Residências reúnem indígenas e não indígenas em criações conjuntas de arte digital | Gláucia Pérez

No dia 23 de abril ocorreu o evento online “Indígenas (e) Artistas – Conexões Multisaberes”, organizado no âmbito do projeto AIRE – Arte com Indígenas em Residências Eletrônicas, que viabilizou encontros para trocas de informações e ideias e criação de arte digital que auxilie os povos originários a divulgar suas culturas e saberes ancestrais.

Por Gláucia Pérez

Editora Susana Oliveira Dias

 

 

No evento “Indígenas (e) Artistas – Conexões Multisaberes”, realizado dia 23 de abril, foram apresentadas duas criações em arte digital cocriadas por mulheres indígenas e não indígenas, artistas e não artistas. O grupo se reuniu durante três meses de encontros virtuais na residência AIRE – Arte com Indígenas em Residências Eletrônicas, que contou este ano com a participação de 22 pessoas. A organização não governamental, Thydêwá, que foi fundada no ano de 2002 em Salvador, foi a criadora desse projeto que tem como proposta a divulgação da cultura indígena e do diálogo através da diversidade cultural. De acordo com o Sebastián Gerlic, um dos fundadores não indígena da ong, o evento foi uma possibilidade de instauração de uma “fogueira online”, ou seja, de criação de uma “roda de conversa” para pensar coletivamente o que foi criado.

A experiência da residência eletrônica uniu em torno de objetivos comuns onze mulheres do projeto que estão em localidades distantes, para cocriar arte digital levando em consideração o olhar de cada colaboradora. De acordo com os relatos das colaboradoras, os encontros na residência foram para dançar, sentir, e respeitar as diferenças: “As vozes foram ouvidas sem julgamento”, lembra Valéria Scornaienchi.

Um dos vídeos apresentados teve como tema a não compreensão da voz feminina, e foi feito trazendo partes do corpo da mulher que pudesse unir e conectar gestos, corpos e lugares. O nome do vídeo – “Atucse” – é a palavra “escuta” ao contrário e remete às vozes incompreensíveis das mulheres e da mãe Terra. “Nossas vozes às vezes são mal interpretadas, não ouvidas, ou deixadas de lado, principalmente por sermos indígenas. Participar desses vídeos é mostrar os anseios e dores das mulheres indígenas, além da possibilidade que a arte nos dá para mostrar a nossa luta e descolonizar esse preconceito conosco”, disse Carina Souza, dos povos Desana.

Imagem | Vídeo Atucse

 

O segundo vídeo – “Sonho profundo” – apresenta imagens animadas e sobreposições em transição, geradas por aplicativo e com o uso de fotos das próprias participantes e imagens de animais, plantas, fogo, rio etc.. Apresenta-nos uma dimensão lúdica, remete as alterações de consciências durante uso de plantas mágicas, conecta-nos com a ancestralidade e com os gritos e sussurros das mulheres como coletivos de humanos não humanos, de seres visíveis e invisíveis.

Imagem | Vídeo Sonho Profundo

 

Observando esse foco no feminino, Susana Dias, pesquisadora e professora do Labjor/Unicamp, e coordenadora do tema integrador Comunicação, disseminação de conhecimento e educação para sustentabilidade do INCT Mudanças Climáticas fase 2, convidada como comentadora ressaltou como os vídeos faziam pensar: “estamos vivendo no momento uma certa impotência de escuta do feminino, uma impotência de escuta da Terra, da floresta, das águas… da Terra, da floresta que está dentro de nós, da Terra e da floresta da qual somos parte”.

A residência e o evento trouxeram a potência da arte e da tecnologia de gerarem encontros e de serem elementos também de combate aos ataques aos povos originários, que há mais de 500 anos veem seus conhecimentos, práticas e culturas constantemente questionados e deslegitimados. Na mesma semana do evento, no dia 20 de abril, os indígenas do Baixo-Tapajós fizeram protestos em Brasília contra a mineração e a construção de hidrelétricas em suas terras. As fotos e imagens do protesto circularam em notícias nos meios de comunicação e mostravam os manifestantes utilizando celulares e o Ministro Ricardo Salles fez um comentário mesquinho e preconceituoso em sua rede social: “os índios da tribo do iPhone”. (Link com a notícia completa em pdf)

 

Gláucia Pérez é bolsista TT Fapesp no projeto INCT-Mudanças Climáticas Fase 2 financiado pelo CNPq pro- jeto 465501/2014-1, FAPESP projeto 2014/50848-9 e CAPES projeto 16/2014, sob orientação de Susana Dias e Antonio Carlos Amorim.

Coletivo e grupo de Pesquisa | multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações (CNPq)

Projetos | Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC) – (Chamada MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9); Revista ClimaCom: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/ e Revista ClimaCom.