas das questões debatidas. No Lab O Clima da Mediação, concebido pelo Coletivo E (coletivo de educadores artistas do qual faço parte), em parceria com Margarita Kremer (primeira coordenadora pedagógica da Bienal do Mercosul), realizado na Fundação Vera Chaves Barcelos, na cidade de Viamão, pensamos sobre o conceito de clima em seu sentido ampliado. Qual a interferência das condições atmosféricas em um acontecimento? E nas pessoas? Podemos transformar as condições climáticas? É possível prever o tempo? Como “medir a temperatura” de um grupo de visitantes à exposição? Que elementos são importantes para criar um clima favorável? Neste laboratório estabelecemos relações entre a natureza do clima e dos afetos através da experiência dos participantes, conforme podemos ver no relatório produzido por mim e Rafa Éis (Rafael Silveira), artista integrante do Coletivo E, na ocasião em que o laboratório foi realizado:

O grupo se encontrou no centro de Porto Alegre para realizar a atividade na Fundação de artes Vera Chaves Barcelos, na cidade de Viamão. A Bienal do Mercosul ofereceu um ônibus fretado para os participantes. Experimentamos a mudança de ventos, de paisagem, a expectativa, a espera, os imprevistos as conversas no caminho. Os mediadores envolvidos na atividade encontraram-se, desde o percurso de ida até o de retorno, em uma posição análoga a de grande parte das turmas que visitarão a Bienal. Quando e onde começa a visita? No encontro foram abordadas as mudanças climáticas (em sentido amplo) implicadas neste deslocamento, as estratégias que podem ser adotadas pelos mediadores para medição do clima do grupo visitante e os instrumentos que podem criar para afetar o clima do público, de maneira a torná-lo favorável a uma experiência significativa. Como atividades, experimentamos as múltiplas possibilidades de acesso a uma exposição de arte através das dinâmicas – Os tipos de nuvens – temas que pairam sobre poéticas e Velocidade e direção dos ventosRelações entre as palavras escolhidas na mostra e além, pautadas na criação coletiva de relações entre os trabalhos expostos e o olhar de cada participante sobre os mesmos. (KOLKER; SILVEIRA, 2013, p. 1).

O projeto pedagógico da 9a Bienal do Mercosul tomou a noção de clima em seus mútiplos sentidos, mas especialmente em sua dimensão psicossocial. Buscamos criar com (e não para) os públicos as condições favoráveis para uma experiência significativa. Compreendemos que a experiência com a arte não se limita ao ensino de arte como disciplina, mas também como um meio de pensar o nosso ser/estar no mundo, de ampliar nossa capacidade de perceber, de afetar e sermos afetados. Conforme podemos perceber nas palavras da mediadora Maria Soledad:

Os encontros nos lugares mais diversos da cidade (no trem, no antigo centro clandestino de detenção de presos políticos, no parque, no centro da cidade…), em espaços fechados e abertos, profundamente políticos e orientados ao público, com aparência de “pouco a ver com a arte”, favoreceram paradoxalmente uma reflexão específica sobre a nossa prática, o nosso potencial como mediadores, incluindo ferramentas próprias da ação de mediar. Intenso como programa, já que o afeto não era sentimentalismo pessoal, mas conteúdo poético e político, didática e método. A proposta foi de afetos. A proposta pedagógica me pareceu, em si, poética e política: esteticamente rica, provocadora de sentimentos, pensamentos, atitudes, escândalos e espantos, perguntas, buscas, conhecimentos, trocas e movimentos éticos de todo tipo. É assim que penso a poesia e a política.[13](KOLKER, 2015, s.p )

A mediação passa a ser vivida como um território de encontros, um espaço de trocas, uma zona de contatos, nem sempre pacíficas – conforme nos ensina Clifford (2016) – onde a ação mediadora circula entre os sujeitos presentes nesse território. Experimentamos uma pedagogia cartográfica que inventa seus caminhos na própria caminhada e cujo corpo caminhante é composto de muitos corpos. A pedagogia da arte, nesse sentido, não se insere em uma “ordem explicadora”, que divide os sujeitos entre aqueles que sabem e os que não sabem, como nos aponta Rancière (2011, p. 20). Não existe uma verdade a ser acessada através da mediação, mas existem multiplicidades de encontros, afetos e efeitos, que se manifestam na experiência, nem mais nem menos verdadeiras. A cognição, nesse sentido, não corresponde a um processo de representação de um real. A arte tampouco. Na pedagogia cartográfica, é mais potente o que aumenta as possibilidades de composições, que transborda as próprias perspectivas e as narrativas únicas em favor da multiplicidade. A pedagogia cartográfica é climática, afeta na mesma medida em que é afetada, transforma tanto quanto é transformada, apresenta graus de intensidade, de resistência, de condutibilidade, de aquecimento, de velocidade. Está sujeita a mudanças de direção, sentido, velocidade, temperatura, atração, repulsão e reconfigurações em sua estrutura. Tem a potência de afetar o tempo, produzir um acontecimento, criando um novo campo de possíveis e transformando subjetividades.

