ECO cantos da terra, um meio minúsculo


 

Rodrigo Reis Rodrigues[1]

 

Foram três os pulsos que motivaram a produção de um documentário em torno de um concerto musical contemporâneo. O primeiro se relaciona com a questão da circulação da obra. Como emancipar um concerto contemporâneo do confinamento reservado às universidades e às salas especializadas de música erudita? Como levar uma obra com produção cara e de montagem laboriosa – que envolve cerca de 50 pessoas, entre performers e técnicos – para os mais diversos locais de apresentação, sobretudo para além das capitais culturais? Neste sentido, um documentário foi o meio que encontrei para não deixar que a obra caísse no esquecimento, ou mesmo ficasse refém de uma espera por financiamento e, assim, pudesse circular em eventos temáticos, pequenas cidades, escolas, espaços culturais periféricos, independentes e alternativos.

O segundo pulso se relaciona com o desejo de proliferar e polinizar uma ética que nasce a partir da aliança com a eco e que está implícita e explícita na composição. Nos últimos 20 anos, o ativismo ambiental permeou e norteou os meus fazeres, estudos, pesquisas, práticas em redes e coletivos, atividades artísticas e profissionais. Deste modo, como poderia deixar de implicar esta ética no meu trabalho de conclusão de curso? Nele, a eco se engendra numa composição para orquestra e voz e faz brotar na sala de concerto os minerais, as raízes e galhos, bichos correndo soltos e uma invasão de pássaros e insetos em revoada… tornando um território antes reservado para o homem, com suas representações de natureza e paisagens domesticadas, num ecossistema sonoro diverso, vivo, arriscado e selvagem.

O terceiro pulso parte de uma necessidade de comunicação e tem objetivos pedagógicos. Em relação à música considerada erudita, sobretudo a contemporânea, sempre me ocupei por oferecer um entendimento para o ouvinte, frente a uma linguagem que se faz cada vez mais hermética e distante do cotidiano. Desta forma, seguindo a tradição dos concertos didáticos, o documentário apresenta Eco de forma explicativa e acessível, sobretudo para o leigo da linguagem musical. Arrisco que a principal motivação de produzir o vídeo documentário seja a de compartilhar o cotidiano de trabalho e os problemas de um compositor contemporâneo em seu processo criativo. Neste caso em particular, permitir que as pessoas vejam a culminância artística de uma trajetória de duas décadas dedicadas à música, à filosofia da diferença e à ecologia. O que, em si, já abre diversas possibilidades de discussão extramusical, como, por exemplo, sobre o fazer artístico, arte e política, arte e ecologia, filosofia da música, bioética, arte e educação, vocação, formação e profissão em música, pesquisa bioacústica e em biofonia, mudanças climáticas, educação ambiental, criação artística como prática de liberdade e invenção de novos modos de ser, fazer, habitar e conviver no mundo etc.

É imprescindível registrar que a produção do documentário só foi possível devido a competente gravação[2] e a primorosa edição do concerto, realizada no trabalho multidisciplinar junto à equipe orientada pelo prof. Pelópidas Cypriano e dirigida por Marcos Lamego em parceria com o Departamento de Artes Plásticas (DAP) do Instituto de Artes (IA) da UNESP. A equipe conseguiu captar as diversas posições das fontes sonoras e equalizar e masterizar uma multiplicidade dos sons[3]. As dificuldades de captação também se estenderam às imagens: iluminação de espetáculo igualmente espacializada e presença do público, somadas à poética do light designer Flávio Silva, que criou no ambiente os climas e a dramaticidade de uma floresta noturna e escura.

A principal questão em torno do documentário contorna a parceria criativa e a escolha do diretor em quem encontraria a disposição, a habilidade técnica e a sensibilidade para conter um concerto e a narrativa da pesquisa e dos processos composicionais a ele implicados. Quem poderia traduzir tudo isso em linguagem simples e acessível, sem prescindir da delicadeza poética? Não tenho dúvidas de que a primeira aposta foi a mais acertada.

A estética micropolítica da documentarista Tania Campos faz ressonância com tais anseios e necessidades. Decorreram seis meses de trabalho entre o primeiro encontro e a edição final do documentário. Foi na ocasião da estreia que descobri na parceria com a Tania um fértil encontro dos sonhos e dos quintais de duas crianças, a da cidade e a da roça. Ao mesmo tempo se produzia em nosso encontro a confluência entre as lutas micropolíticas de dois artistas na afirmação de suas sensibilidades estéticas. Sobre isso, eis o seu canto:

 

A micropolítica entre quintais, uma prosa com Tania Campos

 

“Sonhar imagens materiais é imediatamente tonificar a vontade”

Gaston Bachelard

 

Tania conta que “antes de iniciar o roteiro do documentário Eco – Cantos da Terra, senti necessidade de traçar uma cartografia, literalmente, com as referências e os percursos artísticos que compunham o Rodrigo. Precisava afinar o meu repertório urbano ao dele, para juntos criarmos um acesso por onde pudesse entrar na sua obra. Um caminho não-invasivo, sem aparatos tecnológicos indelicados, um território expandido, em outro tempo, onde a documentarista pudesse encontrar o compositor. Tal lugar estabeleceu o ritmo do filme. Andamento caipira que contempla as escalas macro e micro na natureza, suas engrenagens biológicas e pequenos pulsos e velocidades dos corpos”.

