Uma releitura entre um vídeo game, mudanças climáticas e as migrações para conectar as pessoas a imaginários climáticos | Gláucia Pérez

Uma relação entre imagens e sons mais tecnológicos através de um vídeo game que utiliza a arte para reproduzir a experiência de uma migração animal, e um grupo de pesquisa que analisa imagens de diferentes artistas, permite fazer uma conexão entre as pessoas e os imaginários climáticos. E ainda considerar outras interpretações possíveis através de experimentações que vão além de uma mera denúncia das migrações.

Por | Gláucia Pérez

Editora | Susana Oliveira Dias

 

Um vídeo game idealizado pelo Atractor Estudio, de nome Los Migrantes, que foi criado por um grupo colombiano de artistas, biólogos e engenheiros que trabalha técnicas da engenharia mecânica, eletrônica e informática a partir das artes, e o filósofo e artista colombiano Santiago Arcila Rodríguez, faz parte de um imaginário climático que pode ser acessado através de uma experiência tecnológica de migração animal. O vídeo game conta a história da migração das aves “toutinegras de asas douradas”, que ocorreu em 2014, do Canadá até a Colômbia.

Fonte: Video Atractor Estudio – Los Migrantes

 

Devido ao aquecimento global e eventos extremos climáticos, essas aves tiveram que alterar a sua trajetória original, que teria a Flórida nos EUA como sua rota final, e fizeram um caminho alternativo através do México e América Central até chegar a Colômbia. Uma ideia central que está no vídeo game é que a migração é um fenômeno natural, mas que atualmente se dá também por causa das mudanças climáticas. Quem nos explica sobre o vídeo game é Santiago.

Segundo Arcila é importante produzir através de modelos conceituais, estéticos e tecnológicos alternativas para provocar encontros imagéticos que confrontem com realidades, cenários e futuros catastróficos. O vídeo game Los Migrantes não está propondo uma denúncia sobre as questões das migrações climáticas, mas uma visão a partir da experiência da migração animal que permite semear e plantar ao atravessar por vários territórios. O game está propondo outros encontros possíveis.

O vídeo game permite simular a sabedoria dos povos originários de adotar a visão do animal, que é ao mesmo tempo uma conexão que envolve uma aliança entre espécies, entre os humanos e os animais, e a partir desta interação desenvolver outras percepções e encontros com espécies distintas, considerando o “vir a ser”; e que ao transformar o que vemos, é uma forma de mudar como agimos ao que nos acontece e cerca. Complementa que Los Migrantes é um jogo a respeito da emergência climática.

Fonte: Vídeo Atractor Estudio – Los Migrantes

 

Frente ao que Santiago nos explica podemos fazer também uma relação com as migrações humanas, que proporcionam conexões de afetos, culturais e trocas de conhecimentos que podem ser vitais para repensar “novas formas de associação entre modos distintos de existência”, e assim, encontrar maneiras possíveis de reconstrução para o planeta.

 

Obras artísticas apresentadas em imaginários climáticos

 

Um grupo de pesquisa do Laboratório de Estudos Audiovisiuais – OLHO, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, coordenado pelo pesquisador Antônio Carlos Amorim, do INCT mudanças climáticas – fase 2, subcomponente comunicação de risco, divulgação do conhecimento e educação para a sustentabilidade, também se interessa pelos imaginários climáticos e as relações artísticas que tratam sobre o tema das migrações. Os estudos do grupo se baseiam a partir das pesquisas da professora inglesa Kasia Paprocki sobre o meio ambiente em Bangladesh.

Para essa autora, literaturas recentes examinam novos imaginários e materialidades da vida em um futuro alterado pelo clima. Especificamente, baseiando-se em insights dos estudos de Anna Tsing e Donna Haraway sobre viver nas ruínas do capitalismo e das mudanças climáticas para refletir sobre as transformações em curso em ecologias humanas e não humanas interconectadas, Kasia Paprocki refere-se à ideia de ecologias plurais, como formas múltiplas e cambiantes de conhecer a natureza. Dedica-se a pesquisar sobre como novas ecologias do rural forjadas por agências de desenvolvimento nesta região imaginam futuros não agrários para essas áreas que há muito abrigam agricultores e comunidades agrícolas. Tensiona as novas epistemologias de retorno ao rural a partir de perguntas-problema tais como: esse movimento é uma visão de resiliência climática urbana que geraria a desvalorização da vida rural e dos meios de subsistência? Ou seja, os imaginários climáticos que se agregam representações de uma ruralidade que está em desacordo com as mudanças climáticas

“inevitáveis” trariam consigo uma “necessária” ruptura com os modos de vida e existência histórico-culturais que são singulares a determinadas regiões? Certamente, vislumbra-se a análise de uma situação paradoxal.

Amorim nos conta que o grupo de pesquisa tem interesse em analisar os efeitos de sentido das “imagens mais tecnológicas ou vinculadas as relações tradicionais entre humanos e ambiente”. E ainda em “analisar as imagens” através de diferentes obras de artistas que produzem artes visuais sobre o tema, e isso, para que o “imaginário climático” ganhe “dimensões e interpretações” diferenciadas. Com seu grupo, investigam-se imaginários nos quais a representação do futuro tem imagens de sustentabilidade ambiental como referência.  Para tanto, especialmente a partir da pesquisa de iniciação científica de Pedro Battistella Sentinaro (bolsista IC/CNPq) e graduando em Licenciatura em Física da Unicamp, analisaram o conjunto de publicações de artistas da seção Artes da Revista ClimaCom, destacando como os métodos de criação artística descritos e as imagens escolhidas para compor as publicações, articulam-se aos imaginários climáticos.

De acordo com o pesquisador o estudo tem a intenção de reconstruir as histórias e memórias de vidas de migrantes, e que ao mostrar ao espectador, esse também refaz as construções que já têm estabelecidas em suas memórias sobre as migrações humanas em geral, e não especificamente as das migrações climáticas. Considera-se também que essas imagens são capazes de denunciar e mostrar acontecimentos e fatos das migrações, que de outra forma não saberíamos. (Link com a notícia completa em pdf)

 

Gláucia Pérez é bolsista TT Fapesp no projeto INCT-Mudanças Climáticas Fase 2 financiado pelo CNPq projeto 465501/2014-1, FAPESP projeto 2014/50848-9 e CAPES projeto 16/2014, sob orientação de Susana Oliveira Dias.

Coletivo e grupo de Pesquisa | multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações (CNPq)

Projetos | Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC) – (Chamada MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9); Revista ClimaCom: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/ e Revista ClimaCom.