Ecologia de devires | Susana Dias (coord.)

Título: Ecologia de devires | Susana Dias (coord.)



Para experimentar o devir-ameríndio propus aos alunos que trouxessem plantas e máquinas fotográficas para a sala de aula. Teríamos uma conversa com o filósofo mexicano José Ezcurdia pela internet sobre o seu texto “Deleuze, devenir índio y la crítica a la modernidade”, veríamos imagens de artistas e de povos africanos e ameríndios que experimentam relações entre os corpos, as plantas e o fotográfico. A ideia partia da percepção de Deleuze e Guattari de que os devires são sempre menores e nunca estão sozinhos. Pensava inicialmente, em conexão com a leitura proposta, em fazermos montagens com as fotos que fossem produzidas e imagens vegetais microscópicas para explorar um devir-ameríndio-intenso-molecular, criando cenas que dessem expressão a uma certa potência xamânica desse encontro entre corpos, plantas e o fotográfico. Mas experiência seguiu por outras trilhas, fomos tomados por um entusiasmo e uma alegria vegetais, pela potência espiritual do encontro com as plantas. A maioria de nós nunca havia feito uma vivência dessa natureza, nem tinha experiências com performances, e muitos não gostavam sequer de serem fotografados. As plantas trouxeram liberdade para os corpos, nos convidaram a sair de certos disciplinamentos, despertaram devires-plantas-mulher-criança-animal-monstro, sempre em passagens e acoplamentos entre-devires que deram a ver, sentir e pensar “a restauração da terra como fonte de bons encontros” (EZCURDIA, 2016, p.125).

 


Oficina | Ecologia de devires

Concepção | Susana Dias

Participantes e fotos | Alice Copetti, Carolina Avilez, Gáucia Perez, Luciana Martins, Maria Cortez, Mariana Vilela, Rafael Ghiraldelli, Tatiana Plens Oliveira e Susana Dias.

Disciplina e orientação | JC 012 Arte, ciência e tecnologia, MDCC-Labjor-IEL-Unicamp.

Grupo e coletivo | multiTÃO prolifer-artes subvertendo ciências, educações e comunicações

Outras imagens deste trabalho podem ser vistas no livro Floresta² que organizamos no âmbito da disciplina.

 


 

Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da disciplina “JC012 – Arte, ciência e tecnologia”, segundo semestre de 2019, ministrada pela professora Susana Dias, no Mestrado em Divulgação Científica e Cultural (MDCC), do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no segundo semestre de 2019. O problema que nos interessou pensar na disciplina neste semestre foi o de entrar em comunicação com um mundo todo vivo, com uma matéria viva, ativa e criativa (DELEUZE & GUATTARI, 1997; STENGERS, 2017; EZCURDIA, 2016; DADA & FREITAS, 2018). Para experimentar essa possibilidade buscamos pensar o que pode ser comunicar em parceria com a floresta, propondo encontros com diversos lugares, materiais e práticas em busca de aprender com diferentes ofícios a como ganhar intimidade com as florestas. Uma das questões que a floresta suscita de interessante para pensar é o fato de reunir uma diversidade de seres-coisas-forças-mundos e propiciar condições para encontros, com a possibilidade de gerar coevoluções, cocriações. Nessas coevoluções-criações estão sempre envolvidas ecologias de devires (negro, índio, animal, vegetal, criança, fungo, máquina, pedra, animal, linha, luz, elemental, cósmico…), a chance de que sejamos afetados e afetemos, de que nos engajemos em movimentos de alegre imbricação recíproca com as minorias, com os não-humanos, com tudo o que pode potencializar o pensamento e a relação com a Terra. Os encontros, e os exercícios de composição sensível entre heterogêneos feitos pelo grupo, e que estão publicados neste dossiê, buscam dar vigor ao chamado de pensar a comunicação como um perceber-fazer-floresta. Uma fé na “instauração” (SOURIAU, 2017; LAPOUJADE, 2017) de toda uma sensibilidade de outra natureza, que permita criar um campo problemático potente para lidar com as dualidades sujeito-objeto, realidade-ficção, humanos-não-humano, matéria-espírito. Uma atenção ao gestos que mobilizam uma “lucidez alegre” (STENGERS, 2017) e que não nos relegam à impotência, afirmando uma vitalidade e confiança no presente e futuro diante destes tempos desafiadores (DANOWSKI & VIVEIROS DE CASTRO, 2014; STENGERS, 2015; LATOUR, 2019).

Bibliografia

DADA, Faseyi Awogbemi; FREITAS, Glória. Dialogando com a semente de obi ou a floresta: um convite para conhecer um pouco da nossa tradição religiosa e cultura Yoruba. ClimaCom – Diálogos do Antropoceno [online], Campinas, ano. 5, n. 12. Ago. 2018 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=9478

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 4. Trad. de Suely Rolnik. São Paulo: Ed. 34, 1997, pp. 11-113. (Coleção TRANS).

EZCURDIA, José. Cuerpo, intuición y diferencia em el pensamento de Gilles Deleuze. Ciudad de México: Editorial Ítaca, 2016.

DANOWSKI, Débora; CASTRO, Eduardo Viveiros de. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Desterro [Florianópolis]: Cultura e Barbárie: Instituto Socioambiental, 2014.

LAPOUJADE, David. As existências mínimas. São Paulo: n-1, pp. 43-59, 2017.

LATOUR, Bruno. Bruno Latour: “O sentimento de perder o mundo, agora, é coletivo”. [Entrevista concedida a] Marcs Basset. El País, 31 de março de 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/…/internac…/1553888812_652680.html Acesso em: mar. 2019.

SOURIAU, Étienne. Los diferentes modos de existencia/ Étienne Souriau: prefácio de Bruno Latour; Isabelle Stengers. Trad. Sebastian Puente. 1a. ed.. volumen combinado. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Cactus, 2017.

STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naif, 2015, pp. 91-99.

STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Trad. Jamile Pinheiro Dias. Belo Horizonte: Chão de Feira. (Caderno de Leituras No. 62). 2017. Disponível em: https://chaodafeira.com/…/2017/05/caderno-62-reativar-ok.pdf Acesso em ago. de 2019.

Projetos:

– Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC) – (Chamada MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9)

– “Por uma nova ecologia das emissões e disseminações: como a comunicação pode modular a mais intensa potência de existir do humano diante das mudanças climáticas?” (CNPq).

– Revista ClimaCom: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/

 

 

 

 

 

DIAS, Susana et al. Ecologia de devires. ClimaCom [online],  Campinas,  ano 7, n. 17. 2020 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/coletivo-multi…esta-de-afetos

 


SEÇÃO ARTE | Ano 7, n. 17, 2020

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