“As pistas que surgiram dessa cartografia aproximaram mundos improváveis: os filmes de Mazzaropi com o neobarroco de Matthew Barney. Mazzaropi mesmo sendo um estereótipo, propiciava um encontro com o romântico caipira, em seu sentido etimológico do tupi ka’a pora, ”habitante do mato”, a partir da junção de caa (mato) e pora (gente). Um corpo que experimenta outras sensibilidades e, só por isso, escapa da captura funcional capitalística. A cena de Gaia, sua pele de terra e grunhido de fera, encontrava a estética pós-humanista de Matthew Barney, um artista que cria, tal como Rodrigo, sistemas mitológicos que se apresentam como futuro/porvir”.

001 Cartografia documentário - esquema Tania Campos

Cartografia de Tania Campos para o documentário ECO Cantos da Terra

 

Desta forma, Tania dá ao documentário, planos abertos e lentos, que segundo ela, “contribuem para o metabolismo das diversas paisagens sonoras apresentadas e que convidam o espectador a deslocar a função do olhar e ativar a apreciação via escuta. Pequenos interlúdios trazem imagens de cada reino. Seixos de pedras, troncos, asas de bichinhos e também blackout para as passagens de Manoel de Barros”, na voz complexa e agridoce, de avó e de menina, da Celina Ramos. “Blackouts onde a poesia é o devaneio da imagem”.

A produção de Eco foi totalmente independente, gravada em alta definição com um celular e o Handy Recorder Zoom H2n, por quintais das casas de amigos. Sobre este modo micropolítico de produzir, acessível a qualquer pessoa, Tania expõe que “as condições técnicas não são impeditivos e funcionam como disparadores moleculares”. Nesse sentido, nossa parceria se afina com o pensamento de Guattari (2005) para quem a ordem molecular “é a dos fluxos, dos devires, das transições de fases, de intensidades”. (GUATTARI e ROLNIK, p. 386).

Ao final desse processo, quando era capaz de reconhecer os cantos de diferentes pássaros, e escrever partituras das nuances de sons da roda dos carros de boi, é que Tania percebe que nosso trabalho era o que deveio de nossas primeiras invencionices de criança.

 

002 Partitura Carro de Boi - esquema Tania Campos

Partitura para edição voz-roda de carro de boi por Tania Campos

 

Diz Tania “Na cidade, costumava brincar no quintal de casa, observando as nuvens e a me perguntar aonde iria dar o infinito. Foi o primeiro desejo de registrar o que os olhos não davam conta. Passava tardes enquadrando formigas e tatus-bolinhas com uma câmera imaginária… Enquanto que, com sua batuta de graveto, por pastos e quintais da roça, Rodrigo regia a orquestra da natureza: mugidos, a piarada do fim da tarde, revoadas, o vento na copa das árvores, o som das águas… além de fazer concertos de piano nos encostos de sofás, enquanto ouvia LPs”.

Para Tania o documentário ECO – Cantos da Terra, “configura um território de afirmação criativa no cinema, na música, na performance e na poética da transformação e produção de realidade. Novos modos de existência que dilatam limites. Sementes e brotos que se alastram, dando início a desejos primevos de mundos: novos quintais, novas cosmopolíticas”.

 

Guia cartográfico de concerto para o ouvinte

 

ECO Concerto

Eco foi a tarefa de conclusão do curso de Composição e Regência, orientado pelo professor compositor Alexandre Lunsqui, onde me propus condensar os conhecimentos apreendidos durante os sete anos de estudo e pesquisa entre 2010 e 2016 no IA-UNESP. Além disso, foi lugar onde expressei experiências e valores que tem a ver com uma primeira infância rural num pedacinho de Brasil Profundo, num povoado do interior de MG. Depois, na cidade, a educação musical erudita na infância e adolescência. A adaptação em SP, metrópole onde vivo desde 1996, e a partir daqui, da incursão que fiz pela dança contemporânea, pela filosofia, pela clínica psi e o amor pela ecologia.

Não considero Eco uma obra autoral. Tem mais a ver com autopoiese[4], obra autopoiética. Trata-se da ocupação de um território, onde tive intenção de criar e compor um ecossistema vivo e potente, de produção de subjetividade, um campo de afecções eco-políticas e, com isso, de contribuição em pesquisa acadêmica. Necessário subverter o termo compor = por com, por em comum. Ato criativo onde o compositor fomenta um ambiente composicional; onde composição se torna compositura (como em tessitura); e a sala de concerto se torna um ecossistema sonoro.

