INTERVALAR – Devir-caiçara | Laís de Paula Pereira

Título | INTERVALAR – Devir-caiçara | Laís de Paula Pereira

Uma câmera. Diversas mãos e olhares que se entrecruzam [o que impossibilita saber os autores de cada foto], muito ansiosos por mostrarem e falarem o que andam vendo, cheirando, inventando, sentindo, tocando, sonhando, vivendo e tateando por aí, ali e acolá. Essa série de montagens fotográficas e foto-poesias é fruto da pesquisa de mestrado intitulada (des)afinando os sentidos: experimentações de um devir-caiçara, realizada pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), junto às comunidades tradicionais caiçaras, em especial as localizadas na porção sul da Península da Juatinga, Paraty, RJ. São imagens de um cotidiano nada extraordinário. Fotografias errantes. Foto-não-grafadas. Entre-grafias. Sem foco, sem efeitos, só com afetos e movimentos de uma vida que não parou de acontecer para que um clique acontecesse. Acontecimentos. Registros de passagens e passageiros que, muitas vezes, já não são, já não estão, não vemos ou não querem se mostrar. Fotografias e narrativas feitas em encontros e desencontros, no imprevisto e no previsto. Nos gestos, nas cores, nas luzes e nas distintas direções. A cada escolha feita, um evento, um novo invento. Não sei se para contar uma história, criar realidades outras, guardar de recordação, desajustar composições, brincar com o que [ou quem] está olhando etc., mas as fotos vão sendo feitas em desencaixes, desordenadas e sem explicações. Comumente as histórias narradas sobre os caiçaras os atrelam a tradição e a um ‘lugar’, margeado por fronteiras que delimitam o que ‘deve’ estar ‘dentro’ e o que ‘deve’ estar ‘fora’ da sua cultura, bem como o que ‘devem fazer’ e o que ‘não devem fazer’. De acordo com Deleuze e Guattari, a casa (óikos) não pode ser pensada independentemente dos modos de existência que se inventam e, de outra parte, não pode ser reduzida a um conjunto de necessidades a serem preenchidas segundo funções, ou a serem gerenciadas segundo determinações extrínsecas (Godoy, 2008). Assim, em busca de possíveis linhas de fuga, os caiçaras navegam por entre arquipélagos e continentes como se precisassem se afastar do “seu lugar” e do que lhes foi dado de antemão para que os (des)encontros aconteçam. Essa movimentação de ir e vir é uma experimentação de devir-caiçara, que levanta questões sobre o feitio da multiplicidade e da diferença nos processos de produção de suas realidades. O ato de criar e inventar esse nomadismo no “seu lugar” possibilita que os caiçaras se movimentem e desafi(n)em localismos exclusivistas, provocando rachaduras no próprio conceito de “caiçara”. Assim, para que se criem possibilidades de invenção de outras narrativas (histórias silenciadas por discursos que ditam o dever-ser caiçara em detrimento de um devir-caiçara) e para que os caiçaras sigam a viagem à deriva (encontrando e desencontrando arquipélagos inesperadamente e, por sua vez, a todo momento, desnaturalizando o continente), essa pesquisa vai de encontro às potencialidades de existência deles, parando para olhar, para
escutar, para sentir junto a eles o fluxo que corre enquanto muitas forças tentam silenciar o que se fala e invisibilizar o que se mostra, de modo a ignorar o inacabamento do ser caiçara.

 


Laís de Paula Pereira
Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal
Fluminense (UFF)
E-mail | laisbiouff@gmail.com
Telefone | (21) 98303-9344

FICHA TÉCNICA
Título da obra | Devir-caiçara
Artista | Laís de Paula Pereira
País | Brasil
Ano | 2018

 

PEREIRA, Laís de Paula. Devir-caiçara. ClimaCom – Esse lugar, que não é meu? [online], Campinas,  ano 9, n. 22. maio 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/intervalar-devir/


 

SEÇÃO ARTE | ESSE LUGAR, QUE NÃO É MEU? | Ano 9, n. 22, 2022

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