“Plano de energia eficiente exige repensar a política industrial”, afirma pesquisador

Falar em energias renováveis é sinônimo de um longo caminho a ser percorrido: elas respondem por apenas 18% da matriz mundial – número que poderá dobrar até 2030 caso o objetivo da Organização das Nações Unidas (ONU) seja alcançado.

Por Meghie Rodrigues

Falar em energias renováveis é sinônimo de um longo caminho a ser percorrido: elas respondem por apenas 18% da matriz mundial – número que poderá dobrar até 2030 caso o objetivo da Organização das Nações Unidas (ONU) seja alcançado. Dados do Ministério das Minas e Energia (MME) mostram que fontes renováveis somaram animadores 41% da produção energética total no Brasil ano passado. A grandes responsáveis foram a biomassa da cana e a energia hidráulica, que respondem, respectivamente, por 16,1% e 12,5% da produção nacional. Só as hidrelétricas responderam por 79,3% da produção de energia elétrica no país em 2013.

Pesquisadores, no entanto, apontam que ainda há muito a se fazer. Reconsiderar fontes de energia e pensar na sustentabilidade delas, incluindo as renováveis, é o grande desafio. Especialmente considerando-se que no panorama mundial, a tendência do consumo é só aumentar. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a previsão é que a demanda mundial por eletricidade aumente 70% até 2035, sendo que metade desse percentual se concentrará na China e na Índia. No Brasil, só no ano passado o consumo final de energia elétrica foi 3,6% maior em comparação a 2012.

Apesar de mais da metade da demanda ter sido suprida por petróleo, gás natural e carvão mineral (sendo que o petróleo responde por quase 40% da produção nacional), o Brasil avançou em algumas áreas. A geração de energia através de material orgânico, ou biomassa, foi uma delas.

De acordo com a síntese do Balanço Energético Nacional do MME, lançado em maio, a energia gerada pela biomassa da cana-de-açúcar foi 9,3% maior no ano passado em comparação a 2012. O etanol foi responsável por quase 5% da produção nacional em 2013. Mas é preciso ir para além disso. “Somos o terceiro maior produtor de biodiesel do mundo, gerando 500 quilos de óleo por hectare plantado. E a transformação da cana em etanol foi bem sucedida por aqui, mas precisamos desenvolver a segunda geração de biocombustíveis”, conta Marcos Freitas, coordenador da sub-rede de Energias Renováveis da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele aponta para a palha de milho como matéria-prima com potencial de gerar etanol, recurso ainda pouco explorado por aqui. “É possível quebrar moléculas de celulose por hidrólise. O processo está sendo estudado no mundo e países como os Estados Unidos estão experimentando com a técnica. Ainda estamos atrás nesse quesito”, completa.

Freitas aponta que o mais importante, no entanto, é desenvolver políticas de desenvolvimento tecnológico para fomentar o surgimento e consolidação de energias renováveis. “Estamos perdendo oportunidades porque somos basicamente montadores, ao invés de desenvolvedores, de tecnologia em energias renováveis”. As iniciativas existem, nesse sentido, mas são poucas e esparsas. “Temos uma empresa de energia eólica de pequeno porte, a Enersud, radicada no Rio de Janeiro, e já tivemos a Heliodinamica, de São Paulo, que desenvolvia painéis solares nos anos 1980, mas faliu. Agora importamos toda a tecnologia e apenas montamos as peças aqui”, pondera.

Para Celio Bermann, ex-assessor da então ministra Dilma Rousseff no Ministério das Minas e Energia (2003-2004) e professor da Universidade de São Paulo (USP), o Brasil ainda dá muita atenção a fontes combustíveis fósseis, termelétricas e hidroelétricas. Segundo o MME, só petróleo e derivados e energia hidráulica responderam, juntos, por 51,8% da produção energética nacional no ano passado. “A necessidade de se ampliar a participação de outras fontes é fundamental – mas só o é se houver junto com essa ampliação uma mudança rigorosa na demanda de energia elétrica no país”, pondera.

Demanda essa que é apontada pelo cientista como o principal problema – e oportunidade – da questão energética do país, muito além da ampliação de fontes renováveis. O combate ao desperdício, ou conservação de energia, pode ser uma boa alternativa. “A conservação é talvez a fonte energética mais limpa que se pode ter: é a energia que não precisa ser produzida para satisfazer as necessidades da população e do aparelho produtivo”, conta Bermann. Para ele, o Brasil precisa entender a conservação e o aumento da eficiência do consumo de energia como uma alternativa energética viável. “Há muitos países que estão investindo em segurança energética. Não é mais difícil nem complicado. O que falta é vontade política para fazer isso”, complementa.

Não é possível, no entanto, pensar no fomento de energias renováveis, sustentáveis ou em conservação de energia sem pensar na política industrial do país. Cerca de 30% do consumo interno total é abocanhado por seis setores: cimento, siderurgia, metais não-ferrosos (como o alumínio), ferroligas (do ramo da metalurgia), petroquímica e papel e celulose, em ordem decrescente. “Excetuando cimento e petroquímica, que tem sua produção direcionada ao mercado interno, todas as outras são voltadas para o mercado externo”, diz Bermann. Para ele, é fundamental redirecionar o perfil industrial brasileiro para pensar a política energética, mas isto não é feito. “O que vemos agora é uma imposição dos interesses internacionais e ausência de um projeto nacional”, critica o pesquisador.

Seria crucial, então, pensar em políticas de economia de energia para a indústria, principalmente para estes setores. Mas não se trata de sair fechando fábricas pelo país, diz Bermann. “Não é fechar fábricas, é não criar mais demanda ampliando-se a produção”, pondera.