 

Raízes, que espalhem e destruam o asfalto

Galhos, que cresçam e arrebentem os fios

Bichos, que voltem e livres tomem conta

Humanos, que definitivamente desapareçam

 

Eco é o resultado da tarefa composicional e da produção coletiva para musicar o aforismo que escrevi, creio que em 2005. Naquele momento, muito envolvido com os rumos de uma cidade e um país que seguiam cada vez mais hostis em relação à natureza, aos ecossistemas e às políticas ambientais.

Tanto o aforismo quanto Eco se fazem na aliança entre diversos conceitos sobre Ecologia, Ética e Filosofia Contemporânea, principalmente o Ecocentrismo proposto pelo ecologista americano Aldo Leopold (2008) e a Ecosofia proposta pelo filósofo francês Felix Guattari (2001). A Ecosofia é um novo paradigma ético-estético, que foi desenvolvido no último escrito do Guattari, As Três Ecologias, um denso ensaio de 1989. Para ele, uma revolução ecológica se inscreve a partir da articulação de três platôs existenciais: a ecologia da mente ou da subjetividade, das relações sociais e do meio-ambiente.

Mas, falando em música, Eco, dialoga com estilos e linguagens pós-tonais, sobretudo com o microtonalismo presente em toda a obra musical do compositor italiano Giacinto Scelsi e com a Ecologia Sonora do canadense Murray Schafer (2001). Também é importante citar a Biofonia de Bernie Krause (2013) e a Zoofonia de Hércules Florence (1993), que é um tema à parte. Desenhista que veio para o Brasil no século XIX, participou da Expedição Langsdorff pela Amazônia, quando grafou o som de diversos animais.

A montagem do concerto, que é tão performático quanto musical, incorpora recursos da performance corporal e vocal que dialoga com o Teatro da Crueldade de Antonin Artaud (1975) e alguns dos métodos propostos pela Taanteatro Cia, dos diretores Maura Baiocchi e Wolfgang Pannek (2007, 2013, 2016), que, inclusive, acompanharam e orientaram generosamente alguns aspectos da montagem.

A composição está estruturada em quatro seções, cada uma com linguagem e formação instrumental distintas. As seções 1 e 2 são as mais tradicionais, tanto na escrita quanto na orquestração: sexteto de cordas e percussão sinfônica, em estilo microtonal e minimalista. As influências são do Scelsi, Arvo Part, Steve Reich e também do Uakti.

 

Seção 1 – Raízes e galhos

A Seção 1 chamei de Raízes e Galhos. Há aqui uma literalidade figurativa quanto ao sexteto de cordas, onde as tessituras relacionam as violas e os violinos em microtonalismo ascendente ao tronco e aos galhos, e os violoncelos em microtonalismo descendente obviamente aludem às raízes, resistências vegetais que culminam nos sons da percussão, que arrebentam e quebram a artificialidade dos fios e do asfalto do mundo dos homens.

 

O canto da roda

Na roça, na tenra infância, entre 1976 e 1980, a janela do quarto onde dormia a escuta-bebê acusmática e curiosa, dava para a estrada que atravessava o povoado rural mineiro chamado Biguatinga. Imerso nessa soundscape rural, era despertado quase todas as manhãs com o som da roda do Carro de Boi. Um fio contínuo se aproximava largamente ao longe em pianíssimo. A engrenagem da roda, que fricciona madeira com madeira e exala cheiro de queimado, gemia mais agudo ou mais grave consequente ao peso da carga que transportava. Ao se aproximar da janela do quarto, que dava para estrada de terra batida, o contínuo se intensificava num crescendo até o fortíssimo. Surgiam sons de outra natureza: os secos e stacattos das patas dos bois que batiam contra o cascalho; o deslizar das rodas pelas estrias do chão craquelavam as pedras; gritos dos carreiros; conversas difusas; carga batendo – colheitas, sacas, madeiras, latões de banha e de leite. Tudo isso espantava a sonolência e me fazia sentar no berço. E sentado apreciava o fim do concerto: o contínuo se dissolvia no espaço sonoro num perdendosi ao longe. A quadridimensionalidade sonora que existia ali, interagia diretamente com meus fantasmas e criações infantis. Foi naquele tempo, e com este instrumento primitivo – a roda – que iniciei meus estudos musicais. Não vislumbrava em menino que já estava habilitando uma escuta. Tampouco que, após 40 anos, viria localizar o arcaísmo de um canto recentemente extinto nas composições contemporâneas de Giacinto Scelsi. (RODRIGUES, 2016)

 

Mutirão de carros de boi de Campos Gerais

 