Imprevisões do tempo

06

Figura 6: Maelström. Aurelien Gamboni e Sandrine Teixido. 9a Bienal do Mercosul, 2013.

Estávamos agora no cinturão de espuma que sempre circunda o torvelinho; e pensei, é claro, que dali a um instante seríamos tragados pelo abismo -no fundo do qual podíamos enxergar apenas indistintamente, devido à espantosa velocidade à qual éramos carregados. O barco não pareceu de modo algum afundar na água, mas deslizava como uma bolha de ar sobre a superfície da vaga. O lado do estibordo ficava próximo do torvelinho, e a bombordo assomava o mundo de oceano que deixáramos para trás. Era como uma imensa muralha contorcendo-se entre nós e o horizonte. (POE, 2012, p. 124).

A imagem que integra o trabalho Maelström, da dupla Aurelien Gamboni e Sandrine Teixido, foi exposta na 9a Bienal do Mercosul (2013) e reapresentada na exposição Baía de Guanabara: Águas e Vidas Escondidas (2016), no MAC Niterói. Interessados nas relações entre natureza e cultura, os artistas percebem nos eventos cataclísmicos a manifestação mais radical e incontornável desses entrelaçamentos. Em Porto Alegre, a dupla abordou a enchente que assolou a capital em 1941. Em Niterói, uma tragédia ocorrida no Morro do Bumba,[14] em 2010. O processo dos artistas envolve o contato com a comunidade, através da escuta de testemunhos das pessoas que vivenciaram essas catástrofes, leituras públicas do conto Uma descida ao Maelström – escrito em 1841 por Edgar Allan Poe, que narra a experiência de um sobrevivente a um redemoinho –, debates e uma produção escrita resultante desses encontros.

É deste mesmo conto de Edgar Allan Poe que me aproprio para pensar os atravessamentos do atual contexto, na presente pesquisa. A estibordo o turbilhão e, a bombordo, o oceano que se ergue como uma parede entre nós e o horizonte. Embora a pesquisa se dedique a um fenômeno muito recente, ela se engendra em um contexto onde as correlações entre objetos e ações – para usar as já mencionadas palavras de Milton Santos –, atravessam imensas transformações em altíssima velocidade, produzindo incertezas, angústias e medos sobre o porvir. Como nos lembra Boaventura de Souza Santos (2016), retomando Spinoza, somos seres de medo e esperança e a incerteza emerge da relação entre esses sentimentos. Todavia, assim como no movimento das massas de ar, que carregam as características do seu território de origem e se transformam no encontro com outros elementos, territórios ou fenômenos, “o processo social está sempre deixando heranças que acabam constituindo uma condição para novas etapas.” (SANTOS, 2006, p. 91).

A força centrípeta desses ventos quentes da intuição me conduzem ao interior desta pesquisa-ciclone e me perguntam se é possível criar ações com a potência de afetar o clima, de alterar o tempo? É possível cartografar as mudanças dos ventos, gerando potências de cuidar melhor dos afetos, dos impactos climáticos e do tempo? Que ventos inventam um evento? Que inventos um evento venta?

Bibliografia

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Recebido em: 15/07/2017

Aceito em: 01/08/2017


[1] Especialista em Pedagogia da Artes (UFRGS), bacharel e licenciada em História (PUCRS), Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes (UFF). Email dianakolker@gmail.com

[2] Esta pesquisa, com o título (E)ventos e (In)ventos: as zonas de convergência e divergência entre as práticas artísticas, educativas e curatoriais, se encontra em desenvolvimento no programa de pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes (PPGCA), na Universidade Federal Fluminense (UFF), com orientação de Dr. Luiz Guilherme Vergara.

[3] Colaborei com o programa educativo da Bienal do Mercosul desde a quinta edição, em 2005, quando tive minha primeira experiência como mediadora de uma das exposições da mostra. Desde então atuei na instituição através da supervisão da equipe de mediadores, concepção e realização de cursos para professores da rede pública e privada, e concepção e supervisão, junto à Mônica Hoff (curadora de base da 9a edição e coordenadora pedagógica), do programa que se tornou um dos principais da instituição: o curso de formação de mediadores.

[4] A palavra ‘mediador’, neste caso, faz referência aos sujeitos atuantes na interface entre arte e público, vinculados ao projeto pedagógico da instituição. Em cada edição da Bienal do Mercosul, o projeto pedagógico promove um curso de formação de mediadores com o objetivo de preparar uma equipe responsável pela condução de visitas educativas nas exposições. Este programa foi assumindo tamanha importância que chegou a tomar um período maior que a própria mostra. A atuação dos mediadores e o próprio conceito de mediação também foi se transformando, borrando as fronteiras entre as práticas artísticas, educativas e curatoriais.

