Estrela Santos | Somos uma coisa só?

TÍTULO: Somos uma coisa só? (2018)


 

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Somos uma coisa só?” é um vídeo DE arte de 19 segundos feito a partir de fotografias que acompanharam a deteriozação de uma mão pintada em uma folha da espécie Epipremnum aureum ou mais conhecida como jibóia. A obra, assim como seu título, questiona a relação entre a natureza e o homem. Dependência, superioridade ou simbiose?

 


“Sobre o caso da arte com a verdade

Certa vez a ARTE estava voltando pra casa, observando os pássaros e as nuvens que dançavam no céu. E também, as pessoas e plantas em suas diferentes versões e formatos interagindo em meio a milhões de pequenas partículas que flutuavam a luz do sol poente. Embargada por aquelas sensações decidiu entrar em uma rua diferente. Quem sabe ela poderia encontrar o inesperado antes de chegar a casa?

A VERDADE que arrumava as notícias recém-chegadas em sua banca de jornal, vendo a ARTE entrar em uma rua diferente da usual gritou-lhe:

– Ei Dona ARTE! A senhora esta errada. A rua certa que vai para vossa casa é aquela dali. Todos sabem isso. Por aí, a senhora a de se perder ou coisa pior.

A ARTE, uma ariana sem papas na língua, respondeu lhe a advertência com um sonoro:

– Oras VERDADE, Vá cuidar da sua vida!

E desde então a ARTE e a VERDADE não se dão.

Esse conto inspirado por Nietzsche ilustra o descompromisso da arte com a verdade. Mas o que seria a verdade?  O filósofo alemão apresenta sua definição como sendo:

 

Um batalhão móvel de metáforas e metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: As verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas. (Nietzsche, 1873)

 

E a arte? Na verdade, o que é arte? A arte não se ilude. Ela já foi pensada e conceitualizada de diferentes maneiras. Ao sabor dos acontecimentos históricos e da necessidade dos homens sua ela se modificou e continua se modificando. Porém, definitivamente e ela não é reconhecida como sólida, canônica e muito menos obrigatória, pelo menos hoje em dia.

Essa posição da arte, avessa as linearidades lógicas e as convenções socialmente estabelecidas, lhe dá uma autonomia, liberdade e um enorme espaço para criar. Diferente de outras instituições sociais como a política, a religião, as ciências e até mesmo na publicidade e sua lógica de mercadológica que apoiadas no intelecto, crença ou metodologia se esforçam para moldar, organizar, manter, justificar, defender e difundir sua realidade “sólida”. Fixando lugares ou situações onde as pessoas possam repousar, ter estabilidade, controle e manter relações de domínio e poder.

A arte aparece hoje dissonante com as convenções, descomprometida com a estrutura social, e talvez por isso ela esteja tão permeável.

Desde a “perda de sua aura” a arte se tornou desconfiada, questionadora de si e dos outros… observa a natureza, os seres… ela é a natureza e os seres… ela sente que tudo está em constante movimento. Que o repouso é uma utopia. As coisas não são, elas estão sendo. E essa compreensão do caráter provisório do homem e de suas verdades, amplia seus os horizontes em um mar de possibilidades. Permite que ela aceite a contingência como parte do processo e não como um obstáculo. Talvez a arte perceba a vida como uma sucessão de contingências, e ela enquanto parte desse fluxo contínuo pode absorver essa condição imprevista em sua poética ao invés de tentar controlá-las.

O caráter experimental da arte, sua natureza inacabada e em constante metamorfose é capaz de tocar, desestabilizar, impulsionar a reflexão… a imaginação do improvável, deslocando fronteiras. Tem potencial de libertar o homem de suas próprias regras.

A natureza em sua humilde grandiosidade também nos mostra que não é possível controlar o porvir e que as plantas só crescem se a chuva cair…  e a chuva é parte de sua contingência.

Não sei se isso um dia será uma verdade, mas se fossemos menos orgulhosos de nossa inteligência racional e mais sintonizados com a natureza e com nossa percepção, assim como a arte o é, talvez as verdades já não seriam reconhecidas como verdades e sim como possibilidades. Talvez isso nos faria mais leves… menos castradores conosco e com os outros. Menos responsáveis de manter fixo  o que inevitavelmente vai se mover. Sendo quem sabe possível até… viver nossa vida de acordo com nossos próprios desejos/projetos”.

Estrela Santos, em resposta à pergunta feita pelo editor do dossiê “A linguagem da contingência”, professor Eduardo Pellejero.

 


FICHA TÉCNICA

Artistas: Estrela Santos

Ano: 2018

País: Brasil

Link para a obra: https://www.youtube.com/watch?v=24Md4A_-cn4&feature=youtu.be


 

Estrela Santos é artista visual no Rio Grande do Norte. Seu trabalho reflete sua relação com as pessoas e com a natureza ao seu redor. É a partir dessas interações que surgem as fricções e inspirações para a materialização de suas obras, que ela elabora através de diferentes meios, seja uma história em quadrinho, uma instalação ou um vídeo arte. 

 

 

 

SANTOS, Estrela; Somos uma coisa só?. ClimaCom – A Linguagem da Contingência [online],  Campinas,  ano. 6, n. 15. Ago. 2019 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/estrela-santos…-coisa-so-2018/

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SEÇÃO ARTE | A LINGUAGEM DA CONTINGÊNCIA | Ano 6, n. 15, 2019

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