Segundo Rogério Correa (2013), o vestígio mais remoto do Carro de Boi vem de cerca de 7500 anos, da Índia. Durante milênios, o carro movido por tração animal, no caso bois, foi o meio de transporte de carga que construiu impérios e civilizações. No Brasil colonial, com o lamento de suas rodas, transportou por solo toda madeira de desmatamento e pedras preciosas vilipendiadas até os portos que abasteceram de matéria prima a Europa. Durante o século XX, foi sendo substituído por trens, mas o som de suas rodas foi ouvido cotidianamente até os anos 70, quando foi definitivamente substituído por veículos motorizados. Paradoxalmente, condensei essa sonoridade às raízes e aos galhos justamente para invocar um movimento inverso na contemporaneidade. Frente a um novo paradigma ético-estético, semear o reflorestamento do solo Brasileiro e a preservação dos recursos minerais. Movimento que localizo em cada mínima ação ecologista, na agroecologia e na permacultura.

Mas, antes de tudo, tem as durações do Mineral. Os compassos de silêncio têm a ver com as eras geológicas. Com o tape quase inaudível, busquei contrapor a aceleração e a saturação ruidosa do nosso tempo, ao tempo de formação dos cristais. Uma forma de deslocar o ouvinte para uma outra temporalidade, de aquietá-lo para o que viria a seguir. Escutar o silêncio das pedras, escutar a duração de um cristal se fazer, dar voz às pedras…

 

Seção 2 – Patas

A Seção 2 Patas é a mais curta e praticamente é uma continuidade percussiva da Seção 1. Valiosa devido ao fato de que é onde fica evidente o 9 estrutural que sustenta toda a obra[5]. Outra peculiaridade importante foi a instrução dinâmica para o bumbo sinfônico[6], onde pretendi que os percussionistas fizessem devir-animal, nas intensidades aquém de pp e além de ff, o que em Eco, se referem ao devir inumano. São intensidades que, para mais ou para menos, só acontecem no âmbito indomável e animalesco da perigosa e arriscada selvageria.

 

Ensaio de orquestra, instrução aos percussionistas.

Fotos Valéria Rodrigues

 

Seção 3 – Asas

A seção 3 Asas é uma brincadeira com espacialidade musical. Brinquei com a poesia do Manoel de Barros (2013) e com a noção de Paisagem Sonora do Schafer (2001), para criar uma festa para os sentidos! É também a exposição orquestral de uma pesquisa bioacústica associada à ornitologia. O recorte de paisagem foi os arredores do povoado de Biguatinga, região serrana do sudoeste mineiro, onde fiz 4 gravações. Num sítio desabitado, posicionei um gravador na borda de uma mata e à margem de um riacho, durante o nascer e o pôr do sol; a primeira vez num dia de inverno em julho e seis meses depois num dia de verão em dezembro. Foram cinco horas de áudio que levei para posterior análise em laboratório. Detectei o canto de 18 espécies de pássaros, 4 insetos e 1 anfíbio. Neste tempo, fiz uma pesquisa bibliográfica em ornitologia sobre o comportamento e o canto de cada um dos pássaros da paisagem sonora gravada. Quem me orientou foi a Marta Catunda (1993), que além de parceira no exercício de “apanhar desperdícios”, é doutora em educação ambiental e em voz de passarinhos.

 

Excerto de gravação bioacústica

 

Povoado de Biguatinga, distrito de São Pedro da União, MG. Vista aérea e sítio desabitado no inverno e no verão de 2015.

Fotos Rodrigo Reis

 

Isolei cada um dos sons, comparei com outras gravações da mesma espécie feitas por ornitólogos, observei padrões repetitivos e variáveis e, por extração e colagem, determinei um perfil sonoro final, a síntese do canto de cada pássaro. O resultado foram 120 segundos de material sonoro, que transcrevi para partitura em notação microtonal e orquestrei. Usei instrumentos tradicionais, no caso, duas flautas, um piccolo, um clarinete e um violino e também três flautas de nariz, conhecida por zabelê, e uma dezena de apitos ornitológicos.

 

Estudo de orquestração de partituras animais com apitos ornitológicos.

Fotos Rodrigo Reis

 

Em Eco, somente as transcrições foram uma tarefa à parte. Ao longo da história da música, diversos compositores manejaram cantos de pássaros em suas obras. Mas somente no século XX, a busca pela precisão se sobrepõe à representação dos cantos, como observamos em Messeaien, no seu Tratado de Ornitologia (2002). Desprovidos das tecnologias eletrônicas e digitais, o critério de captura se limitava à percepção auditiva e o de registro, ao sistema de 12 tons. Eco se diferencia do valioso trabalho destes mestres em dois aspectos: as gravações digitais foram submetidas a programas de análise de espectro e frequência, o que permitiu uma ausculta minuciosa das alturas e durações dos sons animais. E quanto ao registro, a notação em quartos de tons ampliou a escala de 12 para 24 alturas, ampliando significativamente a exatidão na transcrição. Porém, os recursos tecnológicos não tornam a tarefa mais simples. Demorei, em média, uma hora para transcrever cada segundo. Ou seja, foram 120 horas de trabalho, distribuídas em 3 meses, para transcrever os 120 segundos de canto de pássaros gravados.