[5] Atualmente “são Estados Associados do MERCOSUL a Bolívia (em processo de adesão ao MERCOSUL), o Chile (desde 1996), o Peru (desde 2003), a Colômbia e o Equador (desde 2004). Guiana e Suriname tornaram-se Estados Associados em 2013.Com isso, todos os países da América do Sul fazem parte do MERCOSUL, seja como Estados Parte, seja como Associado.” Acesso em: 9 maio 2017. <http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul>.

[6] Através de pesquisa à página oficial do Mercosul, verifica-se a ausência de políticas expressivas no campo da cultura. A menção à cultura aparece apenas como o quinto eixo do plano estratégico de ações sociais, localizando-se como um subtema nos organogramas do tratado. A Fundação Bienal do Mercosul não é citada na página, indicando a ausência de articulação com as esferas políticas do estado nacional. Disponível em <http://www.mercosul.gov.br/>. Acesso em 2 maio 2017.

[7] Contamos com mediadores oriundos de diversas áreas de formação, como psicologia, história, comunicação, geografia, letras, biologia, arquitetura, astronomia etc.

[8] Referência ao título da obra de Frederico Morais, Arte é o que eu e você chamamos arte: 801 definições sobre arte e o sistema da arte. Rio de Janeiro: Record, 1998.

[9] Vergara desterritorializou o conceito Acontecer solidário, do geógrafo Milton Santos, e reterritorializou-o nos estudos contemporâneos das artes. Segundo Santos, os acontecimentos são “(…) uma cristalização de um momento da totalidade em processo de totalização. Isso quer dizer que outros acontecimentos, levados pelo mesmo movimento, se inserem em outros objetos no mesmo momento. Em conjunto, esses acontecimentos reproduzem a totalidade; por isso são complementares e se explicam entre si.” (SANTOS, 2006, p. 107).

[10] “Na visão bancária de educação, o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.” (FREIRE, 1978, p. 67).

[11] As mudanças institucionais alavancadas na 6a edição do evento, conforme narrou o curador Gabriel Pérez-Barreiro, podem ser sintetizadas através de três frentes interseccionadas: “a necessidade de um novo modelo curatorial/geográfico, a necessidade de aprofundar sua relação com o público e, por fim, de uma reforma estrutural na administração e gerenciamento do projeto a fim de garantir seu futuro.” (PEREZ-BARREIRO, 2007, p. 21)

[12] Trata-se de um depoimento inédito de Helena Moschoutis extraído de uma conversa realizada através de meio virtual, como parte do processo cartográfico realizado na presente pesquisa.

[13]Depoimento concedido por Maria Soledad Mendez no dia 23 de fevereiro de 2015.

[14]Ocupação localizada na cidade de Niterói (Rio de Janeiro) que se formou sobre um antigo lixão. O local foi marcado pela tragédia: um deslizamento de terra, ocorrido em 2010, provocado pela alta incidência de chuvas somada à emissão de gás metano gerado pelo lixo soterrado. Estima-se que cerca de 200 pessoas moravam na área, que contava com uma creche comunitária. A tragédia tornou-se símbolo do descaso do poder público com as ocupações irregulares no Brasil.

In(ventos): pistas de uma cartografia climática para uma geografia de afetos

 

 

RESUMO: O artigo aborda os movimentos de convergência e divergência entre as práticas artísticas, educativas e curatoriais nas diferentes edições da Bienal do Mercosul, realizadas em Porto Alegre (RS – Brasil), através da apropriação livre de um vocabulário climatológico para concepção de um método e plano conceitual. No presente trabalho apresento pistas para elaboração do método da cartografia climática através do encontro com o pensamento de Benedictus de Spinoza. O artigo se movimenta entre diferentes territórios e camadas, percebendo as dinâmicas de fluxos globais e locais e a materialização da Bienal do Mercosul como um acontecimento geográfico, lançando algumas questões para pensar essa geografia de afetos.

PALAVRAS- CHAVE: Cartografia. Artes Visuais. Bienal do Mercosul.


Inventions: clues from a climatic Cartography  to a geography of affections

 

 

ABSTRACT: The article discusses the convergence and divergence movements between the artistic, educational and curatorial practices in the different editions of the Mercosul Biennial held in Porto Alegre (RS – Brazil), through the free appropriation of a climatological vocabulary for the conception of a method and plan Conceptual. In the present work I present clues for the elaboration of the climatic cartographic method through the encounter with the thought of Benedictus de Spinoza. The article moves between different territories and layers, perceiving the dynamics of global and local flows and the materialization of the Mercosur Biennial as a geographic event, throwing some questions to think about this geography of affections

KEYWORDS: Cartography, Visual Arts, Mercosul Biennial


 

CUNHA, Diana Kolker Carneiro da. In(ventos): pistas de uma cartografia climática para uma geografia de afetos. ClimaCom [online], Campinas, ano. 4, n. 9, Ago. 2017. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=7288