Ações locais têm espaço importante na pauta de fóruns globais

Acordos políticos em grande escala são importantes para o debate de mudanças climáticas, mas dependem de decisões em nível local para ganhar efetividade

Por Meghie Rodrigues

Se do ponto de vista científico existe uma forte interconexão entre global e local sobre possíveis causas das mudanças climáticas, as ações para lidar com elas não podem prescindir desta conexão. A conclusão é de Jean Ometto, coordenador do Centro de Ciências do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CST/INPE). Para ele, que já foi parte da comissão científica de fóruns como os da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em Inglês),  das Nações Unidas pelo Meio Ambiente (PNUMA) e da UNESCO, só é possível ter algum resultado global se localmente as pessoas e instituições estiverem sensibilizadas para a questão: “senão, se fala em ações globais sem que haja uma efetividade.”

A observação é interessante principalmente quando se pensa no alcance – e resultado – das Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COPs), que terão sua vigésima edição em dezembro deste ano em Lima, no Peru. Para Ometto, frisa-se muito a importância de acordos em âmbito global, esquecendo, às vezes, que é preciso ações localizadas para que o plano de escopo alargado funcione. Isto explicaria a pouca visibilidade que a conferência na capital peruana vem recebendo em detrimento da COP21, que acontece em Paris, na França, no ano que vem. A expectativa para a reunião na capital francesa é a redação de um tratado com força legal que substituirá o documento assinado em Quioto, no Japão, em 1997. Lá, o diálogo caminhará no sentido de alcançar um acordo entre líderes mundiais para reduzir as emissões de gás carbônico na atmosfera a partir de 2020 – e assim evitar que a temperatura do planeta aumente mais que 2ºC nas próximas décadas.

As discussões em Lima, no entanto, têm um papel importante para lançar as bases do acordo a que se quer chegar em Paris no ano que vem. Segundo o pesquisador, entre os elementos importantes que serão debatidos, as questões regionais deverão ser aprofundadas, especialmente  sobre como os países que não são do anexo I [da UNFCCC] poderão trabalhar para que o documento seja inclusivo,  “não apenas em comprometimento mas no sentido de mapear e identificar oportunidades para que os países possam cumprir suas metas”, observa.

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O foco no âmbito regional ganhou espaço na última reunião de cúpula da ONU em Nova Iorque no dia 23 de setembro. A “Cúpula do Clima” reuniu representantes do setor privado, da sociedade civil e cerca de 120 líderes mundiais (além das mais de 400 mil pessoas que foram às ruas no mundo todo, para chamar a atenção destes líderes, dois dias antes do evento) com o objetivo de discutir ações, já em curso ou ainda necessárias, para evitar que a temperatura do planeta aumente em 2ºC até 2030.

A discussão foi compartimentada em oito áreas – agricultura, cidades, energia, financiamento, florestas, indústria, resiliência e transporte – e teve um forte componente local-global. A seção de Cidades, por exemplo, foi presidida pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e recebeu prefeitos do mundo todo para discutir ações para reduzir as emissões de gás carbônico em 454 megatons (o equivalente à energia liberada pela detonação de 454 toneladas de dinamite) anualmente até 2020. Um passo importante, já que em 2011, um relatório da ONU sobre Assentamento Humano constatou que as cidades são responsáveis por 70% das emissões de gases provocadores do efeito estufa e consomem 70% da energia produzida globalmente, mesmo ocupando apenas 2% da extensão territorial do planeta.

Além disso, o evento teve a participação de ONGs pequenas, “que normalmente só conseguiriam ter impacto maior se estivessem ligadas a ONGs de grande porte”, conta Flávio Eiró, sociólogo e pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, houve uma maior pluralidade na participação de diferentes atores nas discussões em Nova Iorque: “isto aponta para uma tendência menos impositiva nas tomadas de decisões em nível mundial”, no sentido de que elas não fluem apenas verticalmente de cima para baixo, mas antes, “surgem também de baixo para cima”. A expectativa é de que esse novo modo continue nos próximos acordos sobre mudanças climáticas.