010 Partitura Microtonal

Transcrição para escrita microtonal da síntese do canto da Graúna (RODRIGUES, 2016).

 

Partitura microtonal da síntese do canto Graúna

 

Para compor o design do jardim sonoro, tratei cada canto como série e dispus as 18 séries de pássaros, as 4 séries de insetos e a série do sapo, ao longo de um ciclo circadiano, na forma do Ângelus, onde as vozes e os guizos da bicharada substituem os sinos, que badalam a cada seis horas nas pequenas cidades e povoados do interior mineiro. Reagindo aos diferentes graus de luminosidade, a bicharada badala na Alvorada, passa pela Menor Sombra em direção ao Crepúsculo e completa o ciclo nos Espantos da Noite.

Capela do povoado Cerrados, distrito de São Pedro da União, MG. Fotos Rodrigo Reis

Segundo Schafer, “um jardim é uma festa para os sentidos”. Aqui, a lista de convidados para esta festa (por ordem de presença): Manoel de Barros, Bem-te-Vi, Canário da Terra, sr e sra Saracura, Trinca Ferro, Seriema, Biguatinga, Cricrió, sr e sra João-de-Barro, Abelhas, Graúna, Uirapuru, Maú, Acauã, bando de marrecas Irerê, Sabiá Laranjeira, Rolinha Fogo-Apagou, Cigarra, Coruja Buraqueira, Vagalumes, Sapos Manauara, Grilos, Coruja Caburé e Mãe da Lua. Cabe alertar ao ouvinte sobre a dramaturgia aqui composta, com o prenúncio de aquecimento global cantado por Acauã no fim do dia. E também, o mal agouro de morte presente no último canto da seção 3, que anuncia o Fim do Homem na próxima seção, pelo Urutau, a Mãe da Lua.

 

Ilustração de aves para o documentário ECO Cantos da Terra. Arte Tania Campos

 

Seção 4 – O fim do homem

Sem dúvida, a evocação mais problemática do aforismo é a que determina o desaparecimento dos humanos, já que estes também compõem o sistema de relações ecológicas junto aos animais, vegetais e minerais. E, neste ponto, procurei ser rigoroso quanto a uma noção de Homem, a partir de uma questão fundamental: a qual homem o aforismo se refere? Encontrei as pistas no paradigma Ecocentrado de Leopold (2008), no pensamento Nietzschiano (2011), nos conceitos de Homem-Rosto e devir em Deleuze-Guattari (1997) articulados ao Corpo-sem-Órgãos de Artaud (1988). Aqui cabe um sucinto detalhamento:

O Ecocentrismo questiona o Antropocentrismo e sua herança Teocêntrica. Tais paradigmas justificam e legitimam um homem sustentado sobre um Eu construído historicamente na modernidade europeia e, ao mesmo tempo, herdeiro da tradição medieval cristã que o define como “imagem e semelhança de Deus”. Homem industrial que toma o corpo da Terra e seus recursos minerais, vegetais e animais conforme sua conveniência utilitária, numa cultura liberal-lixuosa de uso e descarte.

Sobre os Últimos Homens, no prólogo III de Assim Falou Zaratustra, Nietzsche é contundente ao afirmar que o Homem é algo a ser suplantado: “Que é o macaco para o homem? Um motivo de riso ou uma dolorosa vergonha. Pois é o mesmo que deve ser o homem para o Além-do-Homem: motivo de riso ou uma dolorosa vergonha”. No Prólogo IV, o homem aparece como uma transição: “O homem é uma corda estendida entre o animal e o além-do-homem – uma corda sobre um abismo. O que há de grande, no homem, é ser ponte, e não meta: o que pode amar-se, no homem, é ser uma transição e um ocaso”.

Cito Deleuze e Guattari ao discorrer sobre os devires, em Mil Platôs:

Por que há tantos devires do homem, mas não um devir-homem? É primeiro porque o homem é majoritário por excelência, enquanto que os devires são minoritários, todo devir é um devir-minoritário. Por maioria entendemos a determinação de um estado ou de um padrão: homem-branco, adulto-macho. Maioria supõe um estado de dominação, não o inverso. É nesse sentido que as mulheres, as crianças, e também os animais, os vegetais, as moléculas são minoritários (DELEUZE; GUATTARI, 1997).

Apresentada a noção de homem, outras questões se apresentam em Eco: quais vozes dariam voz ao Último Homem? Que qualidades teriam estas vozes? Como imprimir nesta emissão vocal uma impessoalidade destituída da forte noção ocidental de Eu? Decidi descartar as vocalidades ocidentais, ou seja, descartei os recursos comuns à música europeia dos últimos séculos: as asceses vocais do medievo, o bel canto, o sprechgesang e inclusive os recentes recursos vocais propostos pelos futuristas e os compositores da música concreta, também o belting e os estilos populares concernentes à indústria cultural. Do que foi excluído, restaram as expressões étnicas e populares (não industriais) dos povos do mundo, e algo que pudesse ser criado especificamente para esta obra.

Ao optar por estes recursos vocais – étnicos e criativos – respeitei alguns critérios: a. que em primeira instância algo fosse criado; b. que esta criação se desse por meio de experiências multilaterais entre intérpretes e compositor; c. que somente se algum intérprete dominasse previamente certa expressão étnica, p.ex. africana, indígena ou asiática, tal material seria incorporado na obra.

Os laboratórios de pesquisa e criação no que chamei Glossolalia Intensiva, aconteceram durante 5 meses. Os contágios vieram principalmente da prática do ‘Alfabeto Sonoro’, criada por Wolfgang Pennek da Taanteatro e da ‘Lalação’ presente na obra musical da compositora americana Meredith Monk. A proposta é explorar amplamente e minuciosamente a musculatura fonatória que, como na criança em seus primeiros balbucios, mobiliza todo o corpo numa gesticulação global.

A Glossolalia (CERTEAU, 1980; MALISKA, 2010) é relaciona a uma fala xamânica bastante explorada por Artaud e presente nos ritos oriundos das diásporas Africanas e dos indígenas americanos. Mas sua prática já foi descrita no novo testamento em forma de ‘dom de línguas’, na literatura psiquiátrica, tanto quanto é exercida de forma lúdica por crianças ou na cena de palhaços. Em qualquer contexto, a glossolalia se relaciona com uma instabilidade do discurso e da vocalidade, sempre como transbordamento e excesso de um código, norma ou estrutura. O caráter Intensivo que agreguei à prática glossolálica se refere às potências afetivas propostas por Espinosa em sua Ética (FERREIRA, 2015), o que, em si, é uma investigação abrangente.

Ao trabalhar com as intensidades afetivas nos laboratórios, cada performer escolhia um ou dois afetos, diante um espectro de afetos. A proposta é para que fossem afetos tristes, uma vez que a composição se referia ao fim do homem. A partir da escolha singular, os intérpretes trabalham a respiração do afeto, em conexão com memórias afetivas que colassem a ele, culminando na emissão vocal glossolálica.

 

Laboratórios de Glossolalia Intensiva no Instituto de Artes da UNESP em agosto de 2016.

Fotos Valéria Rodrigues

 

Lancei uma audição para um processo de ensino, pesquisa e criação em performance vocal na técnica da Glossolalia Intensiva. Processo de desconstrução do canto, que tive o prazer de conduzir para 18 performers. Grupo heterogêneo e muito especial composto por pesquisadores atores, terapeutas e artistas do corpo. Muito interessado nas vozes não-cantoras, diversas e naturais, anunciei:

“Basta estar interessado para ser incorporado no coro glossolálico; não há processo seletivo; quaisquer singularidade e diferença expressiva são bem-vindas; não é necessário conhecer música, nem ler partitura; porém, caso o interessado seja cantor, é necessário investir num projeto de desconstrução do canto, para vir a dançar com a voz” (RODRIGUES, 2016).

O resultado foram os solos vocais criados por cada performer, que serviram de matéria composicional. E que, arranjados em sequências e sobreposições, formaram a Seção 4.

Na prática, utilizei o quadro fonético como suporte e roteiro para desenvolver a investigação fono-articulatória voltada para produção de glossolalias. A musculatura fonatória dos pontos de articulação e dos modos de articulação foi exercitada com o grupo, a partir do Alfabeto Fonético em português recortado no sotaque do sudeste brasileiro; isto com a intenção de imprimir as marcas de uma paisagem. Penso Eco como uma obra aberta, que, ao ser remontada em outra região linguística ou país, poderá imprimir as marcas singulares de cada paisagem. Segundo Schafer (2001), a marca de paisagem “se refere a um som que seja único e possui qualidades singulares e significativas para determinada comunidade, de determinado lugar”.

Venho desenvolvendo uma proposta pedagógica em cima dessa ideia, por exemplo: com outros grupos, explorar o Alfabeto Fonético com as peculiaridades da língua francesa, do mandarim ou do banto… Isso tornaria única cada montagem de Eco, compondo ecossistemas vocais vivos e curiosamente originais.

 

019 Quadro Fon+¬tico

Quadro Alfabeto Fonético Internacional com grifos dos fonemas do Português Brasileiro (RODRIGUES, 2016)

 

Em Eco, o homem não desaparece em extinção apocalíptica como num filme hollywoodiano. Ele se transmuta, por movimentos de involução, num Além-do-Homem. Para isso, importei o conceito de Homem-Árvore que Artaud (1998) apresenta em 1947, numa carta-poema dedicada ao amigo Pierre Loeb. O Homem-Árvore define para Artaud o Corpo-sem-Órgãos, ou corpo intensivo. Isso não só resolve o ‘desaparecimento do homem’, como também oferece uma direção cênica e intensiva para obra: o Homem-Árvore é um Corpo sem Órgãos em permanente devir com outros modos de vida inumanas – moleculares, mineiras, vegetais, animais. O Homem-Árvore tem, portanto, um corpo ecossistêmico, esquizoprença… e aqui me ponho novamente em diálogo com Maura Baiocchi (2016).

É neste ponto da obra que o coro terminal dos Últimos Homens se transmuta numa floresta de Homens-Árvores, ecossistema sonoro que dá lugar ao surgimento de Gaia e suas múltiplas vozes do feminino. Suavemente, o corpo matriarcal de Gaia, composto de barro e sementes, ocupa o lugar patriarcal do regente, munido com batuta e seu terno respeitoso. A partir daí, em dueto com a máquina-falo, uma motosserra, Gaia trava um embate com o homem industrial, que culmina no desejo afirmativo da vida, o que é sustentado por uma partitura vegetal.

Solista vocal e solista de percussão (galho de árvore) e maestro. Apresentação do concerto ECO em 17 de outubro de 2016 no Instituto de Artes da UNESP.

Fotos José Romero

 

Eco foi um processo transdisciplinar, sem dúvida, um território fértil e prenhe de potencialidades que certamente marcou todos os que o compuseram. Só a montagem e gravação do concerto envolveram diretamente cerca de 50 pessoas, entre performers, instrumentistas e técnicos de dentro e de fora do Instituto de Artes da UNESP.

 

Ensaio de orquestra e coro para ECO no Teatro Reynúncio Lima (Instituto de Artes da UNESP) em outubro de 2016.

Fotos da esquerda para direita de Valéria Rodrigues e José Romero

 

Ao colocar todo o processo em questão, enquanto fazer micropolítico social, subjetivo, ambiental; enquanto ação ética-estética em devir-revolucionário; enquanto processo de ressingularização e reconquista da autonomia criativa, solidária e cada vez mais diferente… São questões que só cabem aos envolvidos e aos ouvintes desenvolver. E é a partir da posição de envolvido-ouvinte que arrisco: Eco é um meio minúsculo!

 

Bibliografia

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________. Para Acabar de vez com o Juízo de Deus, seguido de O Teatro da Crueldade. Lisboa: & etc, 1975.

BARROS, M. Biblioteca Manoel de Barros, 18 volumes. São Paulo: LeYa, 2013.

BAIOCCHI, M. e PANNEK, W. Teatro Coreográfico de Tensões. Rio de Janerio: Azougue Editorial, 2007.

______. [Des]construção e Esquizoprezença. São Paulo: Taanteatro Companhia, 2016.

______. MAE Mandala de Energia Corporal. São Paulo: Transcultura, 2013.

CATUNDA, M. O canto de céu aberto e de mata fechada. Cuiabá: Edufmt, 1994.

CERTEAU, M. de. Utopies Vocales: glossolalies. Revue Traverses: la voix, l‟écoute. Paris, 1980, n. 20, pp. 26-37.

CORREA, R. Festas de Carro de Boi. Pará de Minas: Virtualbooks, 2013.

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FERREIRA, A. Introdução à Filosofia de Spinoza. São Paulo: Quebra Nozes, 2015, p. 29 a 40.

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GUATTARI, F. As três ecologias. 11ª ed. Campinas: Papirus, 2001.

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LEOPOLD, A. Pensar como uma Montanha. Águas Santas: Sempre-em-Pé, 2008. (Título original A Sand County Almanac, Oxford University Press, Inc., 1949).

MALISKA, M. E. Glossolalia: polifonia e polirritmia vocal. Linguagens – Revista de Letras, Artes e Comunicação ISSN 1981-9943 Blumenau, v. 4, n. 2, p. 248-257, mai./ago. 2010.

MATURANA, H. e VARELA, F. De máquinas e seres vivos. Autopoiese, a Organização do Vivo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

MESSIAEN, Olivier. Traité  de  rythme,  de  couleur  et d’ornithologie. Paris: Alphonse Leduc, 2002. VII Tomes.

NIETZSCHE, F. Assim Falou Zaratustra. São Paulo: Companhia das Letras: 2011.

RODRIGUES, R. R. ECO Processos Composicionais e Autopoiese. (Bacharelado em Composição). São Paulo: Instituto de Artes da UNESP, 2016.

SHAFER, M. A afinação do mundo. São Paulo: UNESP, 2001.

 

Recebido em: 31/10/2017

Aceito em: 15/11/2017

 


[1] Bacharel em música Composição pelo Instituto de Artes da UNESP, mestrando em artes pelo IA-UNESP e esquizoanalista coordenador da Rede Ecosofia – Ética para o século XXI.

[2] A gravação do concerto foi realizada na apresentação de 22 de outubro de 2016. A equipe utilizou 6 gravadores e 3 câmeras para contemplar a espacialidade complexa de Eco espalhada pelo Teatro Reynuncio Lima: 2 conjuntos instrumentais – regente, solistas e sexteto de cordas à frente e percussão ao fundo da platéia; quatro flautistas posicionados em 2 arquibancadas e nos primeiro e segundo mezaninos; coro de 18 vozes misturado à platéia e espalhado no centro e laterais do teatro.

[3] A captação e equalização por diversos itinerários sonoros, transitou entre os fortíssimos do bumbo sinfônico e o estupro auditivo de uma motosserra, passando pelo farfalhar sutil das folhas de um galho de árvore, até os efeitos quase inaudíveis dos violinos – o tape –, todos acústicos, ou seja, sem amplificação.

[4] Autopoieses (do grego auto “próprio”, poieses “criação”) é um termo criado na década de 1970, pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios (MATURANA e VARELA, 1997).

[5] Na pesquisa observei que, do mesmo modo que o 7 é um número transcendente e cultural, o 9 é um número imanente e natural. Estruturei a obra no 9 e seus múltiplos 3, 27 e 81. As divisões de compasso são em 9/2, 9/4 e 9/8 e todas as seções possuem igualmente 81 compassos. Os eventos mais significativos presentes no desenvolvimento das peças acontecem de 3 em 3, 9 em 9 ou 27 em 27 tempos e/ou compassos. Nas seções 1 e 2, manejei por adição e extração a partir de 27, os movimentos microtonais e os acentos dinâmicos, visíveis nas partituras. Com esta matemática sonora, cito um procedimento já empregado pelo grupo Uakti na obra 21, composta para o balé homônimo do Grupo Corpo (RODRIGUES, 2016).

[6] Instrução para percussionistas, impressa na partitura: “O pppp equivale ao som da pétala de um dente-de-leão pousando numa superfície aquática; ppp = ao som de gotículas de água que ao longo das eras geológicas formam um cristal; fff = a biofonia da cópula de baleias jubartes; ffff = a geofonia de abalos sísmicos entre placas tectônicas que provocam (catástrofes humanas ou meras redefinições geográficas advindas de) fortes terremotos e tsunamis” (RODRIGUES, 2016).

 

 

ECO cantos da terra, um meio minúsculo

 

RESUMO: O ensaio narra a produção do documentário ECO Cantos da Terra. O longa cartografa a pesquisa, o processo de criação, produção e apresentação de ECO, concerto para ensemble, galho de árvore, voz e pios. A obra musical microtonal é uma Ode à Ecosofia, conceito de Felix Guattari, apresentado no seu ensaio As Três Ecologias. A pesquisa se desenvolveu em três frentes: uma etnomusicológica com foco no som da roda do carro de boi; uma bioacústica em torno do canto de 18 aves, 4 insetos e 1 anfíbio, gravados na região serrana do sul de Minas Gerais; outra em torno da voz, especificamente a Glossolalia. Os autores de referência são Aldo Leopold, Nietzsche, Artaud, Deleuze-Guattari, Murray Schafer e o compositor Giacinto Scelsi. O resultado foi a composição e a produção do concerto contemporâneo ECO, obra ético-estética, cuja temática se relaciona às mais urgentes questões ambientais e climáticas do nosso tempo.

PALAVRAS-CHAVE: Ecosofia. Três Ecologias. Paisagem Sonora. Bioacústica. Glossolalia. Concerto Contemporâneo.


ECO songs of the earth, a tiny medium

ABSTRACT: The essay narrates the generation of the documentary ECO Cantos da Terra. The feature film is a cartography of the research, the creation process, production and exhibition of ECO, ensemble concert with tree branch, voice and pious. The microtonal musical work is an Ode to Ecosophy, a concept of Felix Guattari, presented in his essay The Three Ecologies. The research is developed on three fronts: an ethnomusicological focusing on the sound of the ox cart wheel; one bioacoustics about 18 birds, 4 insects, and 1 amphibian, recorded in the mountainous region of southern Minas Gerais; another around the voice, specifically the Glossolalia. The reference authors are Aldo Leopold, Nietzsche, Artaud, Deleuze-Guattari, Murray Schafer and the composer Giacinto Scelsi. The result was the composition and production of the contemporary ECO concert, ethical-aesthetic work, whose theme is related to the most urgent environmental and climatic issues of our time.

KEYWORDS: Ecosophy. Three Ecologies. Sound Landscape. Bioacoustics. Glossolalia.  Contemporary Concert.


RODRIGUES, Rodrigo Reis. ECO cantos da terra, um meio minúsculo. ClimaCom – Cosmopolíticas da Imagem[online], Campinas, ano.4, n.10, Nov. 2017. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=7829